Colégio Anglo 21
27 de outubro de 2016 | 15h54
*Por Gianpaolo Dorigo
Agora no final de setembro ocorreu uma aula particularmente divertida com alunos do segundo ano do Ensino Médio no colégio Anglo 21. No meio do semestre, estudávamos os discursos e as práticas relacionados à criação de uma identidade brasileira no século XX. Nessa aula específica, o objetivo era identificar o contraste entre o discurso oficial da Primeira República (que buscava constituir a identidade brasileira a partir de um modelo europeizado e ocidental) e a riqueza de uma produção cultural popular, ao mesmo tempo rica e original.
O ponto de partida da aula foi uma proposta de discussão sobre o conceito atual e popular de “meter o pé na jaca”. Em meio a sorrisos irônicos e histórias francamente engraçadas, compartilhadas com a turma, identificamos o conceito com práticas exageradas, desmedidas ou que resultam em situações constrangedoras.
Em seguida, observei com os alunos que o termo existia já no início do século XX sob a forma de “cortar a jaca”. Aliás, “O Corta-Jaca” é o título de uma música de Chiquinha Gonzaga, de quem fiz uma breve biografia para os estudantes. Com o auxílio de um projetor de imagens e acesso à internet, assistimos a um vídeo gravado em 2014 pela cantora mineira Lysia Condé, especializada em gravações de clássicos esquecidos da música brasileira:
Ai, ai, como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Esta dança é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
A música é um maxixe, e deve ser acompanhada de uma dança bastante sensual, pelo menos para os padrões da época. Na letra, há referências à baronesas e marquesas que querem dançar o corta-jaca.
Ao final da música citei um episódio ocorrido em 1914, no qual o presidente Hermes da Fonseca recepcionou o corpo diplomático e, entre músicas clássicas, acrescentou uma seção de música popular, incluindo o “Corta-jaca”. Para muitos, foi um escândalo e, no dia seguinte, Rui Barbosa pronunciou um violento discurso no Congresso Nacional, denunciando o que considerou uma afronta. Seguiu-se a projeção de um trecho do discurso, a partir do qual eu pretendia finalmente chegar ao confronto entre popular e erudito na Primeira República:
“Uma das folhas de ontem estampou em fac-símile o programa da recepção presidencial em que diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social. Mas o Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o Corta-Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria?”
Avalio positivamente o projeto da aula, uma vez que: a) desenvolveu habilidades diversas (leitura e interpretação de texto e letra de música), b) transcorreu sob a forma de bate-papo, em geral bem humorado, c) atingiu objetivos específicos no contexto de uma reflexão sobre a identidade brasileira, iniciada em aulas anteriores e continuada nas aulas seguintes.
Infelizmente, os 45 minutos de aula não foram suficientes para atingir o seu ponto culminante: conforme o envolvimento dos alunos, pretendia procurar no YouTube um tutorial de maxixe e, ao som do “Corta Jaca”, convidar todos os alunos a dançar. Fica para a próxima !
* Gianpaolo Dorigo é professor de História do Colégio Anglo 21 e autor dos materiais didáticos do Sistema Anglo de Ensino.
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