China garante acesso de 6,4 milhões ao ensino fundamental

A busca por uma educação de melhor qualidade criou um bilionário mercado, amplamente explorado por tradicionais colégios e universidades públicas nacionais

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Por Agencia Estado
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A China anunciou que vai garantir o acesso de 6,4 milhões de filhos de trabalhadores migrantes ao ensino fundamental nos centros urbanos. O anúncio ocorre em meio às calorosas discussões sobre o valor das anualidades e a cobrança de taxas financeiras ilegais por parte das escolas chinesas. O primeiro - ministro, Wen Jiabao, ratificou que o país deverá investir US$ 27,1 bilhões na tentativa de conter a crescente evasão escolar nas áreas rurais. O projeto deverá beneficiar 160 milhões de alunos do ensino fundamental. O rápido processo de urbanização atraiu mais de 100 milhões de camponeses para as metrópoles nos últimos vinte e cinco anos. Os trabalhadores migrantes - juntamente com suas esposas e filhos -, formam o mais frágil grupo social chinês. Desprovidos dos hukou - o tão sonhado registro legal para moradia - acabam descriminados pelos serviços sociais oferecidos pelos governos locais. No setor educacional, a marginalização é agravada pela cobrança de anualidades e "taxas secundárias" por parte das escolas públicas. Apesar de obrigatório, o acesso ao ensino fundamental de nove anos não é gratuito. Segundo o Ministério da Educação, as exigências legais e financeiras deixaram 6,4 milhões de jovens entre 6 e 14 anos (3,2% do total de alunos matriculados) fora das salas de aula nos centros urbanos em 2004. Busca de soluções A lenta reação oficial dos governos municipais e distritais - responsáveis pelo ensino fundamental -, estimulou a comunidade a buscar soluções mais rápidas e criativas. A Escola Experimental Xingzhi é um desses exemplos. Escondida na periferia de Pequim, a instituição terá 3.236 alunos neste ano letivo. Ela oferece 136 professores, aulas de informática e outros suportes pedagógicos a essas crianças e adolescentes. Nem sempre foi assim. "Comecei a dar aulas num casebre rústico, sem mesas ou cadeiras em 1993. A anualidade de três mil yuans era proibitiva para meus parentes que migraram para tentar a sorte por aqui. De fato, ela mantinha seus filhos longe da escola. Aquilo me atordoava, pois eu também era uma migrante", lembra a professora Li Sumei. Li conta que no ano seguinte a escola já atendia cerca de 60 migrantes precoces. A expansão do número de matrículas trouxe seu marido a Pequim. Yi Benyao diz que começou a divulgar a escola junto às comunidades migrante locais. A iniciativa atraiu a atenção da imprensa local e regional. Apesar da grande exposição na mídia, a autorização oficial para seu funcionamento chegaria apenas em novembro de 2003, após o Conselho de Estado baixar uma circular exigindo que os governos locais passassem a subsidiar as atividades de instituições desse gênero. A polêmica em torno das anualidades ganhou corpo na sociedade e chegou à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPCCh). Na opinião de um diretor de escola ouvido durante as sessões consultivas, as taxas resguardam as instituições de ensino contra a falta de recursos. "O governo central repassa cerca de 10 dólares por aluno anualmente", frisou durante seu depoimento. O caixa da escolar é reforçado pelos pais de seus 1.100 alunos. Por lei, revelou, a direção pode cobrar até 47 dólares anuais por estudante. A receita, contudo, não seria suficiente para cobrir os custos operacionais de sua instituição. "Nossas despesas anuais giram em torno de 87 mil dólares". Na onda do slogan "diminuir o ritmo e aumentar a qualidade do crescimento", a imprensa local parece incentivada a disparar contra o suposto desinteresse dos governos locais pelo ensino. "Para muitos administradores locais, a abertura de estradas, a construção de prédios públicos, as iniciativas afeitas ao aumento de produção e outros empreendimentos de imediato impacto político se sobrepõem aos investimentos em educação", afirma reportagem da Agência de Notícias Xinhua. Os políticos se defendem. "Nós arrecadamos 100 milhões de dólares no ano passado. Repassamos um quarto desses recursos à rede pública de ensino formada por 90 mil alunos e 700 professores", disse Liu Yan, vice-prefeito do distrito de Feicheng, da província de Shandong. O governo central promete rever a questão dos hokou. O projeto de lei que garante o acesso dos filhos dos trabalhadores urbanos às escolas urbanas está sendo analisado pela Assembléia Popular Nacional (APN). Ao mesmo tempo, as autoridades prometem subsidiar suas vagas nas instituições de ensino durante o XI Programa Qüinqüenal (2006 - 2010). "Já dispomos dos fundos necessários", garantiu o ministro da Educação chinês, Zhou Ji. A evasão escolar também vem crescendo nos campos. Segundo Zhou, o índice de 10% é puxado por cobrança de valores que variam entre 80 e 100 dólares anuais. "A renda per capita nas áreas rurais foi de 406,3 dólares no ano passado. Temos e vamos modificar este mecanismo", disse o ministro. O governo reconhece que a evasão agrava os crescentes desequilíbrios sociais entre os campos e as