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Opinião|Setembro Amarelo: uma reflexão envolvendo crianças e adolescentes

Por Juliana Góis e Raquel Tonioli

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Atualização:

Imagem: reprodução.  

Estamos encerrando mais um "Setembro Amarelo", um mês marcado por campanhas sobre prevenção ao suicídio, um período de valorização da vida e de reflexão acerca da saúde mental, inclusive de crianças e adolescentes. 

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A despeito da crença de que a infância é uma época invariavelmente feliz, os dados epidemiológicos apontam que há presença de algum tipo de transtorno mental entre 10 a 20% da população. Em um estudo realizado com estudantes da região sudeste do Brasil, na faixa etária de 7 a 14 anos, verificou-se que 1 a cada 8 dos alunos que participaram da pesquisa apresentava alguma dificuldade com necessidade de atendimento especializado na área de saúde mental. 

Dados como este alertam para a importância de nos mantermos atentos ao desenvolvimento cognitivo, emocional e social de nossas crianças e adolescentes tanto em setembro como em todos os outros meses do ano. Afinal, esses recursos são fundamentais para o enfrentamento e adaptação aos desafios inevitáveis da vida, seja em tempos de pandemia ou não. 

A alta prevalência de transtornos mentais somada ao seu impacto negativo no dia a dia do indivíduo aponta para a relevância de um enfoque na promoção de saúde mental, na linha do conhecido mas por vezes esquecido ditado: "Prevenir é melhor do que remediar". 

Em relação à saúde física, isso já acontece de forma natural. Todos compreendemos a relevância dos cuidados com alimentação e sono, bem como da prática de atividades físicas regulares para o fortalecimento do organismo e prevenção de doenças. Contudo, para que isso também aconteça no contexto da saúde mental é necessário nos despirmos do estigma atrelado a tríade composta por falta de informação, preconceito e discriminação em relação aos transtornos psíquicos. A depressão, por exemplo, muitas vezes é equivocadamente taxada como frescura ou sinal de fraqueza, porém, trata-se de um transtorno que necessita de tratamento especializado. Ressaltamos aqui que os transtornos mentais possuem etiologia multifatorial, ou seja, ocorrem pela interação de aspectos individuais, sociais e ambientais e não necessariamente são desencadeados por uma situação específica. 

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Sabemos que estamos vivenciando um contexto atípico, com aulas remotas e restrição do convívio social há aproximadamente seis meses. Nesse cenário, oscilações no humor, momentos de tristeza e aumento da ansiedade tornaram-se queixas comuns e facilmente compreendidas - nessas situações transitórias a família e os amigos podem ajudar.  Conversar abre um espaço onde é permitido expressar os sentimentos, dar contorno aos vazios, oferecer sentido e mobilizar mudanças. 

Porém, enquanto pais e educadores, devemos nos preocupar quando as mudanças são perceptíveis aos padrões do comportamento mais duradouros e com prejuízos na interação social e/ou no seu aproveitamento acadêmico. Dentre os sinais de alerta e fatores de risco destacamos:  comportamentos como ameaçar ou ferir a si mesmo; falar ou escrever sobre a morte, o morrer, o suicídio, a presença de ideação suicída e sinais de desesperança ("minha vida não vale a pena", "nada faz sentido"). 

Mas é imprescindível olhar o outro lado da moeda, abordar os fatores protetores que fortalecem o sujeito. Estes podem ser ambientais como um bom convívio familiar ou mesmo competências pessoais, tais como uma boa auto estima. Dentre os fatores cognitivos de proteção temos: saber identificar razões para viver, percepções positivas acerca de sua rede social de apoio e crenças, senso de responsabilidade com outrem e crenças que refletem esperança. 

Cabe aqui esclarecer que sinais de alerta, fatores de risco e fatores de proteção são informações que nos ajudam a fazer ponderações, mas não necessariamente terão uma relação direta. Ou seja, não é porque uma pessoa tem medo de morte que necessariamente não irá cometer suicídio, bem como não é porque ela escreveu sobre isso que irá. Trata-se de um tema complexo, com uma infinitude de sutilezas e que deve ser abordado de forma sensível e cuidadosa.  

