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Um novo lugar para o português?

Quais as principais ações do Estado brasileiro para a divulgação do português no exterior? De que maneira funciona essa política? Tese de doutorado defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp analisa as ações do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Itamaraty, para a promoção internacional do português. O autor, Leandro Rodrigues Alves Diniz, é professor visitante na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, onde ministra disciplinas de linguística e de português para falantes de outras línguas. Sua tese focalizou, especificamente, as iniciativas da Divisão de Promoção da Língua Portuguesa (DPLP), que, subordinada ao Itamaraty, atua em mais de 40 países por intermédio da Rede Brasileira de Ensino no Exterior (RBEx), de que fazem parte os Centros Culturais Brasileiros, os Institutos Culturais Bilaterais e os leitorados. Os dois primeiros são instituições encarregadas do ensino do português e da difusão da literatura e de outras expressões artísticas no exterior, enquanto os leitorados são um programa por meio do qual se enviam professores brasileiros para ministrar aulas de português, cultura e literatura brasileiras em universidades estrangeiras.

Por Jornal da Unicamp
Atualização:

O estudo teve como referencial teórico-metodológico um campo de conhecimento interdisciplinar, fundado na França na década de 80, e que se consolidou no Brasil com o nome de História das Ideias Linguísticas. Os estudos brasileiros nesse campo, que estabelecem um forte diálogo com a análise do discurso materialista, concebem a história da produção e circulação de um saber metalinguístico como indissociável da história da construção da língua nacional brasileira. Nessa perspectiva, afirma Leandro, “o político é estruturante do funcionamento de toda língua, assim como das formas que assumem os saberes metalinguísticos produzidos ao longo da história”.

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A pesquisa, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi orientada pela professora Mónica Graciela Zoppi-Fontana e coorientada pela professora Matilde Virginia Ricardi Scaramucci. Parte dela foi realizada na Université Sorbonne Nouvelle, por meio de bolsa sanduíche concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo se inscreve no espaço aberto por dois projetos apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenados pela professora Mónica: “A língua brasileira no Mercosul: Instrumentalização da língua nacional brasileira em espaços de enunciação ampliados” (2004/2008) e “O discurso político sobre a língua no Brasil a partir dos anos 90” (2008/2011).

A tese de doutorado em questão dá continuidade à pesquisa de mestrado do autor, defendida na Unicamp em 2008, intitulada “Mercado de línguas: a instrumentalização brasileira do português como língua estrangeira”, e publicada em livro pela editora RG, com apoio da Fapesp.

Para realizar sua pesquisa, Leandro Diniz analisou textos jurídicos e jornalísticos, documentos do arquivo do MRE em Brasília e entrevistas que realizou com profissionais envolvidos na política em questão. O autor observa um notável recrudescimento da política linguística exterior brasileira nos últimos anos, o que se deve, em partes, ao fortalecimento de processos discursivos por meio dos quais algumas línguas passam a ser significadas como “bens de mercado”, em que valeria a pena “investir” para ter sucesso no “mundo globalizado”.

Para o autor, o português, especificamente, o brasileiro, tem sido representado, muitas vezes, como uma “língua do mundo da comunicação”, “da troca comercial”, na esteira de mudanças no imaginário do Brasil no exterior, o que impulsiona sua aprendizagem por falantes de outras línguas e a política do Itamaraty para atender a essa demanda. Mas o fortalecimento das ações do Estado brasileiro para a promoção do português no exterior também é consequência, segundo o pesquisador, de um reposicionamento do Brasil no cenário geopolítico internacional. “É possível observar a formulação de um novo lugar para o português, que passa a ser encarado como um instrumento de penetração estratégica do Estado brasileiro para além de suas fronteiras”, afirma o autor.

Mercantilização. Leandro ressalta, porém, que, apesar do fortalecimento da política linguística exterior brasileira, as iniciativas para a promoção internacional do português são, em geral, qualificadas como parte de uma mera política cultural. Além de ser um elemento-chave no processo discursivo de “mercantilização” do português, esse “apelo” à cultura apaga interesses do Estado brasileiro. Apesar desse silenciamento, é possível identificar vestígios das relações entre a política linguística exterior brasileira e a política do MRE. “Partindo da hipótese de que a política linguística exterior estaria subordinada à politica externa do Estado, conforme propõe a pesquisadora argentina Lía Varela, averiguamos se mudanças na configuração da Rede Brasileira de Ensino no Exterior (RBEx) derivariam, em certo grau, de modificações na política exterior do país. E, de fato, encontramos várias evidências dessa relação”.

