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'Precisamos lutar para ampliar o teto salarial', defende novo reitor da Unesp

Em entrevista ao 'Estado', Sandro Roberto Valentini fala sobre crise econômica na universidade, expansão e políticas de inclusão

Por Isabela Palhares
Atualização:
Valentini defende novo teto salarial para os professores das universidades estaduais Foto: Divulgação

Sandro Roberto Valentini foi escolhido nesta terça-feira, 29, o novo reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Ele assume o cargo em 16 de janeiro, quando o atual reitor, Julio Cezar Durigan, deixa o posto. O vice-reitor será Sergio Nobre.

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Ele assume o cargo em meio a uma crise na instituição, que neste ano adotou contingenciamento de R$ 32,6 milhões de programas de desenvolvimento institucional e reformas para novos cursos e tem mais de 100% dos recursos que recebe do Estado comprometidos com pagamento de servidores e docentes. "Somos a favor do financiamento público, mas como ocorre hoje não é estável."

Apesar da crise, Valentini disse que pretende reestruturar os cursos de graduação - que, segundo ele, não correspondem à expectativa dos estudantes - e reformular o sistema de avaliação docente da instituição e aplicá-lo em promoções. Ele também defende novo teto salarial para os professores das universidades estaduais - a proposta é de que sejam limitados para 90,25% do vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), como já é previsto nas universidades federais.

Além da reitoria da Unesp, ele também presidirá no próximo ano o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) - que inclui USP e Unicamp. Para Valentini, é preciso revisar o papel do órgão para chegar a alternativas de financiamento. "A pauta do Cruesp não pode ser apenas sazonal, só em época de dissídio. Precisamos pensar juntos em frentes para aumentar o nosso financiamento. Hoje, por exemplo, as universidades já fazem parcerias com a iniciativa privada. É uma fonte de recurso, mas que jamais darão conta da nossa folha de pagamento", disse.

Quais são suas propostas para enfrentar a crise financeira da universidade? 

Sem dúvida, se tivermos que priorizar os desafios, a recomposição do orçamento é o principal. Mas esse não é um problema só meu, precisaremos contar com a retomada do crescimento da atividade econômica, porque nós dependemos diretamente do ICMS, do restabelecimento de um diálogo construtivo com o Cruesp e também com a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e com o próprio governador. Entretanto teremos uma série de outros desafios que poderão ser implementados mesmo com a presença da crise. Acreditamos muito no aproveitamento da crise, como grande oportunidade de transformação. Um desafio muito claro é a necessidade de inovar nosso ensino, especificamente o de graduação. Hoje a Unesp tem índices crescentes de retenção e evasão, o que é extremamente preocupante principalmente em termos da legitimidade social, do nosso papel na sociedade. Teremos ações direcionadas para tornar nossos cursos de graduação muito mais atrativos, modernos, com currículos mais flexíveis, com personalização curricular. O jovem hoje é diferente, precisamos responder o porquê de a universidade insistir em continuar ensinando como aprendemos no passado. O jovem hoje não vive sem a conectividade. Temos propostas de buscar mais mobilidade virtual para os nossos alunos, tirá-los de sala de aula, colocá-los mais no centro do aprendizado. Essas mudanças serão possíveis mesmo em um momento de crise como o que a universidade está enfrentando

Estamos apostando que a crise passará. Nós buscaremos com nossos colegas das outras duas universidades uma alternativa para o modelo de financiamento, porque estamos há 30 anos com o mesmo modelo. Mas enquanto não conseguimos reconstituir nosso orçamento, nós podemos discutir essas reformas que são necessárias. Uma (mudança) que acho fundamental é a questão de que toda equipe da administração central pense um planejamento estratégico. A Unesp não pode continuar criando cursos, faculdades, institutose depois não conseguir dar vida própria para as estruturas criadas. O senhor é favorável a mudar a cota de 9,57% do ICMS recebida pelas três universidades (ou a cota específica da Unesp)? Quais são as outras possíveis fontes de financiamento? 

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Somos defensores do financiamento público. Entretanto a questão que se coloca é que o modelo de financiamento não é estável. O único pensamento que sempre aflora é o aumento da cota. O problema é que esse é um imposto muito sensível à atividade econômica e toda vez que temos uma crise, voltamos para a mesma conversa. O debate tem que acontecer no Cruesp buscando um outro modelo de financiamento, uma outra forma de fazer a vinculação de receita. Precisamos pensar em outro modelo do financiamento, ou tipo de indexador ou a desoneração da folha de pagamento dos inativos - que hoje consome 30% do nosso orçamento. A retirada da folha de pagamento dos inativos pode desafogar o orçamento das universidades?

