Durante os últimos dias, recebi várias denúncias, em geral de cursinhos contra cursinhos, de que seus concorrentes estariam aconselhando alunos a indicar necessidade de atendimento especial nos dias de prova do ENEM, alegando Déficit de Atenção. Isso garantiria aos alunos, se comprovado o diagnóstico, uma hora a mais para realização do exame a cada dia de aplicação da prova.
O distúrbio é reconhecido pelo MEC como real, tanto que garante tratamento diferenciado na prova para seus portadores, mas ainda há um grande debate na comunidade científica sobre este assunto. Uma parte dos pesquisadores, como Cida Moisés, da Faculdade de Medicina da Unicamp, acreditam que o tratamento químico imoderado é uma espécie de genocídio do futuro, e que a maior parte dos diagnosticados é composta simplesmente por pessoas questionadoras, que tem grandes sonhos, que ousam querer mudar o mundo. Já outros, como Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da USP, acreditam que estes distúrbios e seus tratamentos são subtratados no Brasil.
Um fato que causa estranheza é que apenas 1.656 candidatos declararam Déficit de Atenção e solicitaram atendimento especial no Enem em 2013. Segundo dados de pesquisas científicas, estima-se que, em uma população de cerca de sete milhões e duzentos mil inscritos, entre 70.000 e 400.000 dos candidatos tinham o distúrbio, pelo menos na categoria em que ele é reconhecido pelo MEC e pela comunidade psiquiátrica. Se menos de 2 mil candidatos pediram uma hora a mais de prova, é possível que não o fizeram por que este direito não foi amplamente divulgado.
Acrescento a isto o fato de que muitas das pessoas que hoje fazem a prova do ENEM têm mais de 25 anos. No Brasil, o DDA é conhecido há cerca de 10 anos. Portanto, muitas dessas pessoas sequer sabem quem têm esse distúrbio e, por isso, não chegam a declarar a necessidade de atendimento especial.
Isso é fraude?
As denúncias que recebi, e que reproduzi em minhas redes sociais, de que cursinhos estão incentivando alunos a obter diagnósticos de DDA ou de TDAH, podem indicar uma tentativa de fraudar a prova, já que não tem como discutir muito com um atestado de DDA ou de TDAH emitido por um médico (é bom lembrar que boa parte de quem quer uma vaga em Medicina, o curso mais disputado, tem na família médicos, que conhecem outros médicos etc.). A fraude, se existe (no caso de diagnósticos falsos), é, ou será, principalmente, de médicos que emitirem atestados sem consistência para beneficiar os solicitantes, e não dos cursinhos propriamente.
Muitos educadores, como eu, costumam chamar a Ritalina, medicamento mais utilizado para o tratamento do Déficit de Atenção, de "Droga da Obediência". Como o medicamento traz resultados em relação ao comportamento em casa e na sala de aula mesmo em quem não tem TDAH ou DDA (Desvio de Déficit de Atenção sem Hiperatividade), muitos pais, professores e médicos costumam abusar de seu uso, confundindo, em alguns casos, a mudança do comportamento causada pelo remédio com um diagnóstico errôneo de DDA. Muitas vezes pessoas com problemas sócio-familiares, com depressão, ou com muita energia (resiliência) para enfrentar os desafios do dia a dia são erroneamente diagnosticadas.