Cidades ainda são um desafio até para os cursos de Engenharia

Há poucas graduações e pós na área; no caso, a Engenharia Urbana se propõe a buscar soluções para um mundo em construção

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Por Ocimara Balmant
Atualização:

Caso se coloque em um gráfico quantos cursos de Engenharia Civil e Ambiental têm surgido no Brasil nos últimos anos, certamente será uma curva ascendente. Se em outro gráfico forem considerados os problemas das cidades, a curva também mostrará que a urbanização sem planejamento faz crescer continuamente mazelas. Então, certamente há algum ajuste a ser realizado na formação dos profissionais. 

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Essa argumentação era a resposta que o idealizador do curso de Engenharia Urbana da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Romero César Gomes, dava a cada vez que era questionado sobre a criação desta que é a única graduação com esta nomenclatura no País. Cursos de pós-graduação no tema são mais comuns, mas é na cidade histórica de Minas Gerais onde estão os estudantes que serão os primeiros egressos dessa engenharia que se propõe a olhar as cidades de forma integrada.

"De forma geral, os cursos propõem uma visão técnica e de forma isolada. Enquanto a Engenharia Civil está mais ligada às questões estruturais, a Engenharia Ambiental tem o olhar direcionado às questões de saneamento", compara a coordenadora do curso, Aline de Araújo Nunes. "Na Engenharia de Cidades, estudamos como gerir a cidade de forma sistêmica. Não adianta termos vias asfaltadas para aumentar a mobilidade, se isso esmaga os cursos de água dos rios."

Ufop, em MG, tem única graduação em Engenharia Urbana, mas o interesse vem crescendo ano a ano Foto: Arquivo pessoal

O curso começou em 2018 e agora já são cerca de 300 matriculados. A formatura da primeira turma acontece em 2023, e o mercado de trabalho já tem sinalizado que serão profissionais cobiçados. "O que a gente mais almeja é que estejam à frente da gestão das cidades, mas eles também têm atribuição técnica para atuar em projetos de saneamento, geotécnico de barragens, e podem ainda ser consultores, entre outros caminhos", diz Nunes.

Karinna Furst Ferreira não hesitou quando descobriu na Engenharia Urbana a possibilidade de realizar um sonho de infância. "Quando eu era criança, fazia placa de trânsito e usava para sinalizar o movimento da pracinha perto de casa. Era um prenúncio de como eu queria uma cidade que fosse mais sistêmica", conta. Estudante do oitavo semestre, ela se forma no próximo ano e já sairá da universidade com o diploma e um currículo cheio de estágios. Atualmente, estagia na Secretaria de Obras de Santa Luzia, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.

Corrigir miopias

No interior do Estado de São Paulo, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) oferece o programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana desde 1994. São quase 30 anos de produção de pesquisa com o objetivo de integrar temas como planejamento urbano, saneamento, transportes e geotecnia às áreas de meio ambiente, habitação social e geoprocessamento. "A gente tem um perfil de estudantes composto em boa parte por gestores urbanos, gente que trabalha em Secretarias de Habitação e Desenvolvimento Urbano", diz o coordenador do curso, Erico Masiero.

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Maria Eugênia Fernandes, de 34 anos, estudou no mestrado da UFSCar como a forma urbana influencia no conforto climático Foto: Arquivo pessoal

Quanto à formação inicial, é muito diversa. Existe um porcentual grande de engenheiros civis e arquitetos, mas também há sociólogos, geólogos, biólogos e bacharéis em Direito. "Essa diversidade de formação acaba sendo uma grande vantagem para o que nos propomos a fazer, que é uma formação técnica humanizada", completa Masiero. Uma das linhas de pesquisa, por exemplo, é bastante voltada à discussão sobre transporte público e sustentável.

São trabalhos que focam como incorporar sistemas ativos de mobilidade em áreas consolidadas – o que inclui preocupação com sustentabilidade e segurança. São prioridades que se impõem nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde se tem a convivência entre a cidade regular, formal, e a cidade clandestina e informal, com favelas e loteamentos irregulares.

Rio e conforto acústico

Arquiteta de formação, Maria Eugênia Fernandes, de 34 anos, estudou no mestrado como a forma urbana influencia no conforto climático. Ela avaliou quatro regiões da cidade de São Carlos – com arborização, calçamento e fluxo de carros distintos – de forma quantitativa e qualitativa. O resultado, após medições de temperatura e velocidade do vento e entrevista com moradores, mostrou que o ponto mais agradável era uma região de parque, com menos barulho e sombra de árvores.

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No doutorado, Maria Eugênia está estudando conforto acústico. Agora está na fase de coleta de dados às margens do Rio Piracicaba, que cruza a região da cidade de mesmo nome, no interior paulista.

"Estou tentando investigar como o rio influencia na percepção de conforto acústico. Você tem o rio, o trânsito, pessoas passando, passarinhos. Essa mistura de fontes constitui uma paisagem sonora e eu quero entender como isso influencia a percepção dos usuários", conta ela. No fim deste ano, Maria Eugênia segue para fazer parte do curso na Itália. Na volta desse doutorado-sanduíche, termina e defende a tese e tem a intenção de trabalhar na gestão pública.

Ferramentas à disposição

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Novas tecnologias digitais – como a inteligência artificial, big data e internet das coisas – podem ajudar a construir cidades inteligentes. Mas é preciso que isso seja uma política de Estado. "É sabido, por exemplo, que a maioria dos deslocamentos nas cidades é feita a pé, mas as calçadas não recebem o tratamento que é dado aos carros. Pessoas com deficiência, idosos, cadeirantes. Muita gente evita sair na cidade porque não é seguro. Tudo isso precisa ser revisto. O que envolve pesquisa, mas também um interesse político no País de rever prioridades", alerta Masiero.

Uma comparação comum, nesse sentido, é aquela que considera o Brasil e a Europa. Enquanto por aqui a Engenharia Urbana ainda engatinha – com apenas um curso de graduação e uns poucos programas oferecidos de lato e stricto sensu –, lá é uma das áreas mais clássicas e procuradas da Engenharia.