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A educação de surdos em tempos de crise

Por Oficina do Estudante
Atualização:

Por Jéssica Vasconcelos Dorta

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A pandemia do novo coronavírus nos têm permitido (re)conhecer de forma mais visível a qualidade das instituições de nossa sociedade. Como indica Boaventura de Sousa Santos, em seu livro A cruel pedagogia do vírus, apesar da especificidade desse contexto, a crise instaurada pela pandemia acentua uma crise anterior, mais ampla, duradoura e igualmente devastadora: a crise gerada pelo neoliberalismo, que define a sociedade a partir de uma lógica de mercado bastante segregadora. Nessa sociedade, grupos minoritários como os surdos, excluídos dessa e por essa lógica, enfrentam grandes desafios tanto na vida pública quanto na vida privada. No campo da educação, por exemplo, importantes direitos foram conquistados na última década, como o decreto n° 5.626 que, entre outras questões, definiu o direito à educação das pessoas surdas. No entanto, na prática, percebemos um cenário ainda marcado pela exclusão.

Se ainda não havíamos construído uma educação inclusiva de qualidade, a pandemia acentuou o caos: muitas escolas que recebem alunos surdos não têm recursos suficientes para garantir a manutenção das práticas escolares. A questão econômica que envolve grande parte dos alunos, a dificuldade de compreensão das atividades propostas, o desconhecimento da língua brasileira de sinais (libras) por grande parte da comunidade escolar e, muitas vezes, até mesmo dos familiares são alguns dos inúmeros problemas enfrentados por esse grupo e não apenas nesse período. Muitas vezes, professores e intérpretes trabalham juntos, exaustivamente, adaptando materiais, produzindo vídeos explicativos para tentar diminuir as desigualdades que se tornaram ainda mais evidentes durante a pandemia.

Mesmo quando os recursos tecnológicos estão à disposição da comunidade escolar, falta muitas vezes uma formação adequada aos professores que os permita (re)pensar suas práticas. Essa formação deve, por lei, ser promovida durante os cursos de licenciatura, mas as escolas também podem desempenhar um papel importante ao incentivar e dar subsídios a seus professores para que eles se especializem. Durante as aulas remotas, mostra-se importante que os professores busquem produzir atividades sensíveis às especificidades educacionais dos surdos. Um dos principais pontos é considerar que, muitas vezes, a língua portuguesa, língua de instrução da maior parte das escolas, não é a língua materna do aluno surdo. A libras é uma língua de modalidade espaço-visual, por isso há uma grande quantidade de pesquisas que apontam o uso de diferentes linguagens em sala de aula (imagens, vídeos, desenhos etc) como uma possibilidade de potencializar o ensino voltado para esses alunos. 

Retomando Boaventura de Sousa Santos, vivemos em um estado de crise permanente. A crise da pandemia, situada dentro de uma crise maior, revela que o modo como nos relacionamos uns com os outros, com a natureza e o modo como construímos e garantimos a manutenção das instituições é insustentável. Esse período pode ser compreendido como um convite para que possamos romper a lógica excludente e opressora que atravessa a nossa sociedade. Lembrando Paulo Freire: uma sociedade mais justa se faz também por meio de uma educação libertadora, conscientizadora e emancipatória.  

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Jéssica Vasconcelos Dorta é professora de Português e Redação do Colégio e Curso Pré-Vestibular Oficina do Estudante de Campinas (SP), tem uma especialização e um mestrado em Educação Linguística de Surdos e faz, atualmente, doutorado nessa área.

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