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Desafios e Escolhas de Uma Liderança  

Desafios e Escolhas de Uma Liderança 

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Por Roberto Lobo
Atualização:
Roberto Leal Lobo e Silva Filho     5 de dezembro de 2018 Foto: Estadão

 

Com enorme alegria recebi na sexta-feira, dia 28 de novembro, amigos e colegas universitários no lançamento de meu livro, escrito a 4 mãos com Maria Beatriz Lobo, esposa e companheira há 21 anos, cujo título é também o deste blog.

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Muitos docentes da USP, importantes professores, ex-gestores e atuais autoridades da universidade, cientistas e profissionais compareceram ao evento, além claro, de amigos de outras áreas e familiares.

Não via muitos deles há alguns anos e vários são colegas de belos combates, no período crítico da implantação da autonomia universitária, nas estaduais paulistas, da crise do confisco da poupança de Collor e da crise financeira do início dos anos 90, quando comecei meu mandato como primeiro reitor da USP na era da autonomia.

Entre os presentes ao lançamento, dois professores me trouxeram gratas recordações de decisões importantes, que discutimos então, os professores Erney Camargo e José Roberto Drugowich.  Ambos participaram intensamente de minha gestão na USP e depois também na Universidade de Mogi das Cruzes, principalmente Drugowich, o nosso Drugo, pró-reitor administrativo da UMC.

Ao chegar à Livraria da Vila para o lançamento do livro, não pude deixar de xeretar outros livros em exposição quando dei de frente com o livro "Os Desafios da Autonomia Universitária", de Drugowich e Paulo Muzy, do qual já tinha lido o manuscrito gentilmente enviado pelos autores.

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O tema autonomia é discutido no meu livro e também no livro de Drugowich e Muzy, sob dois pontos de vista diferentes, que se complementam. A visão mais impessoal dos dois autores analisa a autonomia universitária em seus diferentes aspectos, enquanto o relato no meu livro descreve como entendi e trabalhei com a autonomia como reitor, em que decidi, sem desrespeitar os limites da autonomia universitária, explorá-la ao máximo, tentando criar uma nova cultura na Universidade de São Paulo, que pudesse servir de exemplo para o Brasil. Uma atitude inovadora, agressiva e responsável, além de transparente.

Alguns episódios, relatados em meu livro e no de Muzy e Drugwich ilustram essa visão.

Em 1990 publiquei, juntamente com meu pró-reitor de pesquisa, Erney, o artigo "Milhões de Dólares Perdidos" no jornal "O Estado de S. Paulo", em que analisamos a forma equivocada com que o Brasil lidava com estrangeiros, em particular professores e cientistas, que com as Normas do Regime Jurídico Único que havia sido recém implantado pelo governo Collor ficavam impossibilitados de trabalhar de forma permanente no Brasil.

Decidi, então, propor ao Conselho Universitário da USP que os professores estrangeiros tivessem o mesmo direito dos brasileiros, baseado na autonomia universitária e na experiência internacional, particularmente a americana. Pedi dois pareceres de eminentes juristas, ideologicamente equilibrados, os professores Miguel Reale e Dalmo Dallari, ambos totalmente favoráveis à proposta que nosso Conselho Universitário aprovou.

A decisão da Reitoria e do Conselho Universitário inspirou-se na história da USP: quando a universidade foi criada, em 1934, vieram da Europa mais de três dezenas de professores para ocuparem suas primeiras cátedras. Honramos, com essa decisão de 1990, a memória dos nossos pioneiros Armando de Salles Oliveira, Júlio de Mesquita Filho e Fernando Azevedo. Rebelamo-nos contra uma proibição que, pretendendo ser nacionalista, acabava prejudicando os interesses do país, em particular de nossas universidades.

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Anos mais tarde, encontrei-me em Brasília com o então deputado Marco Maciel que me disse ter ficado muito impressionado com a decisão corajosa da USP em relação aos professores estrangeiros e que estava propondo uma emenda constitucional para estender esta decisão para as universidades federais, o que ocorreu em 1996. Foi um importante exemplo sobre como se pode utilizar a autonomia para o bem da universidade.

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A propósito, as universidades públicas paulistas, que formam o melhor sistema universitário da América Latina, vêm sendo pressionadas, neste momento, com as limitações impostas pelo teto aprovado para os seus professores, colocando as universidades em posição de clara inferioridade salarial de seus docentes, nacional e internacionalmente.

Os professores são a alma de qualquer universidade, particularmente as de pesquisa e, sem diminuir a importância dos estudantes e dos funcionários para o desempenho global da instituição, deve-se reconhecer que a qualidade de uma universidade é uma função direta da qualidade de seus docentes, digam o que disserem os DCE's e os sindicatos.

É a experiência internacional, a minha também, e da maioria dos especialistas, que ratificam essa afirmação. Há ainda um outro fator, geralmente ignorado quando se analisa as instituições acadêmicas: a gestão. Sua contribuição para o pleno desenvolvimento institucional articulando os diferentes setores é fundamental. Não ter salários competitivos é prejudicar, inclusive, a atratividade para cargos de alta responsabilidade e distinção.

O orçamento das universidades paulistas é dado pela cota do ICMS e salários não impactam diretamente no orçamento do estado, mas são limitados aos orçamentos das próprias universidades, que deveriam desta foram, e se fosse o caso, decidir sobre seus próprios tetos salariais para os professores. Isso pelo que acontece no mundo. Salários docentes não se correlacionam com salários de políticos, ou com demandas de outros setores alheios à academia.

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Em minha reitoria estabelecemos um teto salarial, mas foi uma decisão interna da universidade, baseada em seus parâmetros, prioridades, necessidades e disponibilidades.

Por isso, não me parece correto considerar a política salarial das universidades paulistas igualmente ao quadro de funcionalismo público do estado. Se o estado de S. Paulo der um aumento ao funcionalismo estadual e as universidades não tiverem recursos para acompanhar este aumento, elas podem unilateralmente não acompanhar a decisão do estado e ninguém poderá obrigá-las a isso. Se assim é, parece lógico que a regra valha para os dois lados.

Não é exatamente a mesma coisa, mas certamente merece uma boa discussão e talvez uma atitude de ousadia das reitorias.

A autonomia universidade é um dos temas tratados no meu livro porque ela, se levada com coragem e responsabilidade, é a mais importante mudança ocorrida na gestão universitária no Brasil. Entretanto, esse potencial está ainda longe de ser plena e ousadamente utilizado.

Um grupo multidisciplinar e competente deveria debruçar-se sobre a questão dos desafios de uma universidade autônoma no século XXI, repensando o mercado de trabalho, as empresas 4.0, as modernas tecnologias da educação e a utilização eficiente do Big Data, com consequente redução de custos operacionais por aluno, entre outras potencialidades.

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A autonomia das universidades públicas, que deveria com certeza incluir a liberdade de definir seu plano de atração, remuneração de docentes e valorização de docentes, inclusive sem manter a isonomia interna para casos claramente distintos, será sempre um instrumento importantíssimo, talvez o mais importante, a ser utilizado para viabilizar a nova universidade.

Sem isso, pergunto: como atrair, por exemplo, um professor Prêmio Nobel de área importante para o desenvolvimento do país para se radicar e montar um grupo de pesquisa aqui, ou outros pesquisadores de alto nível, se não tivermos a capacidade de ousar?

 

 

 

 

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