Yes, nós temos MBA global

Etapa nacional do OneMBA, co-patrocinado pela FGV, mostra o que é o futuro, cada vez mais presente, dos negócios

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Por Sergio Pompeu
Atualização:

“Por que não a Walmex?”, diz o mexicano Hector Soto, especialista em supply chain da Eaton Corporation, gigante americana de energia com vendas globais na casa dos US$ 14 bilhões.

 

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“Boa, eles estão crescendo, expandindo para a Costa Rica”, palpita o alemão Dominic Schaefer, gerente de contrato da Serco, empresa de serviços britânica que faturou mais de 4 bilhões de libras em 2010.

 

“Não, o Walmex é controlado pelo Walmart, não é uma empresa genuína de país emergente”, intervém o holandês Martin Wysick, especialista em finanças do UBS – com sede na Suíça, o banco administra uma carteira de investimentos de 2,2 trilhões de francos suíços.

 

“É, ele tem razão. Vamos mudar de setor. Acho que a gente poderia escolher a Gerdau”, sugere Genilson Melo, gerente financeiro da Copersucar, líder brasileira na venda de açúcar e etanol, com receita líquida superior a R$ 8,2 bilhões.

 

O diálogo acima aconteceu num hotel de São Paulo no dia 19, no fim da residência latino-americana do OneMBA, iniciada uma semana antes na Cidade do México. Realizado em consórcio por cinco instituições de quatro continentes, entre elas a escola de negócios da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, o OneMBA foi considerado o 26.º melhor curso executivo do mundo no ranking do jornal inglês Financial Times.

 

Recém-reunidos num grupo de trabalho, Genilson e os colegas discutiam um projeto que apresentarão em maio durante a residência final do curso, na China e na Índia. A mesa tinha outros dois integrantes: o americano Eli Joseph, que trabalha com relações institucionais no laboratório Merck, e o especialista em TI Rajkumar Iyer, nascido na Índia e funcionário da IBM nos Estados Unidos.

 

A tarefa dos seis será analisar a situação atual, estratégias e potencial de crescimento de duas empresas da mesma área, uma com origem num país emergente e outra do mundo desenvolvido. Depois de descartar vestuário e alimentação, eles optaram pela siderurgia, com a Gerdau e a americana Nucor. Martin ficou encarregado de fazer o primeiro levantamento sobre as duas empresas, aproveitando seu acesso aos bancos de dados do UBS.

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Fuso

 

Na reunião, ainda houve tempo de definir que o grupo fará conferências telefônicas todas as quartas, às 20 horas. No horário brasileiro, bem entendido. Para Dominic, serão 23 horas. Mas ele não lamenta. “Num grupo anterior, tinha gente de Hong Kong e dos Estados Unidos. As conferências aconteciam às 6 da manhã para americanos, à noite para uma colega chinesa e à tarde para mim.”

 

Os trabalhos em grupo, que acontecem nos cinco meses entre cada semana de residência internacional do OneMBA, uma em cada continente, são um dos aspectos mais interessantes do curso para a mexicana Kristan Segura, especialista em marketing de uma multinacional de tecnologia (ela pediu para que o nome da empresa fosse omitido).

 

“Fui quatro anos gerente de marketing da Motorola no México e trabalhava com gente de vários países”, diz Kristan. “Mas aqui não existe o papel unificador da cultura da empresa, que atenua as diferenças.”

 

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Na primeira equipe da qual participou, Kristan trabalhou com dois holandeses, dois americanos e um brasileiro. “Para americanos e europeus, o confronto de ideias é muito natural; para latinos, é algo visto como rude. Eu tive de aprender a ser assertiva. E gostei.”

 

Genilson concorda. “Sem a hierarquia e o guarda-chuva corporativo, os conflitos aparecem. Tudo exige negociação e você precisa parar para pensar em como a cultura influencia o modo de agir do outro”, diz. “Há culturas mais abertas a receber uma cobrança direta, enquanto nós, latinos, costumamos reagir mal a isso. Americano tem como característica planejar muito; nós somos mais de fazer.”

