A escola reinventada em São Paulo - sem salas de aula

A característica democrática dessa escola é pioneira no País, mas ganhou vida nos anos 20, na Inglaterra, com a Escola Summerhill. O modelo se multiplicou pelo mundo, pregando a liberdade e a participação dos alunos nas decisões da escola

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Por Agencia Estado
Atualização:

Pense numa escola. Agora tire as salas de aula, o recreio, as provas, as disciplinas, os horários rígidos e até os professores. Uma quase reinvenção da educação básica começa a tomar corpo esta semana num casarão antigo perto da Avenida Paulista. A escola Lumiar aposta em um modelo democrático e baseado principalmente no interesse natural que a criança tem em aprender. A única semelhança com o restante da rede particular de ensino é que as suas atividades também começam nesta segunda-feira, quando volta às aulas a maioria dos 1,8 milhão de estudantes do Estado. O que se entende por aula não existe na Lumiar. Lá, quem ensina são profissionais de diversas áreas, do médico ao músico, do arqueólogo ao marceneiro. Essas pessoas, pré-selecionadas, irão com freqüência à escola com a função de atrair a atenção das crianças para diversos projetos. "Um deles vai montar um minizoológico, outro vai fazer uma horta ou ensinar a cozinhar. As atividades acontecerão na escola, mas a criança pode participar ou não", diz o principal financiador da escola, o empresário Ricardo Semler, veterano na arte de inovar. Na década de 80, ele revolucionou sua empresa com uma gestão descentralizada e contou a história no livro Virando a Própria Mesa. Os primeiros 24 estudantes da Lumiar terão entre 2 e 6 anos. Segundo o método de ensino, é por meio de atividades atraentes que eles vão assimilar as disciplinas tradicionais, como português, matemática, geografia, história. Um exemplo é o jornalista que irá à escola e ensinará as crianças como fazer um jornalzinho. "O estímulo para ler e escrever durante esse projeto acaba ajudando na alfabetização", explica a diretora da escola, Helena Singer. A instituição também é bilíngüe e alguns dos profissionais que lidarão com as crianças falarão em inglês. Os pais ou os próprios alunos - no caso dos mais velhos - fazem seus horários segundo as atividades em que se interessam. Durante os projetos, educadores acompanharão de perto cada criança, com conversas diárias e observação, para saber como está sendo seu desenvolvimento. Como o aluno é livre para optar de que atividade quer participar, o educador precisa ficar atento às suas escolhas para saber qual conhecimento ele está adquirindo e como chamar a sua atenção para o que está faltando. "Mas se a criança quiser ficar quatro meses assistindo à TV ou colorindo, não tem problema. Enquanto não estiver interessada, não vai aprender nada", diz Semler. A característica democrática da Lumiar é pioneira no País, mas ganhou vida nos anos 20, na Inglaterra, com a Escola Summerhill. O modelo se multiplicou pelo mundo, pregando a liberdade e a participação dos alunos nas decisões da escola. O estudante decide, inclusive, se quer ou não assistir às aulas. Por meio dessa autonomia, acreditam seus seguidores, se aprendem noções de limite e cidadania. Além de adotar esse princípio, os fundadores da Lumiar se dedicaram a pesquisas e discussões durante três anos com nomes como Renato Janine Ribeiro, Dalmo Dallari e Fernando de Almeida para elaborar currículos inovadores. A intenção é que cada tema considerado necessário para a educação básica apareça sob diversas roupagens. Com adolescentes - a idéia é que a escola ofereça até o ensino médio no futuro -, Semler explica como se discutirá a guerra do Vietnã, por exemplo. "Haverá um curso sobre moto, que falará da Harley Davison, da Califórnia, chegando ao movimento de Woodstock que fez resistência à guerra naquele país. Caso o aluno não se interesse por isso, terá a opção do curso de fashion, em que se falará da influência da moda da França, que ganhou força na colonização do Vietnã." Dessa maneira, se acredita que a aprendizagem será mais efetiva. "De tudo o que aprendemos na escola tradicional, muito pouco fica retido. Além disso, a escola barra nossa criatividade porque nos dá tudo pronto", justifica Helena. Entre os alunos matriculados estão o filho do próprio Semler e do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva. Com eles, estarão também crianças carentes, que não pagarão a mensalidade próxima dos R$ 1 mil e outras, de classe média, com bolsa parcial. "Procurava uma escola que não apenas se preocupasse em cumprir um currículo", diz a webdesigner Luciana Pereira, que tirou seu filho Nicolas, de 6 anos, da pré-escola para colocá-lo na Lumiar. "Meu maior medo é que ele não aprenda as matérias tradicionais, mas estou fazendo um teste." "Se der certo será uma verdadeira revolução", acredita o professor da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro. Seus estudos sobre um novo curso de graduação foram aproveitados na Lumiar. "A idéia é de que não se pode ter um padrão único de ensino para todas as pessoas. É preciso fazer com que o prazer de conhecer esteja sempre presente."

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