Durante o isolamento social, algumas famílias vivenciaram uma oportunidade ímpar de passar mais tempo juntos, retomar hábitos antigos e valiosos como sentar juntos em torno de uma mesa durante a refeição, compartilhar histórias e quem sabe, com sorte, até fazer uma partida no jogo de tabuleiro que estava empoeirado na prateleira. A verdade é que temos esperança de que esse período tenha proporcionado a todos, momentos de reflexão acerca das prioridades na vida. A ideia de que as dificuldades são passageiras, os desafios podem ser superados e é possível fazer diferente; da beleza dos momentos corriqueiros com aqueles que gostamos; da importância de levarmos uma vida que vale a pena ser vivida. Abraços e beijos foram adiados, a tecnologia nos aproximou, mas sentimos saudade dos encontros - ainda bem!

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Por fim, compartilhamos um trecho do texto "As mais belas coisas do mundo": 

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"O meu avô sempre dizia que o melhor da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era seguir procurando. Estar vivo é procurar, explicava. Quase usava lupas e binóculos, mapas e ferramentas de escavação, igual a um detective cheio de trabalho e talentos. Tinha o ar de um caçador de tesouros e, de todo o modo, os seus olhos reluziam de uma riqueza profunda. Percebíamos isso no seu abraço. Eu dizia: dentro do abraço do avô. Porque ele se tornava uma casa inteira e acolhia-nos. Abraçar assim, talvez porque sou magro e ainda pequeno, é para mim um mistério tremendo.

Eu sei que ele queria chamar a atenção para a importância de aprender. Explicava sempre que aprender é mudar de conduta, fazer melhor. Quem sabe melhor e continua a cometer o mesmo erro não aprendeu nada, apenas acedeu à informação. Ele achava que dispomos de informação suficiente para termos uma conduta mais cuidada. Elogiava insistentemente o cuidado. Era um detective de interiores, queria dizer, inspeccionava sobretudo sentimentos. Quando lhe perguntei porquê, ele respondeu que só assim se falava verdadeiramente acerca da felicidade. Para estudar o coração das pessoas é preciso um cuidado cirúrgico. Estava constantemente a pedir-me que prestasse atenção. Se prestares atenção vês corações e podes tirar medidas à felicidade. Como se houvesse uma fita métrica para isso.

Propunha que desvendasse adivinhas e dilemas. Propunha que desvendasse labirínticas lógicas. Prometia-me um novo livro ou um caderno com marcadores amarelos e vermelhos, os meus favoritos. Prometia que, se eu descobrisse cada resposta, me daria outro abraço ainda mais apertado e sempre mais amigo. Por melhores que fossem os cadernos, o orgulho que sentia naqueles abraços era a vitória. Comecei por entender que nenhuma vitória me gratificava mais do que descortinar uma resposta e aceder a um abraço. De cada vez que a nossa cabeça resolve um problema aumentamos de tamanho. Podemos chegar a ser gigantes, cheios de lonjuras por dentro, dimensões distintas, países inteiros de ideias e coisas imaginárias.

Eu queria ser sagaz, ter perspicácia, estar sempre inspirado. O meu avô pedia que não me desiludisse. Quem se desilude morre por dentro. Dizia: é urgente viver encantado. O encanto é a única cura possível para a inevitável tristeza. Havia, às vezes, um momento em que discutíamos a tristeza. Era fundamental sabermos que aconteceria e que implicaria uma força maior.

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Um dia, explicou-me, eu passaria a ser capaz de colocar as minhas próprias questões, ofício mais difícil ainda do que procurar respostas. Sozinho, saberia inventar um mistério até para mim mesmo. Como se eu fosse o lado de cá e o lado de lá das coisas. O lado de cá e o lado de lá do mundo. Um cristal com emissão de luz para todos os sentidos. (...)"

(Valter Hugo Mãe)

Esperamos que juntos, a despeito da forma de ensino adotada - presencial, remota ou híbrida, possamos, através da parceria entre família e escola,  encantar nossas crianças e adolescentes e que assim eles possam emitir luz para todos os lados.

 Foto: Estadão

Juliana de Oliveira Góis Orientadora pedagógica de apoio à aprendizagem do Colégio Rio Branco - Unidade Higienópolis. Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina de São Paulo. Graduada em Psicologia, com especialização em Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua profissionalmente na área clínica, com ênfase em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental. Experiência na área educacional e no trabalho com alunos com necessidades educativas especiais.

 

 

 

 

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