01 de abril de 2019 | 03h00
SÃO PAULO - Papel e caneta na mão, Leonardo Queiroz faz desenhos de rins, pulmões e coração com detalhes que surpreendem até o professor. Aos 16 anos, ele nem pegou o canudo do ensino médio, mas já visitou a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. No laboratório da USP, em meio a cadáveres para estudo, encontrou a própria vocação. “Na hora fiquei até nervoso. Sempre quis estar lá”, diz ele, que sonha com a Medicina.
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Aluno do 2º ano do Colégio Dante Alighieri, na região central de São Paulo, Leonardo tem as aulas de sempre – Português, Matemática, Geografia – e também a chance de se aprofundar nos estudos de Anatomia com professores que vêm direto da USP. Como o Dante, outros colégios particulares da capital já fecham parcerias com universidades para oferecer matérias conectadas com as carreiras a estudantes de ensino médio.
Com metodologia parecida à da graduação, as disciplinas em parceria funcionam como um spoiler (adiantamento) do que os alunos vão encontrar lá na frente. Para os colégios, são uma forma de ampliar o cardápio aos estudantes, facilitar as escolhas e prepará-los para os novos desafios. E, para as universidades, uma possibilidade de “vender o próprio peixe” aos futuros universitários.
“Escolher a carreira aos 17 anos sem repertório pode não ser muito adequado”, diz a diretora pedagógica do Dante, Valdenice Minatel. Em meio às discussões sobre um ensino médio mais flexível, o colégio abriu há dois anos uma lista de disciplinas opcionais. Entre elas, agora, surgiram matérias ensinadas por professores de faculdades como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e a USP.
Aluna do Dante, Clarice Villari, de 17 anos, fez uma salada mista para descobrir a vocação. Cursou disciplinas nas áreas de Ciências e Exatas e estudou, durante um semestre no ano passado, Jornalismo com professores da ESPM que iam à escola toda semana. No fim, percebeu que a área não fazia seu estilo. “Descobri que tinha uma parte que não conseguiria fazer. Tivemos de escrever uma reportagem, entrevistar, apresentar... Eu ficava nervosa. Sou muito tímida.”
O contrário aconteceu com Gustavo Campos, de 18 anos. Quando o Colégio Bandeirantes, na zona sul, abriu uma aula extra sobre motores a combustão, ele se animou. Com um manual na mão e ferramentas como chaves de fenda, Gustavo e os colegas tinham o desafio de criar os próprios equipamentos. Tudo sob a supervisão de professores do colégio e do Instituto Mauá de Tecnologia, uma escola de ensino superior.
“Eles têm a oportunidade de estar em contato com professores, conhecem as instituições, o currículo”, diz o professor Renato Villar, do Bandeirantes. Depois de visitar os laboratórios da Mauá, Gustavo voltou aos carrinhos de corrida da universidade – desta vez para ficar. “A aula no curso extra é o que estou tendo agora na graduação. Os professores falam que temos de ir atrás de tudo o que precisamos. Não é mastigado”, diz o aluno, que acabou de ingressar em Engenharia.
No Bandeirantes, além da parceria com a Mauá, todo o currículo de uma das disciplinas obrigatórias do 3º ano do ensino médio foi desenhado neste ano em conjunto com o Insper. “Queremos oferecer para alunos metodologias, práticas e atividades que dialoguem com a universidade”, diz Mariana Lorenzin, coordenadora de Ciências e Steam do Bandeirantes.
Nas aulas de Steam (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), os estudantes escolhem um tema desafiador, como aquecimento global ou energia limpa, e têm de “prototipar” (planejar) soluções. Esse tipo de tarefa já faz parte de vestibulares modernos, como o do próprio Insper.
“Vemos mudanças em vários exames de seleção. E, além disso, o aluno precisa ter autonomia, certas competências e habilidades para que esse trajeto na universidade leve a uma carreira de sucesso. Queremos que a transição seja mais fácil”, diz Mariana.
