Escola Politécnica da USP quer digitalizar arquivo histórico

Documentos guardam parte da história do ensino de Engenharia no País, acontecimentos da cidade e transformações científicas

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Por Paulo Saldaña
Atualização:
Três salas no prédio do Biênio da Poli, na Cidade Universitária, abrigam a maior parte do material Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

SÃO PAULO - A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) pretende digitalizar o arquivo dos seus primeiros 40 anos de história - período iniciado de sua fundação, em 1893, até a incorporação à USP, em 1934. A ideia é higienizar, digitalizar, catalogar e colocar na internet parte importante de um acervo de cerca de 2 milhões de folhas. Um conjunto de documentos que guarda parte da história do ensino de Engenharia no País, acontecimentos da cidade e transformações científicas ocorridas.

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A Poli-USP conseguiu aprovação do Ministério da Cultura para captar, por meio da Lei Rouanet, R$ 4,7 milhões para a empreitada. Hoje, três salas no prédio do Biênio da Poli, na Cidade Universitária, abrigam a maior parte do material. Outro volume de documentos está na biblioteca central da Poli, também no câmpus. As condições de armazenamento variam: parte fica em armários deslizantes, próprios para arquivamento. Mas há documentos já fragilizados, sem higienização e em embalagens inadequadas - colocando em risco a preservação do patrimônio. "Temos um tesouro que não pode ficar guardado a sete chaves", afirma o professor Jorge Cintra, docente da Poli e que participa do projeto.

O arquivo da Poli reúne registros de alunos, manuscritos de reuniões da congregação da faculdade, documentos acadêmicos, fotografias históricas. Mas também guarda arquivos de passagens históricas da cidade e do País.

Na época da Revolução Constitucionalista, em 1932, a Politécnica teve papel relevante no desenvolvimento e fabricação de armamentos. Os arquivos guardam desde notas fiscais manuscritas de compra de materiais para a confecção de granadas, os chamadas "Abacaxizinhos", a projetos detalhados de lança-chamas. Segundo Cintra, esses documentos revelam, por exemplo, um período de aproximação entre a indústria e escola. "Até a década de 1930, havia uma separação entre a indústria e escola. Com a revolução, os engenheiros entraram nas indústrias", diz. "A revolução transformou empresas em fábricas de material bélico, o que colabora com a industrialização do País".

Nas caixas arquivadas, encontram-se, por exemplo, várias pedidos de pareceres técnicos que eram levados às escolas, em uma época em que não havia infraestrutura de pesquisa no País. Alguns documentos são de Engenharia, como projetos sobre o calçamento da cidade, ou mesmo de Química, uma vez que a escola tinha laboratórios da área. Há registros, por exemplo, de parcerias entre a Poli e a Petrobrás já em 1959, seis anos após a criação da empresa estatal.

Há também registros bem curiosos. Em agosto de 1927, um ex-aluno chamado Alfredo Penna submeteu aos professores uma proposta de um dirigível sem motor. Ao lado de um desenho detalhado do equipamento, Penna defendia que o aparelho, "tal qual foi concebido, realiza praticamente as consequências do princípio de Archimedes". Em novembro daquele ano, docentes concluíram, em pareceres escritos à mão, que o projeto era inviável. Um professor chegou a ironizar que nem mesmo Julio Verne, "em imaginação", poderia pensar em algo parecido em um de seus romances. "O melhor que há a fazer é aconselhar o requerente a não insistir em dar publicidade a tais inventos", completa o professor, "para o bem da Escola e da Engenharia brasileira".

Há pastas sobre vários professores famosos da Poli, como o Anhaia Mello, Ramos de Azevedo, Ary Torres e Paula Souza. Também é possível ter acesso a processos internos, como uma ata secreta da congregação da Escola, na época da criação da USP, em que se debatia acerca de desentendimentos da unidade com recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (a atual Faculdade de Filosofia, Letras e ciências Humanas, FFLCH).

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O projeto de digitalização já foi aprovado para captar recursos e será tocado por meio da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), instituição de direito privado ligada à Poli. A expectativa do gerente de projetos da FDTE, Enio Blay, é que, após garantir os recursos, o projeto todo leve cerca de 2 anos para ser finalizado. "Planejamos digitalizar os primeiros 40 anos da Escola, mas dependendo da produtividade que tivermos, podemos ir além", diz ele.

Além de um site para pesquisa, o projeto também prevê a publicação de um livro com os documentos mais importantes do acervo.