Uma delas, segundo o autor, é a expansão dessa rede na África nos últimos anos: em um único ano – o de 2008 -, foram fundados Centros Culturais Brasileiros em quatro países africanos. Trata-se, na perspectiva do autor, de um reflexo do maior investimento nas relações do Brasil com a África, a partir do governo Lula. Leandro também constatou uma recente expansão da RBEx na América Central e na Ásia. “É interessante, por exemplo, que, em 2008, num momento em que o Brasil reforçava sua presença militar no Haiti, tenha sido aberto um Centro Cultural em Porto Príncipe, ou que leitorados tenham sido recentemente criados na China, país com o qual o Brasil vem fortalecendo intercâmbios comerciais”.

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Analisando fatos como esse, Diniz conclui: “A promoção de uma língua no exterior por meio de iniciativas estatais não pode ser dissociada de interesses políticos, econômicos e simbólicos. Nesse sentido, é esperado que as políticas linguísticas exteriores tragam à tona litígios entre diferentes Estados”. Conforme entrevistas realizadas durante a pesquisa, o Itamaraty enfrenta, por vezes, dificuldades para criar leitorados em universidades onde o Instituto Camões, principal órgão responsável pela política linguística portuguesa, está presente. “Por vezes, quando se fala de ‘culturas lusófonas’ em departamentos onde atuam professores portugueses, abrangem-se aspectos linguísticos, literários e culturais de países como Angola e Moçambique, mas se exclui o Brasil. ‘Lusófono’ seria, portanto, aquilo que se considera à margem, de forma que o Brasil, país que disputa com Portugal o centro da chamada ‘lusofonia’, não é, segundo alguns relatos a que tivemos acesso, contemplado nas atividades desenvolvidas em alguns leitorados portugueses”, afirma Leandro.

Por outro lado, o autor ressalta: “Não se trata de pensar o Brasil como uma ‘vítima’ de uma política linguística em que ainda ressoam discursos que significam Portugal como o país que, legitimamente, ocupa o centro da chamada ‘lusofonia’”. Leandro exemplifica: alguns autores brasileiros argumentam que Portugal age com prepotência colonial, mas, por outro, reproduzem discursos segundo os quais cabe ao Brasil gerir a promoção dessa língua no exterior, não restando a Portugal outra opção senão seguir-lhe os passos.

Nesse sentido, “a institucionalização brasileira do português como língua estrangeira evidencia não apenas de um movimento de descolonização linguística, mas inclusive de uma colonização linguística às avessas”, argumenta Leandro, retomando conceitos desenvolvidos por Eni Orlandi e Mónica Zoppi-Fontana. Outro indício desse processo discursivo, conforme o autor, é o fato de que o português brasileiro, historicamente estigmatizado enquanto língua “desviante” e “errada”, em oposição à língua “pura” de Portugal, torna-se motivo de “orgulho”. “Em nosso corpus de pesquisa, o português brasileiro aparece caracterizado como mais bem pronunciado do que o europeu, sendo essa, supostamente, uma das razões pelas quais aquele seria mais adequado à internacionalização do que este”, prossegue Leandro.

O autor finaliza sua tese discutindo a proposta de criação do Instituto Machado de Assis (IMA), lançada em 2005, mas ainda não implementada.  A missão desse instituto, em linhas gerais, seria a de formular e coordenar as políticas de promoção da língua portuguesa no Brasil e no mundo. Na perspectiva do autor, a dificuldade de se criar efetivamente o IMA diz respeito não apenas a entraves institucionais, mas também a equívocos constitutivos da política linguística exterior brasileira. Nesse sentido, o autor se questiona: “Como criar uma estrutura brasileira centralizadora das ações para a promoção do português, se as políticas linguísticas exteriores fazem ressoar discursos (neo)colonizadores, e se a fundação do IMA poderia ser interpretada como uma evidência de pretensões imperialistas por parte do Brasil? De que forma promover a língua portuguesa em certos espaços, como em países africanos marcados por políticas colonialistas de Portugal até meados do século XX? A fundação do IMA não representaria uma opção por uma política unilateral de difusão da língua portuguesa, num momento em que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa começa a levar a cabo suas primeiras ações de política linguística?”

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Em resumo, afirma Leandro Diniz: “Analisar a política do Estado brasileiro para a promoção internacional do português implica adentrar para a complexa trama discursiva que, sustentada em processos históricos-ideológicos contraditórios de colonização e descolonização linguística, intervém na relação entre a língua (trans)nacional brasileira e as outras línguas presentes em espaços em constante reconfiguração pelos movimentos de ‘globalização’ contemporâneos”.

Publicação

Tese: “Política linguística do Estado brasileiro na contemporaneidade: a institucionalização de mecanismos de promoção da língua nacional no exterior”Autor: Leandro Rodrigues Alves Diniz Orientadora: Mónica Graciela Zoppi-FontanaCoorientadora: Matilde Virginia Ricardi ScaramucciUnidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

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