No Colégio Visconde de Porto Seguro, é também a chance de incrementar o currículo que atrai os estudantes para os cursos extras em parceria com as universidades. Neste ano, a escola oferece três disciplinas com a ESPM, a USP e a Belas Artes. Como estão fora da grade curricular obrigatória, as matérias são pagas à parte. “Todo o percurso formativo fica registrado. Isso cria um currículo principalmente para ingresso nas faculdades no exterior. Lá, a primeira coisa que perguntam é o que você fez além do que era obrigatório”, diz Lisie De Lucca, coordenadora institucional de Cultura e responsável pelos cursos extracurriculares do Porto Seguro.
“Tínhamos mais responsabilidades e éramos colocados em situações-problema”, conta o aluno do 2º ano do ensino médio do Porto Seguro Rafael Crivelaro, de 15 anos. O curso que fez, de Engenharia e Inovação, em parceria com a Escola Politécnica da USP, o ajudou a acalmar as dúvidas sobre a carreira. “Sou apaixonado por Biologia e Exatas. Foi no curso que percebi que era Engenharia o que eu queria e tive mais noção do que poderia fazer dentro da área.”
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Sim. Esse tipo de atividade que as escolas fornecem pode ser útil para que os alunos possam decidir com base no próprio conhecimento. Esse tipo de experiência proporciona ao aluno experiência de como é o curso, o mercado de trabalho na área. Quando o adolescente vai fazer a escolha, muitas vezes é com base em informações que lê, no que falam para ele, sem ter experiência própria.
A dificuldade hoje é que há um leque de opções maior, e isso implica ter mais dúvidas. Tem um bombardeio da mídia de que daqui a 20 anos nenhum curso de graduação que existe hoje vai continuar existindo, o que cria um clima de ansiedade nos alunos.
Há feiras de profissões e mostras de cursos em que as universidades promovem e abrem acesso para que alunos do ensino médio possam visitá-las, ter contato com professores e estudantes. Isso é uma grande ajuda. Mas, independentemente de iniciativas estruturadas, também é possível tentar o contato mais próximo com os coordenadores de cursos. Além disso, há programas de orientação profissional, muitos oferecidos também em faculdades, com serviços gratuitos ou que cobram valor simbólico. Na internet, existem canais no YouTube confiáveis, alguns até de universidades, que fazem apresentações de cursos. Mas também há “roubadas”, como testes vocacionais na internet que prometem muito. Nesses, não dá para confiar.
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01 de abril de 2019 | 03h00
SÃO PAULO - Como em colégios da rede privada, a conexão de alunos do ensino médio com o ambiente da universidade também é uma meta do governo do Estado de São Paulo, que lançou, em fevereiro, o programa Educa SP. A proposta é que estudantes tenham acesso a atividades complementares em instituições de ensino superior públicas ou privadas. Segundo o governador João Doria (PSDB), deverão ser oferecidos cursos com duração de 6 a 7 meses no contraturno.
O desempenho de estudantes do ensino médio na rede estadual de São Paulo está longe da meta para a etapa. Estudo divulgado pela Secretaria de Estado da Educação, com base em dados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar (Saresp), indica que quase metade dos jovens que estão concluindo o ensino médio em São Paulo tem desempenho abaixo do básico em Matemática.
A etapa é considerada a mais crítica da educação básica em todo o Brasil. “Estamos longe das metas programadas e temos um abandono de jovens, que não terminam o ensino médio. E entre os que vão para o ensino superior muitos não sabem como escolher seu projeto de vida”, disse o secretário da Educação, Rossieli Soares, no lançamento do programa. “A universidade vai se aproximar mais dos futuros alunos e ocupar os espaços ociosos.”
Na segunda quinzena deste mês, serão assinados os contratos entre as escolas de ensino superior e a pasta. Já o período de inscrição dos alunos ocorrerá no mês de maio. A meta para este ano, segundo Rossieli, é alcançar 30 mil alunos.
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