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Programação é o inglês do século XXI

Aprendizado permite que crianças e adolescentes manipulem computadores e celulares não apenas como usuários, mas como criadores de conteúdo

Por Ocimara Balmant
Atualização:
Aula de " oficina maker" no colégio LourençoCastanho Foto: TIAGO QUEIROZ

Programação é o inglês do século 21. A comparação, simples e direta, mostra a importância deste “empoderamento tecnológico”, como já é conhecido esse aprendizado que permite com que crianças e adolescentes manipulem computadores e celulares não apenas como usuários, mas como criadores de conteúdo. E tudo isso não tem qualquer relação com a ideia de criar gênios da computação. Ensinar a linguagem de programação para as crianças, segundo os especialistas, ajuda a desenvolver o raciocínio lógico que terá impacto no aprendizado de outras disciplinas, estimula o trabalho em equipe e a aguça a criatividade. Em médio prazo, a iniciativa também pode colaborar para diminuir os índices de evasão nos cursos superiores, considerados difíceis pelo fato de muitos alunos não terem tido um aprendizado antecipado de conceitos computacionais. “No início, muitos pensam só em jogar, mas com o tempo passa a germinar a alma empreendedora e muitos querem inventar os próprios jogos, outros começam a vislumbrar a criação de dispositivos eletrônicos inovadores que possam contribuir positivamente no futuro com a sociedade”, diz Rodrigo Lemonica Rosa, professor da área de tecnologia da Escola Lourenço Castanho, na zona sul de São Paulo. Por lá, as aulas de programação começam para alunos a partir dos 9 anos de idade, com o uso de metodologias como o PBL (Aprendizado Baseado em Problemas, na sigla em inglês) e o STEM, acrônimo (na mesma língua estrangeira) para ciências, tecnologia, engenharia e matemática, que visa a criar soluções para os problemas do cotidiano. O colégio conta com recursos como um laboratório com ferramentas manuais e impressora 3D para que os alunos, além de programar, possam criar protótipos dos seus projetos. “Durante a crise hídrica de 2015, os alunos criaram e implementaram uma cisterna funcional na escola”, exemplifica o educador. Pode até parecer algo complicado demais, mas os professores garantem que o conhecimento é assimilado naturalmente por esses estudantes, que são “nativos digitais”. “Essa geração nasceu após o open-source, depois da web 2.0, na era do touch-screen e dos gerenciadores de conteúdo. É uma geração de produtores de conteúdos”, afirma Juliana Caetano, uma das docentes responsáveis pela área de Tecnologia Educacional na escola Stance Dual, na zona central de São Paulo.

Pela igualdade. O desafio está em ampliar a oferta, principalmente de forma a abranger também os estudantes das escolas públicas, onde a precariedade de infraestrutura é o grande limitador para que se implemente o ensino de programação. Para se ter uma ideia da situação atual, apesar do prazo para universalização do Programa Banda Larga nas Escolas ter se encerrado em 2010, mais de 30% das escolas públicas de ensino básico não têm sequer conexão à internet. Para a educadora Nara Martini Bigolin, especialista no tema, esses números reforçam a “falta de vontade política” de promover a alfabetização computacional em grande escala no País. “Se houvesse vontade política, o maior desafio seria treinar e formar professores. Mas não acredito que haverá mudanças exatamente porque existe um interesse que a situação continue assim”, argumenta a pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesse cenário, os exemplos de trabalho na área de programação nas escolas públicas brasileiras ainda são pontuais e, muitas vezes, estão atrelados à iniciativa pessoal de um professor. No Rio de Janeiro, a Escola Municipal Celestino da Silva, localizada no bairro da Lapa, ganhou a Tech Aula, disciplina optativa criada pelo professor Thiago Fortunato. “No começo, eu mesmo tive de investir em equipamentos para as aulas. Depois melhorou, quando a escola ganhou notebooks na Olimpíada”, conta ele. “Além disso, precisei lidar com certa sensação de incapacidade dos alunos, que mostravam interesse, mas por causa da defasagem no Inglês e na Matemática, não acreditavam que conseguiriam”. O resultado do empenho? Os estudantes queriam aprender robótica, Fortunato foi atrás de conteúdo sobre o tema e ajudou os estudantes a criarem um robô que se movimenta e indica a temperatura e umidade relativa do ar por meio da programação. De quebra, melhoraram muito em Matemática.

ONG usa tecnologia para empoderar estudantes Foto: Recode
Presente em nove Estados, ONG usa a tecnologia paar empoderar estudantes Foto: Recode

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Com treinamento. O professor recebeu capacitação da ONG Recode, com 22 anos de história e presente em sete países e nove Estados brasileiros. A organização tem treinamento para os professores se sensibilizem e entendam a importância da tecnologia em sala de aula. “O mundo ao redor do aluno está mudando e não faz sentido permanecer no modelo tradicional”, diz Beatriz Teixeira, coordenadora de Educação e Tecnologia na ONG. Beatriz defende ainda que o ensino de programação nas escolas promove a quebra de paradigmas, como a questão do sistema de avaliações. “A programação desenvolve a resiliência, pois errar faz parte do processo de programar. O aluno muitas vezes não está acostumado a aceitar a falha, pois temos um sistema educacional que cobra o tempo todo o acertar, o ganhar boas notas.”

