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Atualidades na Fuvest: Acidente nuclear em Fukushima

Japão sofreu triplo desastre em março: foi vítima de terremoto, tsunami e vazamento nuclear

Por Carlos Lordelo
Atualização:

Em março, o Japão sofreu um triplo desastre. O país foi atingido pelo 4.º maior terremoto da história, de 9 graus na escala Richter, que teve epicentro no Oceano Pacífico, a 67 quilômetros da costa, a uma profundidade de 24 quilômetros. O tremor gerou tsunamis, ondas de até 10 metros de altura que atingiram a região nordeste a uma velocidade média de 800 km/h e deixaram um rastro de destruição. Uma das construções atingidas foi a central nuclear Fukushima Daiichi. As usinas atômicas não resistiram e liberaram partículas radioativas na atmosfera. O governo contabilizou até setembro 20 mil mortos ou desaparecidos na catástrofe.

 

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O Japão fica no Cinturão de Fogo do Pacífico, uma área de intensa atividade sísmica e vulcânica no encontro de quatro placas tectônicas – grandes porções de crosta que flutuam sobre o manto da Terra, camada mais plástica de material quente. Elas movem-se continuamente, aproximando-se ou distanciando-se umas das outras. Tais choques e repulsões provocam terremotos e erupções vulcânicas.

 

Segundo o físico Luís Antônio Terremoto, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), o terremoto ocorrido em 11 de março liberou energia equivalente à explosão de 193 milhões de toneladas de TNT. A 172 quilômetros do epicentro do tremor, as três usinas da central nuclear de Fukushima que estavam em operação desligaram automaticamente. Havia outras três em manutenção. “Quando se desliga uma usina nuclear é preciso resfriá-la, mesmo que 10 segundos depois ela gere apenas cerca de 4% do calor que produz em pleno funcionamento”, explica o pesquisador. Esse calor residual vem do decaimento dos produtos da fissão nuclear, que são radioativos em sua grande maioria.

 

 

Refrigeração

 

Todas as seis usinas resistiram ao abalo sem sofrer grandes avarias. As bombas do circuito de refrigeração deveriam funcionar, mas ocorreu um blecaute na região onde a central está instalada, no nordeste do Japão. Geradores de emergência, movidos a óleo diesel, entraram em operação. Porém, quase 1 hora depois do terremoto, um tsunami atingiu Fukushima e venceu a subdimensionada barreira contra ondas gigantes da planta. A enxurrada danificou os geradores e carregou o diesel. Uma terceira linha de defesa, formada por baterias, iniciou a operação para resfriar os reatores. Entretanto, elas se esgotaram horas depois.

 

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“A temperatura no núcleo do reator subiu de tal forma que reações químicas entre o vapor d'água e o zircônio da liga de revestimento dos elementos combustíveis, que contêm as pastilhas de dióxido de urânio, geraram hidrogênio, liberado dentro da contenção. O hidrogênio acumulado, por sua vez, reagiu de maneira explosiva com o oxigênio do ar”, diz Terremoto. Além disso, as altas temperaturas causaram o derretimento parcial dos núcleos das usinas 1, 2 e 3. Houve explosões de hidrogênio nos edifícios que abrigam as usinas 1 e 3. Na usina 2, funcionários abriram um buraco na contenção para permitir o escoamento do hidrogênio acumulado, mas também foi registrada explosão próximo à base do reator.

 

 

Os elementos combustíveis da usina 4, em manutenção, estavam armazenados na piscina de estocagem anexa ao reator. Acredita-se que essa piscina sofreu pane na refrigeração, provocada pelo blecaute, o que também causou elevação da temperatura, reações químicas que geraram hidrogênio e reação explosiva deste elemento com o oxigênio, danificando parte da contenção da usina. “Todas as explosões foram químicas, e não nucleares”, ressalta o pesquisador do Ipen.

 

Consequências

 

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“Dadas as circunstâncias, o desempenho das usinas foi satisfatório”, afirma Terremoto. “Os núcleos danificado dos reatores não foram expostos ao meio ambiente, como aconteceu no acidente de Chernobyl, em 1986.” Estima-se que as 4 usinas de Fukushima afetadas liberaram para o meio ambiente 15% da radioatividade emitida pela usina instalada na Ucrânia. No Japão, foram jogados na atmosfera isótopos radioativos de césio, iodo, xenônio e criptônio.

 

Hoje a Agência de Segurança Nuclear do Japão ainda tenta conseguir a chamada “parada fria” das usinas 1, 2 e 3, o que significa baixar a temperatura dos núcleos danificados dos reatores a 90 graus Celsius à pressão atmosférica. Estima-se que isso ocorra até dezembro. “Esse processo demora porque o decaimento dos produtos de fissão radioativos ainda gera calor e a eficiência das medidas emergenciais é muito baixa, porque ninguém sabe como ficou a geometria do cerne dos reatores após o derretimento parcial.”

 

Como consequência do acidente nuclear, o governo japonês teve de evacuar a área definida por um raio de 20 quilômetros em torno da central nuclear. Toda a população que residia nessa área precisará ser monitorada para detectar a absorção de radiação pelo organismo e, posteriormente, passar por exames médicos periódicos. Também será preciso fazer um vasto trabalho de descontaminação caso se decida que a área voltará a ser habitada.

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Na escala de acidentes nucleares, estabelecida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), foi atribuído provisoriamente ao acidente em Fukushima o nível máximo, 7, o mesmo de Chernobyl. “Acho essa classificação superestimada, pois a liberação de radioatividade para o meio ambiente foi cerca de 7 vezes menor que no desastre ocorrido na Ucrânia, em que 31 pessoas morreram nos primeiros meses. O nível 6 me parece mais adequado”, diz Terremoto.

 

“A crise demoliu a confiança de que usinas de energia atômica são seguras quando múltiplos mecanismos de segurança estão nos seus devidos lugares”, apontou reportagem da revista norte-americana Slate, uma semana depois do acidente. Vegetais e até leite produzidos na região em volta de Fukushima foram contaminados pelo vazamento radioativo.

 

Em agosto, a publicação mandou um repórter ao Japão, que disse ter convidado uma amiga para jantar em Tóquio e recebeu um não como resposta. A garota lhe disse: “Não me sinto confortável em ir àquele restaurante, porque não sei de onde eles compram os vegetais. Não é nada que você deva se preocupar, porque está aqui por um breve período. Mas eu vou comer no Japão pelo resto da minha vida, então preciso me resguardar.”

 

Risco nuclear

 

A radiação liberada em Fukushima teve implicações políticas que atravessaram as fronteiras japonesas. A Alemanha, por exemplo, anunciou em maio que vai fechar todos seus 17 reatores até 2022. A França, por sua vez, insiste em debater a segurança nuclear, e não o fim das atividades de suas usinas: 70% da eletricidade do país vem de plantas atômicas.

 

No Brasil, o governo disse no mês passado que aguarda a revisão dos protocolos de segurança e, por isso, “não tem pressa” em decidir se continuará investindo na ampliação das centrais nucleares. O Plano Nacional de Energia brasileiro prevê a construção de quatro a seis usinas até 2030. Hoje temos só duas em operação, em Angra dos Reis, no Rio.

 

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Questões sobre terremotos, fontes de energia, reações químicas e radioatividade

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