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Discriminação na escola, não!

Estudantes do interior do Ceará criam coletivo para combater discriminação contra os cabelos crespos e mudam ambiente escolar

Por Todos Pela Educação
Atualização:

Arquivo Pessoal  

Por Lázaro Campos Junior, do Todos Pela Educação

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É comum os jovens vivenciarem momentos de descoberta da própria identidade enquanto cursam o Ensino Médio. Nesse contexto, a diversidade, seja étnica, de orientação sexual ou de gênero, muitas vezes acaba se deparando com um cenário de preconceito e discriminação inclusive dentro da escola. Assim, para alcançar a meta de universalização dessa etapa, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu a estratégia de combate ao preconceito e discriminação como forma de evitar a evasão escolar.

Os dados mostram que essa estratégia é fundamental. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, por exemplo, revela que enquanto 71% dos brancos entre 15 a 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio, esse índice era de 57,8% e 56,8% entre pardos e negros, respectivamente.

Na Escola de Educação Profissional José Augusto Torres, em Senador Pompeu, no interior do Ceará, a situação não era diferente, como conta a ex-aluna Yasmin Lima, de 18 anos. "Quando o aluno sofre preconceito, ele deixa de participar das atividades da escola, excluindo-se. Ele não mostra o que pode fazer devido ao medo da discriminação", afirma.

Tendo isso em mente, Yasmin e mais duas colegas, Joyce Silva e Giselle Viana, juntaram-se ao professor de sociologia Denis Lima para pensar no que fazer para, dentro do ambiente escolar, debater padrões estéticos ligados a questões raciais. O incômodo com a ausência de discussões desse tipo surgiu durante a semana da Consciência Negra de 2015.

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"Muitas vezes, tratamos o crespo como 'cabelo ruim' - e isso vem desde a infância, porque muitas mães não sabem cuidar do cabelo das filhas. A menina cresce achando que o seu cabelo é ruim, mesmo sem ser", explica Giselle.

Ao procurarem o professor Denis, as alunas receberam informações teóricas sobre o tema e, depois, orientações sobre como promover ações práticas. Nascia, ali, o coletivo Crespinianas.

CriaçãoPara a concepção do coletivo, as garotas fizeram uma pesquisa de campo em salões de beleza. Segundo Yasmin, o preconceito quanto ao crespo estava dentro dos salões, em que cabeleireiros apontavam o alisamento como única forma de cuidar desses tipos de fios.

Após essa "coleta de dados", as meninas iniciaram debates na escola, realizando rodas de conversa durante os intervalos das aulas. "Abordamos vários temas, mas sempre enfatizamos a aceitação da mulher. A nossa intenção era que as meninas enxergassem sua beleza, sem precisar de mudança", explica Yasmin. "Nunca censuramos o alisamento, o objetivo era que elas se sentissem bem com quem elas eram", afirma. A estudante conta ainda que rodas de conversas não eram restritas às garotas, incluindo todos os interessados no debate.

ReconhecimentoYasmin destaca que logo no primeiro ano de atuação do coletivo, uma garota negra e de cabelo crespo ganhou o concurso de miss da escola. "Quando venceu, ela nos contou que a família dela a pressionava para tirar os seus cachos. Depois das nossas conversas, ela passou a ter coragem de mostrar quem era. Isso foi muito gratificante", conta.

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Apesar dessas ações, o movimento não se restringiu ao ambiente escolar. "Uma coisa é a realidade de uma grande cidade, em que as pessoas estudam e conhecem o assunto, mas a realidade de um município do interior do Ceará é diferente", comenta Yasmin. Assim, o coletivo buscou sensibilizar a comunidade em torno da escola, a cidade e a própria região sobre suas pautas. Sempre com o apoio da direção escolar, o movimento passou a participar de feiras regionais e estaduais.

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O professor Denis explica que seu papel foi o de orientar o projeto das alunas. "Minha preocupação foi podar, dentro dos limites, até onde elas queriam ir e tirar a ansiedade das meninas", diz. "Quem sofre preconceito todos os dias pode ter ansiedade de partir para cima e fazer um enfrentamento. A ideia era acalmar os ânimos e trabalhar tanto o lado social quanto o teórico. Com o apoio da escola nós conseguimos o reconhecimento e até outros segmentos viram a escola como responsável pela propagação e repercussão da causa", explica.

Dessa forma, o trabalho do coletivo Crespinianas foi reconhecido além dos muros da escola e um dos pontos altos da divulgação foi a participação na Semana Pedagógica de 2017 do Instituto Federal do Ceará (IFCE). "Foi uma oportunidade de mostrar aquilo que estudamos e vivemos. Nós pudemos abordar a diversidade étnica que existe no próprio grupo. Enquanto a Giselle é branca e crespa, eu sou negra e crespa, por exemplo", explica Yasmin. "Falamos da importância da iniciativa vindo dos alunos e os professores do instituto gostaram do fato de que nós, estudantes, mudamos a escola para melhor", afirma.

Mudança do ambiente escolarEmbora Joyce, Yasmin e Giselle tenham completado o Ensino Médio em 2017, o movimento se mantém dentro e fora da escola. "Temos várias atividades para colocar em prática e a ideia é levá-las para a escola, mesmo que não sejamos mais alunas. As meninas lá dentro precisam continuar sendo incentivadas", explica Yasmin.

Ela destaca a importância de ações como essa serem realmente coletivas. "A coletividade mostra que o preconceito não atinge uma garota só. O objetivo do coletivo é que todas possam ter a liberdade de se expressar sem precisar temer o que os outros vão pensar", afirma. "Não se pode esperar para que alguma coisa aconteça, é preciso coragem para ir em frente. Se não há um grupo que te represente, você precisa agir, mesmo que seja para representar a si mesmo", enfatiza.

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O professor Denis, que ainda leciona na unidade, é testemunha da mudança de ambiente que a escola vivenciou. "O convívio e o respeito entre os estudantes melhorou pelo surgimento do sentimento de pertencimento e união. Como professor, eu tive uma oportunidade única. O coletivo entrou num ambiente que, querendo ou não, é muito hostil, mas consegui conquistar o respeito e carinho dentro da escola", afirma. "Aos poucos, tentamos mudar a realidade de garotas que sofrem todos os dias no interior e com pouca visibilidade. Hoje já temos o apoio de outros segmentos da sociedade", explica.

 

 

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