No mundo. Enquanto o Brasil engatinha no assunto, o ensino de programação já é parte do conteúdo curricular obrigatório em alguns países desenvolvidos. Desde 2013, está previsto para alunos a partir dos 10 anos no Reino Unido. Em 2013, a Austrália definiu que os princípios da programação deveriam ser ensinados a crianças a partir de 10 anos. A Alemanha pretende tornar obrigatório o ensino de linguagem de programação nas escolas para alunos de todas as idades. Nos Estados Unidos, Chicago definiu um plano para implementar a linguagem de programação com previsão de abarcar todas as crianças até 2018. Tais iniciativas têm o apoio de gigantes da tecnologia como Facebook, Apple, Google e Microsoft. Juntas, elas financiam a organização Code.org. Existente desde 2012, a ideia é influenciar a adoção do ensino da programação nas escolas públicas pelo mundo. Uma de suas estratégias de maior impacto é o projeto Hora do Código – aulas gratuitas na internet, que já foram seguidas por mais de 100 milhões de estudantes no mundo e é promovida no Brasil pelas fundações Lemann e Telefônica Vivo. Entretanto, algumas ações das gigantes da tecnologia também geram polêmicas. Em junho de 2017, em Portugal, a Associação Nacional de Professores de Informática criticou um projeto desenhado pela Alphabet, empresa dona da Google, e aprovado pelo Ministério da Educação do país de formar cinco mil crianças e 500 professores. A associação local argumentou que já vinha desenvolvendo outro projeto que teria sido abortado para dar lugar a iniciativa da Google que atuaria de forma de impor o uso de uma ferramenta definida pela marca em vez de abarcar outras áreas do pensamento computacional.

Fora do colégio. Além das iniciativas nas escolas, há organizações e entidades que atuam na difusão do ensino da programação para crianças e adolescentes. Em São Paulo, a escola Supergeeks dedica-se exclusivamente a ensinar adolescentes e crianças a partir de cinco anos a criar seus próprios games, aplicativos, robôs e sistemas. Foi idealizada pelo casal Marco Giroto e Vanessa Ban em 2012 enquanto viviam no Vale do Silício, na Califórnia e já conta com dezenas de filiais espalhadas pelo Brasil. A Recode, além da formação de professores, oferece cursos gratuitos, que utilizam a tecnologia exatamente para promover o empoderamento e desenvolver nos jovens as competências do século 21. O conteúdo da Hora do Código é aberto e gratuito e já conta com a participação de 3,5 milhões de estudantes no Brasil. Um público que cresce exponencialmente e que, de forma lúdica, prepara-se para o futuro. No ano passado, um estudo do Boston Consulting Group apresentado no Fórum Econômico Mundial mostrou que saber programar será uma das habilidades fundamentais do cidadão. E vale dizer: quem se apaixonar pelo assunto e quiser virar profissional do ramo tem um mercado de trabalho promissor. Apenas no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), há 50 mil vagas. Imagine no mundo inteiro. Afinal, como dito lá no início, a programação é mesmo o inglês do século 21.

SOFTWARES PARA APRENDER A PROGRAMAR

SCRATCH É um dos programas de ensino de programação mais usados no mundo. Por meio de uma estrutura de blocos lógicos e itens de som e imagem, o aluno cria histórias, jogos e animações. Permite que usuários interajam, avaliando e reestruturando projetos de outros. Oferece a personalização com a incorporação de imagens e sons externos e a possibilidade de desenhar e gravar sons na ferramenta. É um projeto do grupo Lifelong Kindergarten no Media Lab do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusets). Informações: scratch.mit.edu

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BLOCKLY GAMES Esses jogos educacionais desenvolvidos pela Google apresentam de forma progressiva os fundamentos da programação e da ciência da computação, com introduções para equações, estruturas condicionais e de repetição. As atividades podem ser feitas por quem é autodidata. Os jogos se integram a outras plataformas mais avançadas, que permitem escrever aplicativos para celulares, programar robôs e se aprofundar em linguagens de programação como JavaScript e Python. Informações: blockly-games.appspot.com

STENCYL É uma plataforma para criação de jogos 2D para computadores e celulares. Assim como o software Scratch, baseia-se em uma estrutura de blocos que combinados definem a operação do jogo. Na montagem, o usuário escolhe o funcionamento dos personagens, cenários e sons. Alunos em estágio mais avançado de aprendizado podem criar e compartilhar seus próprios blocos e até botar suas criações à venda para usuários de modelos de celulares com os sistemas operacionais iOS e Android. Informações: stencyl.com

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