cidades. O governo promete isentar 160 milhões de alunos matriculados nas escolas rurais de qualquer taxa até o final de 2008. "A meta deverá consumir US$ 27,1 bilhões nos próximos cinco anos", ratificou o primeiro-ministro, Wen Jiabao. O fim das chamadas "taxas secundárias", entretanto, não vem sendo bem recebido pelos governos locais. "A medida provocará uma queda de arrecadação estimada entre 1,8 e 2,4 milhões de dólares. Não conseguiremos honrar a folha de pagamento dos professores", prevê Liu. Classe média A classe média também anda chiando contra os hukou, a cobrança de anualidades e de outras taxas financeiras praticadas pelas escolas públicas. A maioria dos pais acredita que o atual modelo legal - que obriga os alunos do ensino fundamental a freqüentarem as unidades educacionais dos bairros onde estão registrados - pode condenar seus filhos a uma baixa qualidade de ensino e limitar suas oportunidade no concorrido mercado de trabalho nacional. As autoridades locais, entretanto, alegam que a norma é necessária para equilibrar as relações entre oferta e procura por vagas na rede pública escolar. A relação entre os hukou e o ensino fundamental não pára por aí. "Em Pequim, por exemplo, o renome de uma escola pode responder por até 15% do valor de um imóvel residencial", afirma a consultora imobiliária Guo Cailing. Os pais resistem à idéia e partem para o vale-tudo para mudar os registros de seus filhos para os "bairros beneficiados por melhores escolas". Essa espantosa demanda por educação de boa qualidade durante o ensino fundamental acabou criando um fértil mercado para os conceituados colégios públicos chineses. De olho no seu potencial lucrativo, seus diretores encontraram uma brecha jurídica para admitir alunos provenientes de outras zonas residenciais: o patrocínio educacional. Apesar do surrado jogo de palavras, a venda de vagas é uma realidade social parcialmente tolerada pelos chineses. Ardilosamente limitadas, elas acabam negociadas entre três e doze mil dólares. A inquietação dos pais com a educação de seus filhos acabou detectada por uma recente pesquisa sobre a confiança do consumidor para o segundo trimestre deste ano promovida pelo Banco Popular da China (PBoC, na sigla em inglês). Segundo os técnicos do banco central chinês, 56,6% dos depositantes manifestaram fortes preocupações com os altos custos do sistema educacional nacional ao justificarem o aumento de seus respectivos depósitos. Universidades Os abusos financeiros também atingem os 13,3 milhões de estudantes matriculados nas 1.731 universidades e escolas superiores chinesas. A Auditoria Nacional anunciou recentemente que flagrou graves problemas em 18 das 19 universidades públicas fiscalizadas no primeiro semestre de 2005. As cobranças ilegais dessas instituições, segundo os auditores, superariam a casa de US$ 98,6 milhões. O ensino universitário é co-administrado e financiado pelo governo central e pelos governos provinciais e dos municípios centrais. As anualidades universitárias vigoram desde 1986 e totalizaram US$ 4,92 bilhões no ano letivo de 2003. O governo central, por outro lado, teria investido outros US$ 8,6 bilhões. Segundo os membros da CCPCCh, o valor médio anual pago pelos alunos saltou de 200 para 5.000 yuans neste período, o equivalente a 624 dólares. Os estudantes arcam ainda com similar valor por seus alojamentos, alimentação, transportes e material escolar. O aumento observado de vinte e cinco vezes das anualidades, contudo, é muito superior ao crescimento do poder aquisitivo. "A renda per capita subiu de 360 dólares em 1986 para 1.260 dólares em 2005. Além de comprometer fortemente o orçamento familiar urbano, o valor da mensalidade praticamente inviabiliza o acesso dos camponeses ao ensino superior", constatou o deputado Chen Hanbin. O crédito educativo é apresentado como uma das alternativas para os estudantes mais pobres. Os bancos comerciais oferecem linhas de financiamento com juros anuais que variam entre 5,58% e 6,12%. A inadimplência, entretanto, ultrapassa a casa de 50%. Com isso, os bancos passaram a exigir fiadores e a incluir os nomes dos ex-alunos com débitos pendentes no sistema de proteção ao crédito nacional. Os analistas, por outro lado, atribuem parte das altas taxas de inadimplência aos baixos salários pagos no país. "Um pós-graduado chega ao mercado de trabalho ganhando cerca de 200 dólares mensais", dizem os consultores. O patrocínio educacional também é uma concorrida opção entre aqueles que tombam nos exames vestibulares. A vaga, segundo a imprensa chinesa, pode custar entre 1,2 e 12,8 mil dólares. As universidades chinesas também estão de olho nos diplomas de seus professores. A Universidade Tongji de Shanghai anunciou a expulsão de um de seus docentes em virtude da "falta de bom desempenho no trabalho e da falsificação de seu diploma". Foi o segundo caso divulgado pela imprensa chinesa nestes últimos dias. Antes disso, a renomada Universidade Tsinghua de Pequim havia dispensado um de seus professores por "falsear a conclusão de suas experiências e diversos títulos acadêmicos". Segundo analistas, cerca de 100 mil diplomas falsos chegaram ao mercado apenas em 2001.

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