Aulas ao ar livre ganham espaço para evitar contágio e uso excessivo de telas

Voltadas a estudantes da educação infantil até o ensino médio, atividades de disciplinas variadas podem ocorrer tanto na área externa da escola quanto em praças e parques

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Por Priscila Mengue
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Com um ano de pandemia, distanciamento social e uso intenso de telas, as experiências ao ar livre estão valorizadas e ganharam espaço também na educação. A adaptação de parte das aulas presenciais para ambientes externos, quadras, praças e parques passou a ser vista como uma forma de reduzir as chances de transmissão do vírus da covid-19 e ampliar o contato com a natureza. Adotada em países como Dinamarca, Estados Unidos e Espanha, a proposta também ganhou força em algumas escolas públicas e particulares brasileiras.

A medida inclui desde a educação infantil até o último ano do ensino médio, com conteúdo de diferentes disciplinas. Ela é recomendada por instituições internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), por governos e por entidades médicas e científicas, como a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

A rede de Jundiaí tem parceria com o Instituto Alana para desenvolver atividades diversas Foto: Werther Santana/ Estadão

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No Brasil, um dos principais incentivadores é o Instituto Alana, que defende o que chama de “desemparedamento” da infância. “Ainda não é amplamente usado, até porque existe uma crença de que só é possível aprender o conteúdo dentro da sala de aula. Poucas escolas ousam e entendem a possibilidade de o conteúdo ser trabalhado de outras maneiras”, afirma Paula Mendonça, assessora pedagógica do programa Criança e Natureza, da organização.

“Mesmo antes da pandemia, grande parte das crianças já passava a maior parte do tempo em espaços fechados. Esse ‘emparedamento’ acarreta problemas de saúde, obesidade e miopia precoce, principalmente no ambiente urbano”. Para ela, a pandemia tornou essa demanda mais urgente.

É preciso olhar para os ambientes externos e prepará-los para as aulas. No Brasil, muitas escolas não têm espaço. Então, são necessárias parcerias com praças, parques e centros esportivos.

Paula Mendonça, assessora pedagógica

Como uma espécie de piloto, a proposta começou a ser aplicada nas 108 escolas municipais de Jundiaí, em São Paulo, por meio de uma parceria da prefeitura com o instituto. A proposta se originou de três protótipos que servem de modelo para colégios de diferentes estruturas. As primeiras percepções estão em um guia que será lançado no fim deste mês.

“Vem com muita força a ideia de que melhor do que uma janela e uma porta abertas é estar no jardim, nas quadras e em espaços que o bairro oferece”, diz a gestora de Educação de Jundiaí, Vasti Ferrari Marques. “Também é um contexto investigativo diferente, não de cadeiras enfileiradas”, comenta. “Todos os dias que for na escola o aluno está em atividade de ‘desemparedamento’. A sala de aula é minimamente usada.”

Objetivo é o 'desemparedamento' da infância Foto: Werther Santana/ Estadão

Segundo ela, os professores precisam se planejar para adequar os temas ao ambiente exterior, seja na escola, nas proximidades ou no recém-inaugurado parque municipal Mundo das Crianças, que reúne espaços como casa na árvore, caminhos na mata, quadras, área de escalada e jatos de água.

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Na cidade de São Paulo, algumas escolas privadas também têm priorizado as aulas em áreas externas. “A gente já tinha essa tradição de mudar de espaços, mas hoje a proporção é maior. Uma turma que antes sairia uma ou duas vezes por semana, agora sai quase todo o dia”, comenta Érica Mantovani, coordenadora pedagógica do Colégio Mater Dei, nos Jardins.

Orientação em Jundiaí é que professores adaptem conteúdos programáticos para aulas ao ar livre Foto: Werther Santana/Estadão

Um exemplo são as aulas de alfabetização, em que os alunos são orientados a escrever letras cursivas no chão. “Quando se põe a criança em uma área externa, desperta outro tipo de atenção. São outros barulhos, outros estímulos de inteligência espacial e cognitiva, habilidades importantes para o desenvolvimento”, diz Érica.

No Colégio Renascença, na zona oeste, a troca de sede, em 2018, facilitou a ampliação de atividades ao ar livre. “Tínhamos um prédio de mais de 40 anos, vertical, que começou a não atender às demandas do pedagógico”, conta João Carlos Martins, diretor-geral.

“Esses espaços abertos hoje são usados tanto nas aulas, com hora marcada, quanto nas horas livres e no intervalo", comenta. A escola também tem um “teto verde” em uma das lajes e um ateliê de arte ao ar livre. O espaço maker também se mudou para a área externa. 

Proposta de aulas em ambientes externos ganhou força durante a pandemia Foto: Werther Santana/Estadão

  

Esse tipo de proposta se repete em escolas de outros Estados. No Rio Grande do Sul, o Colégio João XXIII, de Porto Alegre, instalou quatro gazebos e dois pergolados - estruturas que são instaladas em jardins - para receber parte das turmas nas aulas presenciais, além de colocar mesas em corredores ao ar livre.

A escola já tinha esse contato com a natureza. Com a pandemia, a arquitetura voltada para a natureza foi muito mais valorizada.

Márcia Valiati, diretora pedagógica

'As escolas, em grande parte, já não eram saudáveis antes da pandemia', diz arquiteta

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Fundadora do projeto Cidade Para Crianças, a arquiteta e urbanista Ursula Troncoso lembra que nem sempre aspectos fundamentais de conforto ambiental, como a iluminação e a ventilação adequadas, são considerados em projetos de instituições educacionais. “Já recebi relatos de escolas em que as janelas não abrem, de banheiros que não funcionam (em escolas públicas)”, exemplifica.

Nesse contexto, as áreas externas ganham ainda menos atenção. “Como um todo, os pátios são muito negligenciados. Por uma questão de ter manutenção mais fácil, se concreta tudo, sem haver contato com o verde, o que é um problema para o desenvolvimento infantil.” 

Professores precisam se planejar para adequar os temas ao ambiente exterior Foto: Werther Santana/ Estadão

Em 2020, ela coordenou a elaboração do Manual Técnico Para Escolas Saudáveis, lançado pelo departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil. “As escolas, em grande parte, já não eram saudáveis antes da pandemia”, diz ela.

Dentre as recomendações do manual está a de priorizar o uso de áreas externas a partir de elementos básicos, como qualidade acústica, iluminação e adequação ao distanciamento social. Para os horários de sol forte e aulas mais extensas, o sombreamento também é fundamental. “Precisamos pensar formatos diferentes de aprendizado. Se a gente vai no pátio ou na praça e faz uma horta, esse lugar também pode ser entendido como uma sala de aula. Está acontecendo educação ali”, argumenta. 

Escolas privadas também aumentaram frequência de atividades ao ar livre Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ursula ainda destaca a necessidade de iniciativas no entorno das escolas, integrando-as e facilitando a circulação dos estudantes pelo bairro. Um exemplo que cita é o projeto “Protegemos as escolas”, do ano passado, em Barcelona, que criou mini praças nas vagas de automóveis no leito da rua, determinou medidas para a redução de velocidade do tráfego de veículos e instalou mobiliário urbano nas calçadas, como bancos e jardineiras, dentre outras medidas. “Esses espaços sendo utilizados pelas escolas fazem com que a comunidade em volta se envolva como uma comunidade escolar.”

Colégio Mater Dei tem priorizado aulas em áreas externas na pandemia da covid-19 Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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