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Questões comportamentais e sociais fazem busca por Psicologia crescer 25%

Aumento dos ingressantes na área supera o de carreiras tradicionais, como Direito, Engenharia, Administração e Pedagogia. Especialistas destacam, entre outros pontos, a entrada da temática de saúde mental e relações humanas no ensino médio

Por Isabela Palhares
Atualização:

Lucas Kuniton, de 21 anos, já prestou vestibular para Medicina e Direito, mas neste ano vai tentar entrar no que sempre quis: Psicologia. Como ele, muitos jovens têm trocado as carreiras mais tradicionais para estudar o comportamento humano. Nos últimos anos, o curso atraiu, proporcionalmente, mais ingressantes do que outras graduações por questões comportamentais e sociais.

As amigas Maria Fernanda Marolla (esq.) e Maria Fernanda Oliveira, do Colégio Santa Maria, onde o curso de Psicologia é o mais procurado pelos alunos do 3º ano do ensino médio Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

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Dados do Censo da Educação Superior mostram que, entre 2012 e 2016, o número de ingressantes em Psicologia cresceu 25,8% no Brasil. O aumento é superior ao de cursos como Direito (que avançou 14,5%), Engenharia (1,2%), Pedagogia (19,7%) e Administração (que teve queda de 17,2%) no mesmo período. Medicina teve um crescimento de 51,3%, mas a guinada foi impulsionada pelo programa Mais Médicos, que incentivou a abertura de novas escolas para tentar diminuir a carência de médicos em algumas regiões do País.

Para especialistas de entidades que representam o setor, o aumento na procura dos jovens pelo curso é um reflexo do momento conturbado vivido pelo País, com problemas políticos, econômicos e sociais. Eles também dizem que a mudança de abordagem em algumas escolas, com maior abertura para debater questões comportamentais e emocionais, pode contribuir para despertar o interesse.

No Colégio Santa Maria, na zona sul da capital paulista, pela primeira vez o curso com maior procura pelos alunos do 3.º ano do ensino médio é a Psicologia. Dos 129 estudantes, 29 disseram que desejam ser psicólogos. Em outros anos, o foco maior era Engenharia, Medicina e Direito. O diretor Silvio Freire diz que o interesse pode ter surgido pelo maior contato dos jovens com assuntos da saúde mental e comportamental.

“A escola deixou de ter uma visão de ser uma mera reprodutora de conhecimento. Outras questões são abordadas e tratadas com a mesma importância, como a sua relação com o outro. Trabalhar esses aspectos pode ter despertado o interesse”, diz. 

Foi depois de assistir a um documentário sobre bullying na aula de Língua Portuguesa que Maria Fernanda Marolla, de 16 anos, decidiu pela carreira. “O documentário questionava alguns comportamentos que vemos como naturais. Fiquei apaixonada pela forma como era feita essa análise, como isso molda quem somos e nos relacionamos”, conta.

“Estudar sobre como a mente funciona, como nossos comportamentos e relacionamento são moldados, é muito atraente”, completa a colega Maria Fernanda Oliveira. 

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Fatores

João Coin, diretor da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (Abep), diz que a entrada da temática de saúde mental e relações humanas no ensino médio explica em parte a opção. Ele ainda destaca um maior entendimento da sociedade sobre a necessidade do “autocuidado”. “Muita gente procura o curso porque quer cuidar das próprias questões, vê que é uma área em que o sujeito pode se conhecer melhor.”

Foi depois de começar a fazer terapia e conversar com o psicólogo sobre a carreira que Kuniton passou a se interessar pelo curso. “Sempre me interessei por entender melhor a mente humana, conhecer as pessoas e saber como nós funcionamos. Quero estudar mais sobre isso para ajudar outras pessoas a se conhecerem melhor”, diz o aluno, que faz cursinho no Poliedro.

Apesar do interesse, Kuniton diz ter encontrado resistência dos pais que o aconselhavam a buscar outra profissão. Segundo ele, a remuneração, as oportunidades de trabalho e as dificuldades da carreira eram alguns dos argumentos contra a Psicologia. “Como eu estava inseguro, acabei optando pelas áreas mais tradicionais, que são mais prestigiadas. Mas percebi que não seria feliz se pensasse só no dinheiro ou no mercado de trabalho. Tenho que fazer o que gosto e fazer bem”, diz.

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Para Coin, a escolha por uma graduação pelo benefício pessoal antes do profissional é também uma característica de parte dessa geração de adolescentes, que busca primeiro satisfação no trabalho ao reconhecimento social ou financeiro. “Muitos jovens pensam no trabalho como algo que prioritariamente traga satisfação. Não que eles sejam mais idealistas do que os pais, mas eles não querem que o emprego seja uma fonte de sofrimento e, sim, de prazer, conhecimento”.

Maria Fernanda Oliveira, de 16 anos, também quer cursar Psicologia, mas antes chegou a pensar em fazer Arquitetura. A decisão, segundo ela, foi tomada quando ponderou qual área seria mais satisfatória para estudar. “Estudar sobre como a mente funciona, como nossos comportamentos e relacionamento são moldados é muito atraente. Vi que era o que mais me interessava conhecer”, diz.

Em outro colégio paulistano, o Pio XII, também na zona sul, em dois anos a procura pelo curso cresceu 30%. Dos 200 alunos que estão no ensino médio, 30 querem a área – atrás apenas de Medicina (com 35) e Engenharias (38). 

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Segundo a coordenadora Viviane Direito, a temática não apenas passou a ser mais abordada em sala de aula, como também é reconhecida como importante para o desenvolvimento do aluno. “Com todas as situações que vivemos hoje, é fundamental que as pessoas saibam se relacionar, sejam mais resilientes, assertivas, criativas. Para isso, é preciso falar sobre o comportamento humano. Assuntos que antes eram tabu em sala, hoje fazem parte da aula”.

Deisy das Graças de Souza, diretora da Associação Brasileira de Psicologia (ABP), diz que a busca pelo autoconhecimento é intensificada em momentos em que há uma “sensação de medo” na geração. “O jovem tem medo e, por isso, está pedindo ajuda. Seja pedindo para falar sobre o assunto ou buscando respostas com o estudo”, diz.

Mercado

A tendência também se reflete nos vestibulares. Na Fuvest, por exemplo, o curso teve a terceira maior relação candidato/vaga no ano passado, 61,10, atrás apenas de Medicina e Audiovisual. Em 2012, eram 31,4 por vaga.

Nas particulares, observa-se efeito semelhante – no Mackenzie, a procura avançou 35,4% em cinco anos. Segundo a direção da faculdade, o aumento está relacionado há “valorização crescente” da profissão e da compreensão de que esse profissional pode atuar em várias áreas, não apenas em atendimento clínico.

Para as entidades do setor, no entanto, o aumento da procura exige cautela já que estimula a abertura de muitos cursos na rede privada sem uma avaliação da qualidade do ensino. O assunto está em debate no Congresso. Dados do Censo da Educação Superior mostram que o número de instituições que oferecem o curso de Psicologia na rede particular cresceu 32% entre 2012 e 2016, passando de 419 para 531 cursos. Nas universidades públicas, o crescimento no mesmo período foi de apenas 4%.

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