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‘Situação financeira da UFRJ é dramática’, diz reitor recém-eleito

Roberto Leher afirma que, a partir de agosto, poderá faltar dinheiro para pagar as contas. Ele vai debater orçamento suplementar

Por Luciana Nunes Leal
Atualização:

Recém-eleito reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor titular da Faculdade de Educação Roberto Leher, de 54 anos, disse que a partir de agosto ou setembro poderá faltar dinheiro para pagar as contas. “Suspender (as atividades) seria um problema nacional de enorme envergadura”, alerta Leher, sobre a grave crise financeira de uma das mais importantes instituições de ensino e pesquisa do País.

O Reitor eleito da UFRJ,Roberto Leher, durante entrevista exclusiva cedida ao Estado Foto: Fabio Motta/Estadão

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Nos últimos 15 dias, aulas foram suspensas por falta de limpeza e segurança. As firmas contratadas para os serviços alegaram falta de pagamento. Sem salários, os empregados pararam. Alunos ocuparam a reitoria por melhorias no alojamento, pagamento das bolsas e solução para os terceirizados.

Fundador e militante do PSOL, o professor carioca diz que “felizmente” não há partidarização nas universidades e promete levar adiante teses como o fim de terceirização na limpeza, vigilância e portaria. “A terceirização é nefasta.”

A nomeação do reitor depende do Ministério da Educação (MEC). A praxe é a escolha do mais votado. A posse está prevista para 3 de julho.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado:

O sr. tem uma radiografia da situação financeira da UFRJ?

É dramática. Tão logo tomarmos posse, vamos fazer um levantamento mais sistemático dos contratos para sabermos a situação orçamentária real. A universidade não pode permanecer tão vulnerável às empresas de terceirização. 

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Quanto a UFRJ tem para gastar neste ano?

Estamos devendo para empresas que fornecem energia e água. Para o custeio, deveríamos ter recebido, até abril, R$ 133 milhões (do governo federal). Porém, o que foi efetivamente liberado somou R$ 85 milhões. Em 2014, foram contingenciados (retidos) R$ 60 milhões, que era o montante que tínhamos de investimentos. A situação do câmpus da Praia Vermelha é trágica, também do Hospital Universitário. Em março, havia mais de R$ 90 milhões de déficit. Provavelmente não teremos recursos para custeio a partir de agosto ou setembro. 

Como está a assistência estudantil?

As bolsas do primeiro semestre não foram liberadas. Há a expectativa de que sejam regularizadas até o fim de julho, início de agosto. Uma parcela recebe bolsa de auxílio de R$ 400 e a outra, auxílio-moradia de R$ 650, pois o alojamento da Cidade Universitária não comporta toda a demanda. 

O governo está em processo de ajuste fiscal e corte radical de gastos. Como pedir mais recursos nesse cenário?

As universidades terem de suspender (as atividades) seria um problema nacional de enorme envergadura. Com os demais reitores, queremos debater orçamento suplementar para 2015, para que as universidades não tenham atividades interrompidas. Teria de haver projeto de lei. Para a reforma de patrimônio histórico, conversamos com o Ministério da Cultura, que tem linha de financiamento com o BNDES. 

A situação atual é consequência do Reuni, o programa federal de expansão universitária?

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O Reuni tem duas grandes falhas de planejamento. O recurso estava restrito ao período 2007-2012. Em 2013, ainda havia verba de custeio, mas veio o aprofundamento da crise econômica mundial e a mudança de prioridade do governo na educação. O segundo mandato de Lula priorizou a expansão pelo Reuni. No primeiro mandato da presidente Dilma (Rousseff), a prioridade foi a expansão do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), com o setor privado. Não houve interesse tão acentuado nas universidades. No que diz respeito à formação humana, a prioridade dela foi o Pronatec (ensino técnico). O que isso significa? É estratégia de formação para trabalho simples, não complexo. 

O sr. fala que a universidade fica vulnerável com contratos terceirizados. Qual é a saída?

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A terceirização é nefasta para a universidade. A limpeza de centros de terapia intensiva, laboratórios e biotérios (espaço de animais para experimento científico), onde há descarte de dejetos químicos e material radioativo, é complexa e exige formação permanente. O terceirizado hoje está ali, daqui a três meses não mais. Outro setor é a segurança. Muitas vezes, ficamos aqui até as 23 horas. O segurança deve conhecer quem frequenta, saber se há desconhecido circulando. 

Existe alternativa?

Propomos fazer contratações pela CLT por tempo determinado, que a legislação permite e poderia resolver problemas mais emergenciais, como o do hospital. Queremos que o MEC restabeleça funções extintas no serviço público, como motorista, segurança, limpeza e manutenção de biotérios, que hoje não permitem concurso público. A União economizará recursos: contratar por tempo determinado via CLT é mais barato. 

Ser contra a terceirização também não é posição ideológica? São as congregações que estão vendo trabalhadores sem salário, sem dinheiro para comprar comida. Como manter a unidade aberta se os trabalhadores estão sem comida? Empresas usam trabalhadores para obter benefícios da universidade. As universidades poderiam atrasar até três meses e eles teriam de manter o pagamento (dos empregados). Mas, se atrasa 25 dias, cortam o salário. A universidade fica refém. 

O sr. levará essa discussão adiante sabendo da resistência do governo e no momento em que o Congresso vota a terceirização das atividades-fim?

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Sei que é difícil. É uma convicção política ideológica de que as terceirizações são desejáveis, mas mesmo no governo há compreensão de que não deveria abarcar atividades-fim. Na universidade, atividades-meio são muito vinculadas às fins. 

Ser filiado ao PSOL pode dificultar sua relação com o governo? De forma alguma. Não fui eleito porque fundei o PSOL. Não é o debate partidário que polariza a universidade brasileira. É diferente da Argentina, onde os peronistas se reúnem fora da universidade e discutem quem será o candidato deles a reitor. O Partido Radical, o Partido Obrero também. O governo tratará a UFRJ com o devido respeito: é a maior universidade federal do País. E não vamos tratar partidariamente o governo. Reitores fortemente alinhados estão passando pelas mesmas agruras. 

O que o sr. pensa da avaliação da produção acadêmica?

A avaliação é uma relação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) com os programas de pós-graduação e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) com os pesquisadores individualmente. O sistema de avaliação, pela adoção de modelos tecnocráticos, se afastou da ciência. Como existe hegemonia de algumas áreas no sistema de ciência e tecnologia, utilizou-se um padrão de avaliação que se aplica a umas áreas, não a todas. Nas Ciências Sociais, Humanas e na Economia, a principal forma de produção do conhecimento são os livros. É um processo que demora dois, três anos. Pelo sistema Capes, esse livro vale menos que se alguém escrever resenha sobre ele e publicar em revista. Tem algo errado nisso. 

Nos protestos de 2013, houve discussão sobre a doutrinação nas universidades. Ela existe?

Professor que tem mirada de doutrinação é muito mal considerado na universidade. A meu ver, doutrinação é tentativa de passar uma visão de mundo de forma dogmática. A perspectiva de conhecimento doutrinário é contraditória com a ciência, que tem de estar aberta a problemas, controvérsias. Outra coisa é quando o pesquisador levanta temas contra a ordem dominante, faz estudo crítico ao setor financeiro e muitas vezes é confundido com doutrinação. Acho a crítica injusta, pois é trabalho relevante para entender o mundo real. Pode incomodar a ordem vigente, mas não é doutrinação. 

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