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A educação que vale a pena

Cérebro social, Educação antissocial

Nascemos programados para aprender com os outros, em grupo e de forma colaborativa, mas são poucas as instituções de ensino que realmente priorizam as relações sociais em sala de aula

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Por Ana Maria Diniz
Atualização:

Meu terceiro neto nasceu no início de julho. Tem sido uma alegria acompanhá-lo de perto nesse 1 mês e meio de vida e ver como ele evolui rapidamente. Leo está cada dia mais esperto: já distingue claro e escuro, se distrai com objetos coloridos e barulhentos, balbucia, dá gritinhos e risadas. Como todos os bebês nessa fase, ele tem um super interesse por fisionomias humanas. Seu passatempo preferido é olhar o rosto da mãe.

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Essa fixação dos bebês com rostos, principalmente com pessoas da família, mas também de desconhecidos, tem origem na evolução humana. Para sobreviver como espécie, tivemos que aprender a decifrar as pessoas ao nosso redor por meio de suas expressões para que pudéssemos combater inimigos e formar parcerias para escapar de animais ferozes ou encontrar comida. E isso só foi possível graças a uma complexa rede neural capaz de interpretar sinais sociais - a qual os neurocientistas chamam de cérebro social.

O cérebro social é crucial para o nosso desenvolvimento desde a mais tenra idade. Quando bebês em seus primeiros meses de vida olham para os rostos de suas mães e pais e imitam suas expressões, eles aprendem a interagir e desenvolvem a sensibilidade para interpretar os sinais sociais. Também é observando os outros que os bebês tiram suas primeiras conclusões do mundo. Essa necessidade de alcançar e de se conectar com outras pessoas é o principal fator por trás do nosso comportamento, das nossas atitudes, além de ser um poderoso gatilho para a aprendizagem.

Como escreveu a brilhante neurocientista Patricia Kuhl, diretora do Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro da Universidade de Washington, no livro How Babies Think, há algo em estar na presença de outro ser humano e interagir com ele que impulsiona o aprendizado. Mais do que qualquer outra espécie, nascemos programados para aprender com os outros, em grupo e de forma colaborativa. Sem as informações enviadas pelo cérebro social, a aprendizagem não ocorre de forma tão profunda e efetiva.

É o que comprova uma pesquisa liderada por Patricia Kuhl com dois grupos de bebês de 9 meses, todos filhos de pais ingleses, que tiveram 12 aulas de mandarim. O primeiro grupo teve aulas com uma professora chinesa que conversava e brincava e com as crianças. O segundo grupo assistia apenas a vídeos educativos. Ao término das sessões, os bebês do primeiro grupo já reconheciam fonemas chineses tal qual bebês da mesma idade nascidos na China. Já os bebês do segundo grupo não aprenderam nada.

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Apesar de todas as descobertas sobre o poder do cérebro social,  este conceito permanece bastante subestimado na Educação de maneira em geral. Ainda são poucas as escolas de Educação básica que realmente incentivam a cooperação, o trabalho em equipe e o aprendizado entre pares no dia a dia das salas de aula. Entre as faculdades, também são incipientes as iniciativas nesse sentido. No que diz respeito à Primeira Infância e ao ensino infantil, a falta de compreensão sobre a importância das relações sociais é ainda mais preocupante.

A negligência numa fase em que o cérebro está sendo esculpido pelas experiências pode comprometer seriamente o desenvolvimento físico, mental, social e emocional de uma criança, afetando-a para o resto da vida. A atenção, o afeto e os estímulos recebidos entre o nascimento de um bebê e os 6 anos de idade são fundamentais: quanto melhores forem as experiências e os cuidados com a criança nesta etapa da vida, maiores as chances de ela se tornar um adulto equilibrado, produtivo e realizado. Estudos mostram que as crianças que tiveram os cuidados e a atenção necessários na Primeira Infância têm 40% menos chances de desenvolver depressão, 35% menos chances de ter problemas prisionais e 44% mais chances de concluir o Ensino Médio.

Nosso cérebro é social, mas nossa Educação ainda vive em caixinhas e não privilegia as relações. Já está na hora pôr um fim a essa contradição.

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