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Opinião|Autoimagem e redes sociais: a utilização de filtros nas imagens pode trazer impactos para a saúde mental?

O leque de aplicativos que editam fotos é praticamente infinito e as possibilidades de edição se tornam cada vez mais diversas. A linha entre a brincadeira e preocupação estética exacerbada é tênue e é nosso dever, enquanto usuários dessas ferramentas, pais e educadores, ficarmos muito atentos, principalmente às gerações mais novas. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o Brasil lidera o ranking de cirurgia plástica entre jovens. 

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Atualização:
 Foto: Estadão

Por Juliana Góis

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A internet é uma ferramenta extremamente necessária na vida atual. O rápido acesso à informação, a possibilidade de comunicação instantânea, o ensino remoto e o home office, além do entretenimento, fizeram crescer exponencialmente o número de usuários da web nos últimos anos. Hoje, este supera 2,5 bilhões em todo o mundo e contempla as diferentes faixas etárias.

A travessia de um período pandêmico colocou ainda mais em evidência as inúmeras possibilidades que a tecnologia nos oferece; inclusive, diante da necessidade de distanciamento social, foi ela que tornou possível nos sentirmos mais próximos uns dos outros. Contudo, em paralelo aos seus benefícios, ela nos deixa à mercê de riscos para a saúde mental, secundários à forma de uso de algumas de suas ferramentas. 

Na era da comunicação sem fronteiras, onde os celulares estão à mão da grande maioria dos adolescentes e adultos, o compartilhamento de informações pessoais se dá a todo vapor nas redes sociais. "Quem não é famoso, hoje em dia?" - brincava comigo um amigo, em uma conversa. Nas redes, navegamos através da imagem pela vida de tantos indivíduos, acompanhamos o que eles expressam, exibem, consomem, fazem, vão e porquê. 

Porém, essa possibilidade aumentada de exibição de identidades e intimidades no mundo virtual, por vezes, não corresponde a uma exposição verdadeira, mas sim a recortes selecionados, idealizados ou, até mesmo, fictícios. Nos deparamos com a exposição de rostos, corpo e estilos de vida que criam padrões e ideais inatingíveis. Vocês se lembram dos comerciais de margarina? Pois bem, nesse mecanismo, esse princípio baseado em ideais tornou-se tão frequente que já não gera estranhamento ao espectador. Porém, algumas vezes, ele pode gerar a sensação de falta, insegurança e insuficiência, há uma distorção da realidade e nela o que é natural torna-se imperfeito, diferente e aquém do que é postado e compartilhado por outrem. 

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Os avanços tecnológicos permitem sobrepor uma camada virtual sobre o mundo real e é possível seguirmos muito além nessa reflexão. Desde meados de 2015, a utilização de filtros se popularizou; esses dispositivos tornam possível, a partir de um simples toque, mudanças imediatas na imagem que a tela projeta. Os primeiros, em sua maioria, possuíam um caráter lúdico e acrescentavam ao usuário acessórios ou desenhos, como orelhas de animais, contudo, hoje predominam aqueles que modificam a fisionomia das pessoas e que são moldados a partir de padrões de beleza cada vez mais rígidos. 

A princípio, não vejo problema nesse brincar de "faz de conta", que pode ser divertido e até mesmo funcional em algumas vezes. Lembro-me de uma adolescente que ganhou dos pais a possibilidade de fazer mechas coloridas nos cabelos, ela testou comigo as possíveis cores antes de tomar sua decisão com o apoio desses recursos; sem dificuldade também, recordo do dia em que eu mesma precisava gravar um vídeo profissional e, sem maquiagem, num piscar de olhos, ou melhor, a partir de um único clique, estava com a maquiagem almejada. Entretanto, a questão que aqui se impõe é: até onde isso pode chegar? 

Não são novidades os efeitos prejudiciais que se escondem por trás dos excessos. O mexe daqui, tira dali e põe acolá, factível às imagens compartilhadas, exacerbam o narcisismo no mundo digital, impondo padrões artificiais e dificilmente tangíveis. 

Em uma breve pesquisa na internet, torna-se difícil não se impressionar com os dados e achados. No campo da estética chegamos ao ponto de num tropeço esbarrar no termo "Dismorfia do Snapchat", que se caracteriza por uma preocupação excessiva com a aparência, levando a pessoa a medidas extremas, na tentativa de esconder ou disfarçar "imperfeições".

Os desdobramentos secundários ao uso de filtros - que dentre inúmeras possibilidades afinam o nariz, levantam a sobrancelha, tornam os lábios mais cheios e capricham na simetria, bem como de uma maior maior exposição da própria imagem, também bateram na porta dos consultórios de cirurgia plástica. 

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Em um estudo da Academia Americana de Cirurgiões Plásticos, verificou-se que a motivação de 55% das pessoas que fizeram rinoplastias em 2017 foi o desejo de sair melhor em selfies. No artigo publicado em 2018, no JAMA Facial Plastic Surgery Viewpoint, concluiu-se que os aplicativos de edição de imagens nas plataformas de redes sociais provocaram o aumento no número de pacientes que procuram imitar a imagem oferecida a partir do uso dos filtros. Se em outras épocas a visita ao médico em busca por este tipo de procedimento era acompanhada pela fotografia de uma celebridade, o avanço desses dispositivos transformou o objeto oferecido como parâmetro: a própria imagem filtrada passou a ser apresentada pelo paciente como norteadora do seu desejo de transformação. 

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O leque de aplicativos que editam fotos é praticamente infinito e as possibilidades de edição se tornam cada vez mais diversas. A linha entre a brincadeira e preocupação estética exacerbada é tênue e é nosso dever, enquanto usuários dessas ferramentas, pais e educadores, ficarmos muito atentos, principalmente às gerações mais novas. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o Brasil lidera o ranking de cirurgia plástica entre jovens. 

Todos esses dados apontam, de fato, o quão importante é esta reflexão e confesso preocupar-me diante do borrão que se fez entre o que é a realidade e o que é falso, entre a vida e o espetáculo. Podemos fazer uso de quaisquer recursos, mas sem nos aprisionarmos aos padrões impostos de acordo com a sociedade e o momento.  A verdade é que uma vida vivida deixa sempre vestígios. As olheiras ao final do dia, muitas vezes, podem ser sinal de cansaço, o calo nos pés podem ser oriundos dos rodopios de uma grande bailarina e as linhas marcadas na lateral dos olhos, podem ser o indicador de que você é uma daquelas pessoas que carregam consigo um largo sorriso ou que riem muitas vezes dos acontecimentos do dia a dia.  

Por fim, reforço que, sim, é imprescindível cuidarmos de nós mesmos, a busca por hábitos de vida saudáveis, que ajudam a nos sentirmos bem e bonitos é positiva e de grande valia para o bem estar. Porém, é preciso manter os pés no chão, lembrar que somos de carne e osso e que nem sempre será possível, necessário ou desejável disfarçar as próprias marcas. Será que existe uma beleza ideal? Costumo vê-la como algo subjetivo e singular. Afinal, será que o que encanta meus olhos encanta os seus também?

 Foto: Estadão

Juliana Góis é Orientadora Educacional de Apoio à Aprendizagem no Colégio Rio Branco, psicóloga e psicopedagoga, especialista em Neuropsicologia e mestre em Neurociência. Atua na área clínica e educacional.

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