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Rio de Janeiro detecta até 12 mil alunos com 'supertalentos'

Estudantes do ensino fundamental da rede pública apresentam altas habilidades e vão para 400 salas de recursos específicos

Por Clarissa Thomé
Atualização:

RIO - Bruna, de 12 anos, toca violão, piano, “um pouco” de violino. Também desenha mangás. João, de 9, filho de doméstica e pizzaiolo, aprendeu a ler sozinho aos 4 anos. Francisco tinha 5 quando decifrou a primeira partitura para violino. Eles são alunos do ensino fundamental da rede pública. Foram identificados como detentores de altas habilidades pelo programa da Secretaria de Educação da Prefeitura de Rio que busca estudantes com supertalentos. Em 2014, ao menos 12 mil chamaram a atenção de professores.

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“Esses alunos com altas habilidades aprendem na primeira aula o que os colegas vão precisar de duas, três semanas para compreender. Eles se entediam facilmente. Nós precisamos estimulá-los”, diz a professora de recursos motivacionais Claudia Feijó, que duas vezes por semana dá aulas para Bruna, João, Francisco e outros 14 no contraturno do ensino regular. Eles frequentam a Sala de Recursos da Escola Municipal José de Alencar, em Laranjeiras, na zona sul. São 400 salas assim na rede.

Ali discutem arte, participam de jogos, se envolvem em atividades que complementem o currículo regular. No dia em que o Estado visitou a escola, a turma de Claudia participava de experimento científico conduzido pelo neurocientista da Universidade Federal do Rio (UFRJ) José Otávio Pompeu e Silva, pai de Guilherme, de 14, um dos alunos da sala.

A identificação de alunos superdotados já era feita na rede, com apoio do Instituto Municipal Helena Antipoff, que trata da educação inclusiva Foto: Estadão

Quando a família se mudou de São Paulo para o Rio, o menino ganhou bolsa em uma das escolas mais conceituadas da cidade, a São Vicente de Paulo. Guilherme não se adaptou. “Era tudo certinho demais. Não tinha espaço para a criatividade”, diz Guilherme. Pompeu e Silva decidiu tirar o filho da escola particular e matriculá-lo em uma municipal. “Nunca me arrependi. Ele tem experiências aqui que não teria em nenhuma outra escola particular.” Para compensar o ensino defasado, Guilherme faz curso aos sábados, das 8 às 18 horas.

Capacitação. A identificação de alunos superdotados já era feita na rede, com apoio do Instituto Municipal Helena Antipoff, que trata da educação inclusiva. No ano passado, 200 professores foram capacitados para identificar os supertalentos pela professora Cristina Delou, da Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em altas habilidades.

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“A gente tem a tendência de achar que o superdotado é o aluno brilhante, acadêmico. Mas as altas habilidades podem se expressar de várias formas. No talento para música, artes, escrita, esportes. Temos três ginásios olímpicos para onde vão alunos com disposição para esportes ou interesse na área esportiva. Podem trabalhar com nutrição, serem jornalistas esportivos”, explica a secretária municipal de Educação, Helena Bomeny.

Entre os alunos identificados pelos professores, 330 foram selecionados pelos institutos especializados Lecca, Ismart e Rogério Steinberg, conveniados com a secretaria. O Lecca, por exemplo, prepara alunos dos 3.º e 4.º anos para as provas de colégios federais, como o Pedro II.

O Ismart, mantido por doadores privados, lida com estudantes dos últimos anos do fundamental. Depois do preparatório de dois anos, os alunos ganham bolsas para cursar o ensino médio em instituições como Colégio São Bento, PH e Pensi. “Não pagamos apenas o valor da mensalidade, mas todo o material, uniforme, lanche e almoço, garantimos ajuda de custo para o aluno se manter na escola”, diz a gerente de projetos Inês França. Nova seleção ocorrerá em 11 de abril.

Ela conta que os estudantes da rede são muito inteligentes, mas chegam ao instituto com defasagem de conteúdo e dificuldade de organização. “Eles precisam aprender a estudar, fazer planejamento, ter rotina.” Sessenta alunos acompanhados pelo Ismart concluíram a faculdade. “Não existe compromisso de que devolvam o investimento feito. Queremos que sejam exemplos multiplicadores, que inspirem os mais jovens.”

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'Não mostro o que sei. Para não ficar como o diferente'

A discrepância entre o desempenho de uma criança e dos colegas da mesma faixa etária é o primeiro sinal de que se está diante de um aluno com altas habilidades ou superdotado, explica a psicóloga Cristina Delou. Foi assim que uma diretora notou João Gabriel Nascimento, de 9 anos, ainda no jardim de infância. Ele lia desde os 3, fazia contas, era líder entre os colegas. “Ela foi falar com meus pais. De primeiro momento, na visão deles era impossível eu ser superdotado. Nem sei como eu desenvolvi essas habilidades tão novo. Provavelmente porque eu tenha dominado 100% do meu cérebro”, diz.

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Já Guilherme Pompeu e Silva é tímido. Diz que não gosta da escola formal. “Acho que é meio chato. Devia ter mais interligação entre as matérias. Você tem outras formas de aprender.” Gosta de Matemática, mas se engana quem pensa que ele só tira 10. “Não mostro tudo o que eu sei, que sou superdotado. Para não ficar como o diferente.”

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