Pedagogia Waldorf segue na contramão

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Por Carlos Lordelo
Atualização:

Opção. Carolina defende método de ensino antroposófico

 

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Carolina Peron, de 18 anos, fala com entusiasmo sobre o Colégio Waldorf Micael de São Paulo, onde estuda desde o 5º ano. "Aqui é lugar de gente feliz, onde nos sentimos protegidos", contou, pouco antes de começar o ensaio da peça Campeões do Mundo, de Dias Gomes, que seria encenada pelos alunos do 12º ano dali a três dias. 12º ano? Sim, o Micael trabalha com o ensino fundamental de nove anos muito antes da promulgação da lei 11.274, de 2006.

 

A diferença em relação a outras escolas - cujos estudantes estão no 3º ano do ensino médio - é também conceitual. O Micael, que segue os preceitos da pedagogia Waldorf, vê o aluno como ser humano em formação. Por isso, não separa os últimos três anos em um novo ciclo, mas os considera a continuidade de um processo já iniciado.

 

Nesse caminho, os alunos têm uma série de atividades extracurriculares. Mesmo no 12º ano, os estudantes continuam a frequentar aulas de música, artes e euritmia (dança baseada nos conceitos da filosofia de ensino desenvolvida pelo alemão Rudolf Steiner, a antroposofia). "Acho o currículo perfeito, faz toda a diferença ter esse ‘respiro’ entre as aulas", conta Carolina.

 

E o grande projeto da turma foi a apresentação da peça de Dias Gomes, que não se resumiu apenas à encenação - foram os próprios alunos que, entre outras coisas, montaram parte da estrutura do palco, confeccionaram os figurinos e fizeram a divulgação, com o acompanhamento de um diretor de teatro profissional. Campeões do Mundo ficou em cartaz durante quatro noites, no próprio colégio.

 

Ainda assim, todo o conteúdo do vestibular é coberto pelo Micael e os professores têm liberdade para definir a metodologia e a sequência dos assuntos. O colégio não adota material didático: os alunos são responsáveis por fazer seus próprios cadernos e usam apostilas criadas para cada aula específica. Sobre isso, Carolina diz: "seria legal ter livros para alunos Waldorf, uma mudança pequena e prática".

 

Ela já pensou em sair do Micael, quando estava no 9º ano. "Estava meio cansada da antroposofia, queria conhecer pessoas novas e tinha outras expectativas em relação ao ensino médio", conta. Foi convencida a ficar pelos pais, e não se arrepende. "Hoje, vejo que foi só uma fase de mudanças. Estudo com os mesmos colegas desde quando entrei e os professores daqui tentam identificar suas habilidades e aprofundá-las."

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Por falar em habilidades, Carolina quer fazer vestibular para Relações Internacionais - ela é fluente em inglês e espanhol e "entende" alemão - e também pensa em estudar culinária - seu pai diz que ela cozinha muito bem, e sua mãe é dona de restaurante. Antes, porém, pretende passar uma temporada viajando pela Europa, onde morou por quatro anos antes de voltar para o Brasil e se matricular no Micael. "Não estou aflita com a proximidade do vestibular. Se eu não passar, não vai ser o fim do mundo, como pensam os alunos de outras escolas."

 

Nesses sete anos de colégio com pedagogia Waldorf, ela já ouviu comentários de que "tem um bando de hippies no Micael", por exemplo. E como Carolina reage? "Eu mesma não entendia muito bem a antroposofia, mas hoje em dia eu a defendo e não me sinto parte de uma minoria. Sinto-me privilegiada."

 

FALA, PAI!

Marcelo Peron Pereira, de 48 anos, consultor de meio ambiente

 

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"Moramos fora do País por um período e a Carol foi alfabetizada em inglês. Quando voltamos para o Brasil, ela estava com 12 anos e nós a matriculamos num colégio perto de nossa casa, no Butantã, zona oeste. Mas ela sentia uma dificuldade danada com o português, principalmente com o enunciado de questões de matemática, que ela não conseguia entender.

 

Alguns meses depois, decidimos mudá-la para o Micael, por recomendação de minha cunhada. Ela é pedagoga e conhece a metodologia Waldorf. Fizemos uma visita à escola e ficamos encantados. Tanto que depois também matriculamos as duas irmãs mais novas da Carol.

 

O que mais pesou na nossa decisão foi a percepção de uma certa tolerância e tranquilidade do colégio para lidar com essa dificuldade com o idioma que a Carol tinha. É uma coisa que não existe em outras escolas, que muitas vezes acabam estressando a criança para que ela se adeque à média dos outros alunos.

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A educação infantil numa escola Waldorf é interessante. Primeiro porque é um ambiente muito legal, do ponto de vista físico, e também pelo modo como os professores se relacionam com as crianças. Elas não são separadas por idade, por exemplo: minha filha mais nova estudou na mesma sala que uma menina três anos mais nova.

 

Além disso, não há uma preocupação de alfabetizar as crianças rapidamente - claro que com a Carol foi diferente. Mas com as minhas outras filhas o processo aconteceu sem cobranças ou dificuldade. Fora que os alunos Waldorf têm um estudo importante de música e brincam de maneira intensiva.

 

Outra coisa que gostei muito, desde o início, é do fato de o Micael ser um ambiente de inclusão. Por estar inserido numa comunidade pobre, ele desenvolve uma série de ações junto aos moradores da região, dentre as quais a concessão de bolsas de estudos para crianças dos arredores.

 

O mais lógico é o aluno estudar de cabo a rabo numa escola Waldorf - do ensino infantil ao médio. Mas isso não é uma regra, claro. O importante, antes de matricular um filho numa escola que segue essa pedagogia, é entender os valores da escola.

 

Você precisa acreditar que é razoável a ideia de seu filho não precisar sair direto da escola para a faculdade, porque o Micael mantém uma relação não convencional com o vestibular. E inclusive se preparar financeiramente para isso - geralmente o aluno faz cursinho durante ou depois do 3º ano do ensino médio. Por causa disso, acaba acontecendo de muitos pais se desesperarem no meio do caminho.

 

Eu já estava preparado mentalmente para esse "valor" do Micael, com o qual eu concordo, mas acredito que o projeto pedagógico da escola tem de levar em conta que os alunos vão participar de um processo seletivo se quiserem fazer faculdade. Falta uma "calibragem" melhor no ensino médio para que se leve isso em consideração. O bom é que o Micael é um colégio novo e está em contínuo desenvolvimento."

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