Carlos Eduardo Lins da Silva: 'Menos intuição, mais método'

Para ex-ombudsman da 'Folha', jornalista brasileiro apela demais para improviso e intuição

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Por Sergio Pompeu
Atualização:

Carlos Eduardo Lins da Silva autou na Folha de S. Paulo como repórter, redator, editor, secretário de redação, diretor adjunto de redação, correpondente em Washington e ombudsman. Ajudou a fundar o jornal Valor Econômico, do qual foi diretor adjunto. Foi apresnetador do Roda Vida, da TV Cultura, e diretor de relações institucionais da Patri Relações Governamentais e Políticas. É mestre em comunicação pela Michigan State University e doutor livre-docente em comunicação pela USP. É autor de dez livros e lecionou em universidades no Brasil e nos Estados Unidos.

 

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O que você vai abordar no curso da ESPM?

Minha disciplina vai ser Indicadores de Qualidade Editorial. Como medir, de uma maneira minimamente objetiva, a qualidade editorial de um veículo. Vou partir de uma coisa da administração de empresas, que é estabelecer critérios de qualidade e desempenho, e mostrar como isso tem sido aplicado em redações. Vou me concentrar especificamente no caso da Folha de S. Paulo, da época em que eu estava lá como membro da direção de Redação, quando nós criamos esses indicadores de uma forma muito pouco organizada. Quando fizemos aquilo eu não tinha a bibliografia de que eu disponho hoje. Nós fizemos mais ou menos na base da intuição. Teve sucesso em alguns pontos, em outros a coisa foi muito mal e foi sendo reformulada com o tempo. Mas hoje você já tem um cabedal de conhecimento acumulado, tanto na própria Folha como de modo geral, em vários lugares do mundo. Dá para você ter alguma teorização, dizer com alguma segurança o que pode dar certo e o que pode não dar.

 

O que você considera o estado da arte em termos de indicadores?

O que dá um bom resumo é um material que a Unesco publicou há duas, três semanas. São quatro volumes sobre qualidade editorial, que estão disponíveis na internet. Ali você tem um bom resumo de como está essa discussão.

 

Voltando ao curso da ESPM, que tem esse foco de pegar o jornalista em meio de carreira e prepará-lo para cargos de direção. O Roberto Civita disse que teve a ideia de criar curso por causa das lacunas que identificou na formação de jornalistas com os quais trabalhou em 50 anos de Abril. Que lacunas você percebeu nos períodos em que comandou redações de grandes veículos?

Hoje em dia eu não sei, estou fora do comando de redações há seis anos. Depois da Folha eu passei um período longo nos Estados Unidos como correspondente e, quando voltei, participei do projeto do Valor. Estive lá de 2000 a 2004. Não sei o que pode ter mudado. Mas de um modo geral, tanto na Folha nos anos 80 e 90 quanto no Valor do começo do século, o que a gente sente é a falta daquela cultura gerencial mesmo. Acho que, por cultura, pelo menos no Brasil, ela é quase incompatível com o jornalista. A falta de naturalidade para lidar com números, a falta de organização mental para lidar com a gerência de idas e vindas de recursos e, inclusive, uma certa dificuldade de lidar com o pessoal, os recursos humanos. Então, o que eu acho que falta muito ao jornalista é exatamente o básico, as qualidades de personalidade que definem um bom administrador. É claro que há jornalistas que têm esse tino, que têm mais facilidade para isso. Mas basicamente eu acho que é isso, acho que o jornalismo ainda hoje é uma atividade em que, em geral, as pessoas manifestam as características de comportamento mais ligadas à intuição, à arte, ao sentimento e menos ao raciocínio, à organização, ao método, à disciplina.

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Você foi bolsista nos Estados Unidos, pela Fundação Fulbright. Que tipo de reflexão você encontrou lá que talvez falte aqui? O que abriu de horizontes?

