Coisas que eu queria saber aos 21: Boris Fausto

Aos 80 anos, historiador lembra dos tempos de estudante no colégio e na Faculdade de Direito da USP

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Por Redação
Atualização:

"O centro de São Paulo, na minha juventude, era um lugar muito mais formal que hoje. Eu ia para a aula, na Faculdade de Direito da USP, de terno e gravata. Chegava ao Largo São Francisco de ônibus ou de bonde. Naquela época, anos 1950, a gente precisava ficar de pé quando alguns professores entravam na sala. Mas também havia muita brincadeira, palhaçada. Afinal, éramos jovens universitários.

 

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A USP era um nome sem concorrência, porque tinha – e ainda tem – o melhor curso de Direito do País. Ainda assim, o nível dos professores era fraco, com algumas honrosas exceções. A relação deles com os alunos era distante, você não podia perguntar nada, só ouvia. E nesse clima de falta de comunicação passaram-se cinco anos...

 

Foi fácil escolher a universidade e, de certa forma, o curso também. Minha família só me deu três opções, mas desisti de Engenharia e de Medicina: era muito fraco em matemática e não queria cortar cadáveres. Sobrou-me Direito.

 

Não existia essa loucura de vestibular, e a seleção para a faculdade ocorria escola por escola. Fazíamos um exame escrito e um oral. Acho que passei em 4.º lugar, entre 250 candidatos.

 

A minha predileção pelas humanidades vinha desde a adolescência. Estudei no Colégio Mackenzie do jardim de infância até o equivalente, hoje, ao 1.º ano do ensino médio. A escola tinha uma fama muito boa, mas não havia muita diversidade. Seu objetivo era formar engenheiros e, por isso, o colegial clássico era nitidamente desvalorizado, ao contrário do científico.

 

Fiz seis meses de aula e desisti, porque me sentia um peixe fora d’água em um ambiente em que os alunos eram desinteressados e os professores, muito fracos.

 

Lembro-me de uma conversa com um amigo do meu pai em que falei de minhas dúvidas e a insatisfação com a escola. Ele e outras pessoas me recomendaram procurar o Colégio de São Bento.

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Sair do Mackenzie foi uma decisão minha, com o apoio do meu pai – minha mãe já havia morrido.

Por ser judeu, precisei convencer os monges a me aceitaram, pois não tinha o batismo católico. Fiz muitos amigos na nova escola. Dois deles, para a vida inteira: os irmãos Augusto e Haroldo de Campos (que se tornariam os pais do concretismo).

 

Fundamos O Centro, jornalzinho do centro literário do São Bento, em que eu escrevia sobre coisas variadas. Lembro que a primeira edição foi um escândalo, porque fiz um editorial chamada Me apresentando. Esse pronome causou um furor – os padres chegaram a dizer que eu era um mau exemplo!

 

Já na faculdade, fazia parte de uma minoria socialista em um ambiente predominantemente udenista, que fazia oposição a Getúlio Vargas. Depois, radicalizei e virei trotskista. Acho que tinha a ver com a juventude e com o contexto da época. Aos poucos, fui me democratizando.

 

Formado em Direito, advoguei por dez anos em um escritório que aceitava demandas de todas as área. O trabalho era interessante, mas não dava para continuar porque os ganhos eram irregulares. Havia me casado e precisava ter uma renda fixa. Passei em um concurso para procurador do Estado e fui designado para a consultoria jurídica da USP.

 

Os salários haviam melhorado e, aos 32 anos, com apoio da minha esposa (a educadora Cynira Stocco Fausto, que morreu no ano passado), que via minha insatisfação intelectual, resolvi fazer História.

 

Trabalhava praticamente no mesmo prédio em que tinha aulas. No fundo, entrei na faculdade sem muitas ilusões. Para mim, era uma maneira de sistematizar o estudo, ter referências bibliográficas. E ali eu me destacava, porque a turma era mais nova e eu já tinha experiência de vida e de leitura.

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Aliás, se tem uma coisa de que eu me arrependa é ter sido muito fiel aos estudos. Deveria ter sido um aluno mais ou menos e aproveitado mais a juventude. Não que eu tenha deixado de jogar futebol, namorar, ir ao cinema. Mas poderia ter feito mais. Por outro lado, se eu não tivesse investido tanto tempo nos livros, não teria chegado onde cheguei."

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