É ilusório acreditar que essa mudança abriria o espaço orçamentário da forma como é desejado. Não é simples, mas é necessário manter a discussão constante.Não podemos só pensar nessas alternativas no momento da crise ou do dissídio. Queremos que a pauta do Cruesp não seja sazonal, precisamos pensar em alternativas, em frentes do aumento do financiamento. A universidade já faz, mas precisa regulamentar melhor suas parcerias público-privadas, que são uma grande fonte de recursos, mas jamais dariam conta da nossa folha de pagamento.O senhor já afirmou que o papel do Cruesp se perdeu ao longo do tempo, fragilizando-o. Qual o papel o senhor acha que o Cruesp deveria retomar? 

Perdeu e é um grande desafio buscar novamente esse consenso. Quando você tem um reitor - e eu não quero citar nomes ou nenhuma das instituições - em uma situação mais favorável e com condição de fazer reajuste ou promover bonificação, isso é feito, sem pensar na fragilização daquela instituição que está mais fraca do ponto de vista financeiro. Entretanto, acredito que nesse ano as reservas das três universidades estão comprometidas e talvez tenhamos espaço para pensar em conjunto. Já que no próximo ano o reitor da Unesp presidirá o Cruesp, espero muito colocar essa unidade em discussão, porque acredito que o que está em jogo é algo muito maior: é o sistema ímpar de ensino superior de qualidade e gratuito que temos no Estado de São Paulo. O senhor vai dar continuidade aos planos de expansão (aumento do número de cursos e de câmpus)? Quais foram os principais problemas da expansão feita pela universidade nos últimos anos?

Não dá para crescer desatrelado de um planejamento rigoroso. A universidade precisa resistir às demandas internas e externas de expansão mostrando com clareza o que é preciso para expandir. A discussão da expansão da Unesp é feita hoje de forma paralela, ela é esquizofrênica. Temos um colegiado que cria os cursos, câmpus, institutos, faculdades. E em paralelo um outro órgão que discute a viabilidade desses projetos. O que temos hoje é que se cria e depois não se consegue prover, dar condições de trabalho. Queremos que a discussão da criação seja casada.  Qual é sua posição sobre o recebimento de salários acima do teto (ele ganha R$ 26.689,55, mais do que o governador Geraldo Alckmin)?

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Precisamos lutar para alterar o teto. São Paulo está entre os três ou quatro Estados que não seguem o mesmo teto do sistema federal de universidades. Somos defensores dessa mudança porque o professor não ganha esse valor no início da carreira, mas passa décadas na universidade, realiza concursos públicos para atingir esse valor. Essa é uma decisão que o Estado tem que fazer, isso toca no recrutamento de profissionais. Porque hoje é muito mais atrativo para um jovem entrar num concurso numa federal do que nas estaduais. Falamos da perspectiva de valorização para uma carreira pelo mérito. Se não fizermos isso, daqui a algumas décadas vamos estar como os colegas do ensino fundamental e médio.  Quais devem ser os incrementos na área de inclusão (já que a Unesp prevê ter 50% de seus calouros vindos de escola pública até 2018)? 

A Unesp seguiu a reserva de vagas para os alunos de escola pública, proposta da qual fui e sou defensor. Mas vejo que, para avançarmos, precisamos de um apoio muito grande e que foi prometido, um apoio de recursos. Não adianta incluir sem criar a cultura de emancipação. Esse aluno precisa ser recebido pela instituição, que deve criar condições para que ele se mantenha na universidade e não tenha que abandonar o curso. Precisamos até traçar politicas de acompanhamento pedagógico para esses alunos, que muitas vezes chegam à universidade com muito despreparo. E também criar políticas de superação da vulnerabilidade economia. 

Como a universidade pretende lidar com os recentes casos de racismo e abuso sexual relatados entre membros da comunidade acadêmica?

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Vamos discutir um projeto para a nossa universidade e que depois levarei para as outras duas universidades paulistas, que é o da educação para a diversidade. Essa educação falta nas três universidades. Não podemos deixar que os jovens que recebemos continuem sofrendo dentro das instituições os preconceitos que sofreram em suas realidades locais. Queremos um projeto que discuta não só a questão racial, mas também a diversidade sexual, o gênero. Precisamos estar preparados para todas essas questões para dar o melhor ambiente de liberdade para a produção acadêmica.