De novo são generalizações que eu estou fazendo sobre jornalistas, que são sempre perigosas. Mas é uma maneira de raciocinar. De um modo geral, a cultura coletiva americana é mais próxima desse tipo de racionalidade da qual a gente estava falando antes do que a brasileira.

 

Aqui ainda tem a história do jeitinho...

A brasileira é mais do jeitinho, do improviso. E lá, se você pudesse dizer como é o americano, ele é mais organizado, mais metódico. O brasileiro é o oposto disso. Só por isso você já sente lá nas redações, há muito tempo, uma preocupação com esse tipo de problema gerencial, administrativo, que até hoje não existe muito aqui, embora tenha mais do que há 25 anos. Segundo: a produção acadêmica lá é muito mais refinada, sofisticada, do que aqui. E um grupo, embora pequeno, desses estudos se dedica a isso, a técnicas de gerenciamento de redação. Então você tem já uma bibliografia acumulada que te permite fazer generalizações com mais segurança. E eu tive contato com isso nesses períodos em que eu estudei e vivi lá.

 

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Você já disse que não considera o diploma uma condição necessária para o exercício da profissão. Mas você acha que a gente caminha para um modelo que vai enfatizar a pós-graduação? Já existia nessa linha o Master em Jornalismo, do professor Carlos Alberto di Franco, e agora tem esse curso da ESPM. O próprio Civita disse que pode expandir o projeto para um curso que prepare um médico ou advogado para trabalhar como jornalista. Você acha que se abre um caminho para trabalhar o Jornalismo mais na pós, como uma especialização, como as escolas dos Estados Unidos de certa forma já fazem.

Acho que tem espaço para as duas coisas. Esse modelo ao qual você se referiu no caso do Civita é o modelo de Columbia. O curso de Jornalismo dela é para formados em outras áreas – ou até em Jornalismo mesmo. É um curso meio que de especialização em nível de pós-graduação para médicos, economistas, matemáticos, que queiram se dedicar ao jornalismo. Acho que tem espaço também para o curso de graduação em Jornalismo. Só não acho que seja correto a obrigatoriedade. Acho que quem quiser fazer Jornalismo na graduação deve fazer, desde que o curso seja bom. Mas não acredito que seja útil nem benéfica a obrigatoriedade da graduação em Jornalismo para exercer a profissão. Por exemplo: conheci recentemente a nova correspondente da Economist no Brasil. Ela me contou a história de vida dela e é fascinante. Ela é PhD em Matemática. Começou a editar journals especializados em matemática e estatística, gostou da coisa de editar e escrever, resolveu ir para o jornalismo e hoje é correspondente aqui no Brasil. Se fosse obrigatório ter diploma de Jornalismo para exercer a profissão ela não poderia fazer. E ela é uma ótima jornalista. O caminho, um dos caminhos para a formação do jornalista é esse, o da especialização em nível de pós-graduação.

 

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A Economist já fez até uma provocação de que é melhor ter um cientista que saiba escrever do que um jornalista que conheça ciência...

Acho que tanto um cientista que escreve em jornal pode ser bom quanto um jornalista que conheça ciência. Acho que é possível tudo.

 

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Sobre a questão tão debatida do futuro do jornalismo, muita gente diz que informação é e continuará sendo vital, independentemente da plataforma. Mas tem uma ansiedade que cerca essa questão. O que você pode dizer a quem está começando, estudando, sobre o mercado que ele vai encontrar?

Acho que o jornalismo nunca vai morrer, sempre vai ser necessário. A plataforma é o de menos. Acho que cada vez mais é preciso alguém que organize a cornucópia de informação que está à disposição das pessoas. O jornalismo sempre vai ser necessário e talvez seja ainda necessário por causa das características do universo das informações atual. Portanto, acho que não tem que ter muita paranoia. Acho até que o jornalismo impresso não vai nunca deixar de existir também. Ele pode mudar um pouco de característica, ter um público menor em termos de quantidade, mas sempre vai ser um público qualificado. Acho que vai ter lugar para ele sempre, assim como continua tendo lugar para o rádio, para a TV aberta, e assim por diante.

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