PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Instituições, sistemas e indicadores da educação superior, da ciência e da tecnologia no Brasil e no mundo

Encontros e Desencontros na Legislação para Escolha de Reitores das Instituições Federais

Encontros e Desencontros na Legislação para Escolha de Reitores das Instituições Federais

Por Roberto Lobo
Atualização:

 

Roberto Lobo e José Goldemberg 15 de janeiro de 2020

 

PUBLICIDADE

A MPV 914 do governo federal que regulamenta a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino tem sido motivo de fortes ataques por alguns segmentos da comunidade acadêmica e de associações como a ANDIFES, que se manifestou acusando a nova medida como atentatória à autonomia universitária.

Citam, principalmente, a forma de escolha de reitores, que consideram um retrocesso à visão "democrática" que até então supostamente prevalecia.

Na verdade, o que se sabe é que a prática eleitoral nessas instituições federais vem violando, na maioria das vezes, a legislação vigente.

Sobre a norma estabelecida pela Medida Provisória citada há muita reclamação da obrigatoriedade da participação com peso de 70% dos docentes nas consultas formais à comunidade por voto uninominal.

Publicidade

No entanto, a Nota técnica do MEC de 2011 já estabelecia esses mesmos critérios. Nenhuma grande novidade.

Essa legislação é muito anterior a 2019, na verdade, data do governo FHC, em grande parte confirmada pelos governos posteriores.

Se algumas universidades se utilizaram de estratagemas para burlar o espírito da legislação, e impor outro tipo de indicação, isto não deveria servir de exemplo. É natural que haja uma tendência de escolher o primeiro da lista, mas o compromisso fechado com essa escolha fere os objetivos da legislação.

Não se pode falar de truculência contra a autonomia universitária já que a MPV manteve o que já havia e formalizou a obrigatoriedade da consulta à comunidade, que antes era facultativa aos conselhos universitários (e/ou seus colégios eleitorais que os englobe).

O mais grave na medida provisória, no entanto, é, mais uma vez, a pouca atenção e prestígio com que se trata os conselhos universitários. Eles são praticamente ignorados pelo MEC, pelas associações de docentes e pelos órgãos que congregam dirigentes das universidades públicas. Os conselhos são sempre os mais atacados pelos defensores da paridade nas eleições reitorais, como um órgão corporativo e atrasado.

Publicidade

Pode haver razões para essa crítica, em alguns casos, que deveriam ser corrigidos por uma revisão estatutária proposta pela própria universidade.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

No entanto os conselhos universitários são, na verdade, a maior defesa da autonomia universitária e garantidores da continuidade das políticas e do planejamento institucional. Eles também aprovam o orçamento, as novas atividades acadêmicas, a compatibilização dos programas universitários com a missão institucional, entre outras atribuições. Os conselhos asseguram o diálogo do poder central, representado pela reitoria, com as diferentes unidades acadêmicas. Sem eles, as universidades correm o risco de perder a unidade de propósitos, de ficar subordinadas ao arbítrio absoluto da reitoria ou a perder sua autonomia para o governo federal (se dirigidas por reitores pouco combativos), que poderia se imiscuir até nas atividades tipicamente acadêmicas.

Outro ponto sujeito a críticas na nova MPV é a forma de nomeação de diretores de unidades, que passa a ser de escolha direta do reitor. Compreende-se a importância da formação de uma equipe coesa de trabalho, mas isso é possível de se alcançar combinando a ausculta dos membros da unidade por meio da formação de lista tríplice, especialmente em voto múltiplo explicado mais à frente. Outro extremo, também indesejável, é a escolha direta de gestores de unidade sem participação da reitoria, formando uma equipe descoordenada sem a unidade necessária para trabalhar em harmonia com a gestão central.

As nomeações dos diretores diretamente pelo reitor esvaziam, ainda mais, os conselhos universitários em sua força e independência, já que normalmente os diretores formam uma parcela significativa desse colegiado.

Sobre o outro aspecto da MPV, o voto uninominal, é claro que também não foi criado agora e já existia na Nota Técnica do MEC citada acima e é assim que deveriam ocorrer as eleições nas instituições federais há muitos anos pela força da lei vigente. É chamada de eleição majoritária, que ocorre nos cargos eletivos para cargos políticos, não havendo outra instância que a examine e até a modifique, sendo final em si própria.

Publicidade

Entretanto, mesmo não sendo uma novidade, isso não quer dizer que seja a melhor opção, pois de fato pode conduzir candidatos minoritários a serem incluídos na lista tríplice e representar risco de nomeação de candidato com pequena representação na eleição interna. Talvez em razão disso, se viu, inclusive, que foram usadas diversas formas para "burlar" o espírito da legislação e garantir que chegasse às mãos do governo praticamente uma lista criada a partir de consultas para chapas fechadas que eram apenas referendadas pelos conselhos universitários, ao arrepio da lei.

Quando se quer sentir o que de fato é mais aceitável por um conjunto maior de pessoas, faz-se uma consulta à comunidade, permitindo o voto em até três candidatos, que indica não somente um nome destacado, mas qual a aceitação ou repúdio a determinados nomes pela coletividade.

O voto múltiplo, cada eleitor votando em até três candidatos, por exemplo, é ótimo para estabelecer lista tríplice sem hierarquia, deixando que um colegiado superior - legitimado por sua composição e suas atribuições que integram a visão mais global e a missão institucional - compreendendo a manifestação da comunidade e suas consequências, seja responsável pela montagem final da ordem da lista a ser enviada para nomeação pela última instância.

Muito melhor para todos. No entanto, é mais suscetível a fraudes pela variedade de opções para o eleitor (voto em branco, nulo ou em um, em dois ou em três candidatos), que dificultam a conferência e segurança do pleito.

É importante, para se chegar a um bom termo, que a comunidade acadêmica e as universidades tentassem deixar de lado o comportamento corporativista e o espírito de perseguição que transparece em seus pronunciamentos e façam um saldável exercício de autocrítica, enquanto o governo federal, o MEC em particular, passe a se preocupar menos com confrontos ideológicos e assuma, com mais modéstia, uma liderança que traga a necessária visão modernizadora para o sistema universitário brasileiro, em particular para as instituições sob sua administração direta.

Publicidade

Para ambos e para todos, é hora de pensarmos no que de fato pode impactar a qualidade institucional e seus resultados efetivos, para muito além da ocupação de espaços político-partidários incompatíveis com o trabalho verdadeiramente acadêmico.

 

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.