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Qual é o inimigo?

* Por Bruno Paes Manso, de O Estado de S. Paulo

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Por Redação
Atualização:

1. O Globocop sobrevoa o amontoado de 300 estudantes que se prepara para dar início à assembleia que vai decidir sobre a permanência da ocupação da reitoria. Pelo menos 20 jornalistas rodeiam os jovens, com luzes e flashes prontos para pipocar. O clima é de euforia teen, como se finalmente aqueles 300 umbigos ocupassem o centro do mundo.

Começam os debates. A primeira decisão da assembleia, por aclamação, é proibir "a mídia" de gravar os discursos. Por quase meia hora, a geração que adora contar seus problemas privados no Facebook impede os jornalistas de transmitirem os debates sobre temas de interesse público.

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2. Surge o primeiro destaque da noite. Com a voz de quem havia chorado e estava na iminência de voltar a desabar, Michele, uma morena de cabelos rebeldes, integrante da ala jovem do PSTU, pega o microfone para encarar a multidão hostil. Dois dias antes, juntos com lideranças do PSOL, partidos que comandam o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, eles foram considerados traidores do movimento ao liderar uma assembleia que decidiu pela desocupação do prédio da FFLCH. A ocupação da reitoria só veio porque lideranças de movimentos mais radicais do movimento estudantil assumiram a mesa para retomar a votação. Sem o apoio do DCE, na terça-feira, decidiu-se então pela ocupação da reitoria.

Antes heroína, agora Michele está na berlinda. Ela se diz indignada com a panfletagem da tarde, que os chamava de P2 do movimento (em referência a serem informantes dos policiais militares). No meio da multidão, um estudante a chama de Cabo Anselmo e o apelido pega rapidamente. Michele resiste. Ainda tem a coragem de enfrentar os jovens para dizer que a invasão da reitoria é um erro estratégico. Michele é xingada, vaiada e sai de cena antes de cair no choro.

Embasbacada, a reportagem já pode dizer que testemunhou uma assembleia em que o PSTU foi taxado de lacaio da direita.

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3. Quando começam as discussões, fica claro a injustiça do mundo contra os jovens brasileiros. Enquanto as manifestações dos egípcios e iranianos combatem ditadores, europeus clamam por empregos e norte-americanos contestam a Bolsa de Valores, símbolo maior do sistema que construíram, os estudantes da USP ainda parecem dar murros em ponta de faca na busca de uma boa causa para protestar.

Nas falas, eles já se inserem na onda jovem mundial dos protestos de rua. Mas derrapam quando precisam apontar o inimigo com clareza. Ao defender o "Fora, PM", um estudante diz que pretende que o movimento contagie os estudantes secundaristas para que eles se rebelem "contra a Ronda Escolar". Em vez de criticar os métodos dos policiais paulistas, uma das corporações mais violentas do mundo, defendem simplesmente o desaparecimento dos policiais das favelas e morros e de todos os lugares. Há gente a favor, gente contra, votos para lá e para cá, numa assembleia que vai até meia-noite. Os estudantes da USP sem dúvida estão dispostos a mudar o mundo. E a brigar, se for preciso. O azar é que ainda parecem procurar a grande causa.

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