 

Longe de gerar diferenças irreconciliáveis, porém, esses conflitos representam uma oportunidade de crescimento. O gerente da Copersucar diz, por exemplo, que aprendeu bastante no trabalho com um chinês da sua primeira equipe no OneMBA.

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“Ele dizia que tínhamos de decidir tudo por consenso. Eu rebatia: ‘Não funciona, temos milhares de coisas para resolver”, conta Genilson. Tudo mudou três conference calls depois. “Percebi o que era consenso para ele: as decisões são tomadas pela maioria, mas a minoria precisa sentir que teve voz, não foi excluída.”

 

O brasileiro passou a aplicar o conceito na Copersucar, onde comanda mais de 50 pessoas. “Você aprende a pensar mais na origem e no perfil das pessoas, a ter um olhar mais focado no ser humano.”

 

Além de questões surgidas durante o trabalho de grupo, as diferenças culturais aparecem em outros momentos do OneMBA, como nas avaliações que os alunos têm de fazer uns dos outros. Diretora do OneMBA na FGV, Silvia Sampaio diz que, na primeira vez em que os responsáveis pelo programa divulgaram as notas (antes sigilosas), brasileiros e mexicanos se sentiram traídos. “Alguns tiveram avaliações mais baixas e ficaram indignados. É difícil para nós aceitar que o americano possa te adorar, sair para tomar cerveja e, mesmo assim, dê nota baixa se você não cumpre o combinado.”

 

Alunos do programa em todo o mundo se reuniram este mês na Cidade do México e em SP

 

Cases e custos

 

Nos três dias da residência brasileira, cerca de cem alunos de todo o mundo assistiram a palestras de professores, executivos e especialistas sobre aspectos positivos do País – entre eles o crescimento do mercado interno apesar da crise internacional e cases de sucesso como os do frigorífico JBS, da transformação das Havaianas em marca global e da Native, maior exportadora mundial de açúcar orgânico.

 

“A apresentação da qual mais gostei foi a de Leontino Balbo, diretor da Native. Ele criou um manejo biológico de cana de açúcar”, diz o alemão Dominic. “Achei incrível a paixão e a engenhosidade que ele colocou no projeto.”

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Os estrangeiros do OneMBA também se impressionaram com aspectos negativos do País, entre eles a estrutura tributária e gargalos que travam o crescimento, como os na infraestrutura e educação. “Fazer negócios no Brasil não é para iniciantes”, diz, no ônibus que levou os alunos a uma visita à sede da Natura, no dia 17, o francês Wilfrid Palcy, gerente de Recursos Humanos da Areva, conglomerado cuja principal atividade é a produção de energia nuclear.

 

Entre as barreiras citadas por Wilfred aos negócios no Brasil estão a do idioma e o custo legal para contratar funcionários. “Se algum dia decidir iniciar um empreendimento aqui, vou precisar de um sócio brasileiro.”

 

“Eles também ficaram assustados com os preços nos restaurantes e shoppings”, conta Silvia, da FGV. “Isso ajudou a despertar interesse pelo painel que fizemos sobre custo Brasil e outros obstáculos à competitividade do País.”

 

 

Já que o assunto é preço, o investimento no OneMBA (de R$ 118 mil para a turma que começará o programa em setembro, no caso da FGV) vale a pena? “Sim. Queria passar por um programa realmente global”, diz o alemão Dominic. “Não só as residências são legais. Conta muito a estrutura das universidades envolvidas e o team work.”

 

“O motivo pelo qual escolhi o curso é que ele reflete precisamente o que faço. Na Motorola, eu fazia conference calls às 7 horas para falar com gente em Israel e depois com meus colegas brasileiros”, diz a mexicana Kristan. “Além de o programa ser bem realista, decidi que queria fazer um MBA Executivo enquanto trabalhava. Se entrasse num curso tradicional eu teria que deixar o trabalho por talvez três anos. E aí há um custo de oportunidade, porque você deixa o emprego, às vezes até o país, pode perder muitos contatos.”

