A volta às aulas por repórteres que também são pais e mães

Jornalistas do Estadão relatam experiências pessoais e profissionais do primeiro dia de aulas presenciais em São Paulo

PUBLICIDADE

Foto do author Gonçalo Junior
Foto do author Renata Cafardo
Por Gonçalo Junior e Renata Cafardo
Atualização:

 

A cobertura da retomada das aulas presenciais na cidade de São Paulo feita pelo Estadão envolve repórteres que, em alguns casos, também são pais e mães. Essa encruzilhada de papeis aproxima a vida pessoal da cobertura jornalística e coloca, para os próprios repórteres, as questões propostas para outros pais, mães e também professores. O Estadão reúne os relatos de Renata Cafardo, repórter especial de Educação, e Gonçalo Junior, do Metrópole, que relataram bastidores da cobertura da volta presencial das aulas do ponto de vista pessoal, misturando a visão jornalística com o olhar de mãe e de pai.

Colégio Stance Dual, em São Paulo, retoma atividades com proteções de acrílico nas classes.Escolas de todo o Estado puderam recomeçar parte das aulas hoje. Foto: Tiago Queiroz/Estadão 

PUBLICIDADE

"As lágrimas que noticiei ontem serão as minhas" 

“Eu sai para rua ontem, como falamos no jargão jornalístico, numa dupla estreia. Minha, cobrindo a pandemia fora do computador e do telefone, com todos meus cuidados e medos ao entrevistar cara a cara pela primeira vez dezenas de pessoas. E das famílias que voltavam às escolas após meses de quarentena, também um fato inédito na vida de todas elas. Por isso, foi um dia muito emocionante, como repórter e mãe. Isso porque ainda tenho uma terceira estreia por vir. Amanhã levo minha filha de 4 anos de volta à sua escola de educação infantil. 

Ver as crianças chegando, justamente da idade da minha filha Estela, ali tímidas, entrando devagar e meio sem jeito naquele espaço que já foi tão familiar e ficou distante por muito tempo, me tocou muito. E depois estive com elas na sala de aula, no parquinho, ouvi os primeiros papos dos amigos se encontrando, tudo o que eu adoraria fazer como mãe, mas pude fazer com repórter.

Renata Cafardo, repórter especial de Educação do Estadão Foto: Renata Cafardo / Estadão

E presenciei o trabalho dedicado das professoras, que precisavam acolher e distanciar ao mesmo. Mas se sentiam enfim vivendo de novo, como me disse uma delas, por estar presencialmente com seus alunos. E ainda me identifiquei com as mães e pais, chorando na porta da escola, com um misto de tristeza por voltar de um jeito tão estranho e felicidade, por finalmente voltar. Estou prevendo que não serei diferente amanhã quando deixar a minha na escola. As lágrimas que noticiei ontem serão as minhas".

“Coronavírus entrou na minha (longa) lista de medos” (Gonçalo Junior)

"A retomada das aulas presenciais escancara a mistura de sentimentos que marca a vida dos pais – e eu me coloco nessa turma. Quando vi a alegria dos alunos se abraçando no final das aulas do Cólegio Bandeirantes, escola de elite de São Paulo, eu percebi o peso do distanciamento para os jovens. Eles vão tocando a vida, com as aulas on-line, chamadas de vídeo pelo whatsapp, mas eles não estão normais. Um psicanalista que entrevistei disse que o normal na pandemia é não estar normal. A diretora pedagógica sublinhou: era importante voltar às aulas para ver que a escola estava lá e que as pessoas estavam bem e a vida voltaria.

Publicidade

Minha filha voltou às aulas presenciais nesta quarta-feira, dia 7, na retomada do seu curso de Educação Física. Ana Julia, sim, a música. Embora ela já tenha 18 anos, a preocupação não muda. Não dá para ficar tranquilo e seguro mesmo sabendo dos protocolos sanitários da faculdade. Tenho medo. E pai costuma sentir mais medo pelos filhos e pela família do que por si próprio. Eu me lembro quando ela ficou resfriada no mês de maio e se tornou um caso suspeito de covid-19. Eu dizia para mim “não vai ser nada”, “não vai ser nada”, como aquelas músicas que grudam e não saem da cabeça da gente. Foram três dias de angústia e isolamento dentro de casa. Foi como se eu tivesse me separado um pouco de mim.

Gonçalo Junior, repórter do Estadão, no Colégio Bandeirantes Foto: Gonçalo Junior

Essa é uma parte da mistura. Tem a ciência, a contaminação, a pandemia não acabou. Sou originalmente um repórter da área de Esportes que está ajudando na cobertura da editoria de Metrópole. Tudo é novo para mim. E, cobrindo a doença, os relatos dos familiares, dos recuperados e dos que perderam alguém, eu sempre me via neles. Esse sentimento voltou com tudo nas aulas. Eu me sinto feliz com o retorno da minha filha às aulas, mas temo pela saúde dela. Mesmo com álcool em gel até a raiz do cabelo. A objetividade jornalística, ideal que a gente busca desde a faculdade, vai bem até a página 2. Ou até a metade da primeira. Acho que a covid vai trazer mais um medo definitivo para pais e mães. Mais um.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.