Cambridge por dentro

Exame quase não reprova, mas aluno precisa expor pensamento original em entrevistas

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Por Geraldo Vidigal Neto
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ARTIGO

 

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A primeira impressão do visitante em Cambridge é a de ter voltado no tempo. Professores e alunos em togas pretas caminham por prédios medievais e fazem refeições em enormes mesas coletivas. Por baixo das curiosidades, entretanto, está uma bem-sucedida universidade moderna, que nos leva a questionar  nossas ideias sobre o ensino superior.

 

Começo pelo mais chocante. Uma graduação leva três anos; o mestrado, normalmente um só. Por semestre o aluno cursa quatro matérias, a maioria eletivas. As aulas acontecem em anfiteatros, sem lista de presença, e a maioria das provas não conta para a nota final; quase não há reprovação.

 

O pressuposto é o de que o aluno selecionado já sabe fazer boas provas: a tarefa da universidade é ensiná-lo a pensar o conhecimento adquirido.

 

Nos períodos de aula, o trabalho é intenso: o estudante apresenta, quinzenalmente, um texto sobre um tema de cada curso. Tem então uma hora de discussão/avaliação individual, com um professor ou pós-graduando. Para discutir Hobbes, precisa sentar e ler Hobbes. Deve entender seu pensamento, situá-lo historicamente e apontar incoerências, e não reproduzir palavras de um professor. Em vez do acúmulo de informações, exige-se a capacidade de encontrá-las, entendê-las e transformá-las em algo relevante para os demais.

 

A mentalidade se estende ainda mais fortemente aos pós-graduandos. O controle do tempo é do aluno; confia-se nele para saber, por exemplo, se precisa de mais uma semana ou um mês para terminar um relatório. Às vezes, para obter mais prazo ou financiamento, basta uma troca de e-mails com seu orientador.

 

O controle, é claro, existe. Mas é feito sobre os resultados. Um aluno ou professor que repetidamente descumpre obrigações, ou não atinge certo padrão de qualidade, recebe num primeiro momento atenção, e num segundo, alertas sobre seu desempenho. Na pós, professores que continuamente escolhem trabalhos estéreis terão menos verbas e podem ser questionados pela universidade.

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Fazer funcionar esse sistema requer que a universidade ofereça meios. Desde o primeiro ano da graduação, cada aluno recebe a chave de uma biblioteca, normalmente ao lado do dormitório, com computadores e livros essenciais, usada dia e noite. Pós-graduandos e professores têm acesso 24 horas às grandes bibliotecas específicas e estudantes de Exatas e Biológicas, aos laboratórios. Todos esses equipamentos custam caro e precisam ser atualizados a cada poucos anos.

 

O financiamento do sistema é a questão do momento na Inglaterra. Desde 1998, alunos pagam parte do custo da universidade pública – se desejarem, após a entrada no mercado de trabalho. Em 2012, o preço atual deve triplicar. Mas não será metade do que cobram as universidades americanas mais prestigiosas, com as quais as inglesas querem competir.

 

A mudança tem sido vigorosamente combatida nas ruas, com o argumento de que um estudante não deve começar sua vida profissional em dívida. O governo responde que o principal beneficiário do ensino superior é o próprio aluno, e não há por que a sociedade arcar com os custos dessa fase da educação.

 

Esse debate tem relevância no Brasil? Nosso modelo é o europeu continental: a sociedade financia o ensino superior, e considera-se que a formação universitária é um valor em si. Mas, na Europa, a massificação desse modelo de ensino, sem aporte de novos recursos, gerou efeitos perversos. Cada vez mais comuns, os diplomas significam cada vez menos.

 

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Embora estejamos bem atrás de outros países sul-americanos em porcentagem de jovens na universidade, em 2011 mais de metade dos adolescentes completará o ensino médio na idade correta (em 1992, era um em cada seis). A expansão do ensino superior, público e privado, tem sido feita por atalhos e fundos especiais. O salto qualitativo exigirá que repensemos as bases do sistema: como fazer, em termos de meios e formato de cursos, para que em nossas universidades jovens talentosos se tornem grandes pensadores – e como vamos dividir essa conta.

 

* GERALDO VIDIGAL NETO É DOUTORANDO EM DIREITO INTERNACIONAL EM CAMBRIDGE E BOLSISTA DO SIDNEY SUSSEX COLLEGE. ADVOGADO FORMADO PELA USP, FEZ MESTRADO NA SORBONNE (FRANÇA)

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