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41% dos professores que devem exclusividade à USP podem ter outro trabalho

Docentes têm autorização para realizar atividades, como pesquisa para empresas

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Por Redação
Atualização:

 Paulo Saldaña - O Estado de S. Paulo

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SÃO PAULO - Mais de 40% dos professores da Universidade de São Paulo (USP) contratados para se dedicar integralmente ao ensino e à pesquisa na instituição são liberados para realizar outros trabalhos. Cerca de 2,1 mil docentes têm autorização para trabalhar e receber por atividades como dar aulas em cursos pagos e fazer pesquisas remuneradas por empresas.

Esse grupo faz parte dos 5,2 mil professores – que representam 87% do total do corpo docente da USP – contratados pelo chamado Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP). Esse regime tem um salário proporcionalmente 37% maior do que aquele pago a um docente da universidade sem dedicação exclusiva, no chamado Regime de Turno Completo (RTC). Com a flexibilização, os salários básicos não são alterados.

A dedicação exclusiva sempre foi um dos pilares do ensino superior público por dar ao professor as condições de autonomia e de independência para a pesquisa, o ensino e a extensão. O porcentual de profissionais nessa modalidade é critério, até mesmo, na avaliação da qualidade dos cursos de ensino superior realizada pelo Ministério da Educação (MEC).

“É impossível trabalhar 40 horas em alguma coisa e depois outras 30 horas em um segundo projeto de modo responsável”, diz opresidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), Ciro Correia. Foto: Clayton de Souza/Estadão

Ao exigir que o docente se dedique somente para a universidade, durante 40 horas semanais (o RTP prevê 24 horas), o sistema também veta que ele seja remunerado além do que já recebe como servidor público. Há oficialmente algumas exceções de ganhos, como bolsas das agências de fomento. A legislação federal prevê ainda que ele faça atividades extras eventuais e com a limitação de até 240 horas anuais. A liberação e o controle, entretanto, cabem às instituições.

Na USP, isso é feito internamente pela Comissão Especial de Regimes de Trabalho (Cert). Para o presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), Ciro Correia, o alto porcentual de professores com essa autorização é um sinal negativo. “Ter mais de 40% dos professores nessa condição mostra o quanto está desvirtuado o RDIDP na universidade”, afirma Correia. “Fere um princípio em que a dedicação intelectual seja exclusiva à instituição, para melhoria da atividade acadêmica.”

Nem todos os professores com essa autorização desenvolvem atividades simultâneas, de acordo com a universidade, assim como existem atividades que exigem essa exceção de regime, mas não são remuneradas – como a tradução de um livro científico, por exemplo. 

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Crítica. Um dos problemas do modelo é que não há controle e transparência sobre as horas dedicadas a cada atividade, segundo a Adusp. “É impossível trabalhar 40 horas em alguma coisa e depois outras 30 horas em um segundo projeto de modo responsável”, diz Correia.

As fundações de apoio ligadas às universidades, onde existem cursos pagos e projetos com empresas e governos, são destino comum para esse segundo turno de trabalho. Muitas das fundações têm como uma das premissas a indicação de docentes para cargos em sua direção, criando obrigação para o setor público. 

O especialista em educação Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) do Rio de Janeiro, discorda das críticas. Ele não só acredita na flexibilização como indica que esse processo dever ser intensificado. “Acho que a ideia da dedicação exclusiva é equivocada. O professor tem de ter contato para fora, ele pode trabalhar na universidade, na área empresarial. É importante esse intercâmbio”, afirma Schwartzman. “É necessário avançar nessa flexibilização.”

Mudança. Esse processo já está em andamento na USP. O Conselho Universitário – órgão máximo da instituição – começou a discutir em sua última reunião, na semana passada, modificações do regime de trabalho docente. 

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Um grupo de trabalho criado com esse propósito sugeriu que as novas contratações da universidade sejam no chamado Regime de Turno Parcial (RTP), de 12 horas semanais, apenas indicando uma valorização à dedicação integral. “As unidades/departamentos deverão zelar para manter uma relação numérica equilibrada entre docentes nos diversos regimes de trabalho e valorizando o RDIDP”, informa o documento. 

A proposta já enfrentou grande resistência na reunião por parte de docentes contrários ao modelo. O documento ainda propõe a criação de novos regimes de trabalho, como o de 40 horas sem dedicação exclusiva, e uma simplificação do processo de contração de docentes temporários. As discussões continuarão na próxima reunião do conselho, que será realizada amanhã. A previsão é de que as decisões sobre mudança na carreira docente e nos regimes de trabalho sejam implementadas até novembro.

As fundações ganham espaço na USP. O Conselho Universitário tinha 21% de seus membros ligados a fundações privadas em 2000. Neste ano, cerca de um terço (32%) está na mesma situação (39 dos 122 integrantes). Para o sindicato, há conflito de interesse. “Queremos que a atuação das fundações seja extinguida, mas quem vai decidir é o conselho, que não tem isenção”, diz Ciro Correia, presidente da Adusp. Entre 2007 e 2013, só a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP) recebeu R$ 740 milhões em projetos. E mantém 26 convênios ativos com a USP. Conforme o Estado revelou ontem, a Controladoria-Geral da União (CGU) questionou no fim de 2014 um dos convênios da FUSP. 

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* Texto atualizado para correção do título

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