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Capes tem nova debandada após presidente chamar renúncias de 'deserção'

Vinte e quatro pesquisadores da área de Zootecnia deixaram os cargos em meio à crise no órgão que avalia os cursos de pós

Por Julia Marques
Atualização:

Mais 24 pesquisadores pediram renúncia de suas atividades na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)  nesta quarta-feira, 22. Declarações da presidente da Capes, Cláudia Queda de Toledo, de que as renúncias seriam "insurgência" e "deserção" causaram mal-estar entre os cientistas, já descontentes com o órgão.

Deixaram os cargos os pesquisadores responsáveis pela avaliação de cursos de pós-graduação na área de Zootecnia e Recursos Pesqueiros. Antes, já haviam saído os cientistas de Engenharia, Química, Física e Matemática. Com a nova debandada desta quarta, o número de renúncias de pesquisadores chega a 138. Houve ainda um pedido de exoneração no alto escalão da fundação: o diretor de Avaliação, Flávio Anastácio de Oliveira Camargo, também deixou a Capes

Fachada do edifício da Capes; crise na Capes ameaça qualidade da pesquisa e divisão de verbas para pós-graduação Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Os pesquisadores que renunciaram dizem não haver diálogo com Cláudia e notam falta de empenho da presidente do órgão em conduzir os trabalhos de avaliação de mestrados e doutorados, uma das principais atividades da Capes. Também apontam corrida pela liberação de cursos de pós-graduação a distância. 

Em carta divulgada nesta quarta, os pesquisadores da Zootecnia afirmam que tinham desistido de renunciar diante de medidas tomadas pela presidência da Capes. "Contudo, continuam explícitas as dificuldades de diálogo e compreensão do que é o trabalho abnegado das coordenações de área, membros de comissões avaliativas, colégios e, mais flagrantemente, do CTC (Conselho Técnico-Científico)", escrevem os pesquisadores. 

Os cientistas citam ainda declarações feitas por Claudia ao jornal O Globo. Na entrevista, publicada nesta quarta, a presidente da Capes diz que demissão coletiva é "insurgência" e "deserção".

"A matéria acumula vários elementos que nos atingem diretamente e cria um clima desfavorável para a construção de uma avaliação de qualidade, assim como a execução de outros processos de competência das Coordenações de Área e Colegiados", escrevem os cientistas.

"A Coordenação da Área de Zootecnia e Recursos Pesqueiros e seu corpo de consultores se insurgem contra esta ocupação de nosso precioso tempo com discussões e ataques improdutivos. Trabalhamos extensivamente e arduamente em benefício da pós-graduação brasileira, especialmente no âmbito de nossa área. Isto precisa ser respeitado e fortalecido. Entendemos que a renúncia é sim um sinal de insurgência, pois temos opinião contrária a esta forma de relação com as Coordenações de Área e os Colegiados, que se estabeleceu na Capes", afirmam. 

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"Contudo, não significa que 'desertamos', pelo contrário, entendemos que estamos assim sendo coerentes com nossos princípios do que entendemos ser um clima favorável ao trabalho, especialmente o da avaliação quadrienal", continuam. 

Esses pesquisadores fazem parte de uma das 49 comissões responsáveis pela avaliação dos cursos de pós, em cada área do conhecimento. Com a debandada, cinco grupos ficam vazios. As demissões evidenciam uma crise sem precedentes no órgão responsável pela pós-graduação brasileira. 

A carta é assinada por 24 pesquisadores, entre eles o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Ronaldo Lopes Oliveira, que também é membro Titular do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES), um grupo responsável na Capes por deliberar sobre propostas de cursos novos e conceitos atribuídos durante a avaliação dos programas de pós-graduação.

Com a renúncia de Oliveira, o CTC-ES, que já havia perdido um pesquisador da Química, também fica desfalcado. 

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As declarações de Claúdia causaram mal-estar ainda na diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em carta divulgada nesta quarta, a entidade afirma que o "legítimo direito de expressão e de crítica, exercido por vários coordenadores de área e consultores da Capes, não pode ser assimilado a 'insurgência' ou 'deserção'" e que as palavras da presidente da Capes causaram "estranheza".

Por meio de nota, a Capes afirmou que vê com surpresa a renúncia de pesquisadores ligados à coordenação da área de Zootecnia e Recursos Pesqueiros, "sobretudo porque todas as demandas apresentadas foram atendidas pela presidência da fundação". A Capes disse, ainda, que em nenhum momento abriu mão do diálogo. E destacou ações como a publicação do novo calendário de avaliação dos cursos de pós. 

"A presidência acredita e trabalha pela união de esforços em prol do fortalecimento da Capes e do Sistema Nacional de Pós-Graduação e reitera que, em prol do Sistema Nacional de Pós-Graduação, é hora de somar esforços e não de dividi-los", afirmou a Capes,em nota. 

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Falta de verbas expõe crise na Capes

Além das renúncias, a Capes também enfrenta problemas de orçamento com impacto em pesquisas em andamento. Como o Estadão mostrou, a fundação vai encerrar os repasses a centros de pesquisa de ponta - os chamados Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) - neste ano. A fundação argumenta que não tem mais recursos para novas bolsas de pesquisa ou para prorrogar a vigência dos auxílios aos INCTs em 2022. O comunicado pegou os coordenadores dos institutos de surpresa.

Os grupos são chefiados por cientistas de renome. Um deles, por exemplo, coordenado pela geneticista da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz, estuda a influência de questões genéticas e ambientais no processo de envelhecimento.  Ao longo dos trabalhos, recebem alunos de mestrado e doutorado e contam com a cooperação de cientistas do exterior para alavancar as pesquisas brasileiras.

Além de pesquisas de vanguarda em áreas estratégicas para o País, outro objetivo dos INCTs é promover a formação de cientistas de nível internacional. Entre 2015 e 2019, foram mais de 4,7 mil teses de doutorado defendidas nos institutos e mais 7,6 mil de mestrado. Também passam pelos INCTs alunos de iniciação científica e de graduação. 

Em um ofício enviado aos coordenadores dos INCTs no dia 8, a Capes diz que “atingiu o financiamento total proposto para o apoio” aos projetos desenvolvidos nos INCTs. “Não dispomos de orçamento para acatar novas indicações ou conceder prorrogações de vigência, a partir de janeiro de 2022”, completou a Capes no documento.

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