 

Um dos principais parâmetros de qualidade dos programas de MBA são rankings internacionais. Um dos itens do levantamento do FT é o aumento da remuneração depois do curso. No último ranking, os alunos do OneMBA afirmaram que, em média, o salário cresceu 55%.

 

“O investimento vale a pena, com certeza”, diz Genilson. “Mas não penso em valorização a curto prazo, um aspecto sempre ressaltado em reportagens. Até porque pessoas apoiadas pelas empresas para fazer os programas já são vistas como candidatas a promoções, não dá para atribuir isso ao diploma.”

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Para Genilson, o principal benefício do OneMBA virá a longo prazo. “A chance de crescimento pessoal, de vivência internacional e o networking que o curso te dá também representam um patrimônio do profissional.”

 

O networking, em escala internacional, também foi ressaltado como um atrativo do curso pelo gerente de RH Wilfrid. “Num grupo de trabalho, analisamos o caso da Pepsi e tínhamos alguém da companhia no time. Essa pessoa me pôs em contato com várias outras da empresa e pude conversar com o gerente sênior da Pepsi na França, que me deu insights interessantes sobre a companhia e sua estratégia no país. São informações que eu nunca teria conseguido em sites ou livros.”

 

Tempo

 

Além de dinheiro, o participante do OneMBA precisa estar disposto a empenhar outro ativo igualmente importante: tempo. No dia 19, por exemplo, os alunos da FGV receberam de Silvia o material de leitura para o módulo que acaba em maio. O envelope tinha mais de um palmo de altura. “A demanda de tempo é equivalente à de um MBA full-time”, diz a professora.

 

Os estudantes da FGV, por exemplo, têm a cada três semanas uma sexta-feira inteira de aulas. Sem falar nos trabalhos em grupo e nas residências internacionais. “Tem muita coisa para ler, analisar e escrever. Você precisa se dedicar durante a semana à noite e nos fins de semana”, diz Genilson. Ele afirma que, por estar sempre ocupado, recebe muitas cobranças da mulher e dos três filhos pequenos. “E olhe que a decisão de fazer o MBA foi tomada em conjunto com minha mulher.”

 

O desempenho dos estudantes é avaliado de diversas formas: pelos colegas, pela participação em grupos de trabalho ou estudos de caso e em outros quesitos, que dependem, basicamente, de cada professor. Todos têm de tirar nota mínima de 7 para aprovação nas disciplinas. Quem sempre passa raspando precisa tomar cuidado. “Eles não podem acumular num determinado período do curso mais do que seis notas entre 7 e 7,9”, diz Silvia.

 

Embora as normas do programa prevejam que alunos sejam até jubilados por notas insuficientes, isso nunca aconteceu nos dez anos de existência do OneMBA. Mas vários já foram reprovados em matérias específicas. “Acontece bastante. Aí ele tem de refazer a disciplina com a turma do ano seguinte”, explica Silvia.

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Seleção

 

Para evitar que alunos entrem no OneMBA e só depois percebam que não têm como acompanhar o curso, a direção do programa na FGV faz uma avaliação cuidadosa, na qual a situação pessoal conta muito. “Perguntamos até se a pessoa tem alguma mudança prevista na vida, se está para casar ou ter filhos; conforme o caso, explicamos que talvez o momento não seja o mais adequado”, diz Silvia.

 

No processo seletivo, os candidatos fazem entrevistas individuais e são ouvidos por bancas de professores. A única prova objetiva que conta pontos é o Graduate Management Admission Test (Gmat), que tem questões de matemática e inglês, muito usado para a admissão em programas de MBA no exterior.

 

“Mais que o Gmat, a gente quer  conhecer muito bem o aluno antes de fazer o programa, saber se agrega valor ao grupo, se está no momento certo de fazer o curso”, diz Silvia. Segundo ela, um equívoco comum é o candidato achar que o OneMBA será seu passaporte para se tornar um executivo global.  “Muita gente não tem perfil para isso e não vai ser o curso que vai dar”, diz. “A ideia do programa é te preparar para ter sucesso nos negócios em diferentes situações, em qualquer lugar do mundo.”

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