Oitenta anos da USP: orgulho do Brasil

'A maior conspiração contra o Conhecimento está sobretudo no abandono da educação de base'

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Por Cristovam Buarque
Atualização:

A USP é uma das raras histórias de sucesso do Brasil. Só isto seria suficiente para comemorarmos seus 80 anos. Este sucesso merece ser ainda mais comemorado quando percebemos que ela sobreviveu e cresceu, em quantidade e qualidade, no meio da Conspiração Nacional contra o Conhecimento. Por causa da conspiração brasileira contra o Conhecimento, nossa primeira universidade, do Rio de Janeiro, ainda não tem um século, foi criada em 1922 (sem considerar as experiências não consolidadas de universidade no Amazonas e no Paraná). O simples fato de comemorarmos décadas e não séculos. O Brasil evitou ao máximo ter universidades, a USP é produto de heroísmo de alguns brasileiros.

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A maior conspiração contra o Conhecimento está sobretudo no abandono da educação de base. A USP é uma história de sucesso, especialmente quando consideramos que na sua fundação o Brasil tinha 80% de sua população analfabeta e oitenta anos depois, ainda temos mais de 10%; apenas 40% de nossos jovens terminam o Ensino Médio e destes não mais da metade recebem uma educação que lhes permita fazer um curso superior de qualidade. Imagine o que teria feito a USP, se desde a sua fundação contasse com a possibilidade de escolher seus alunos entre todos os cérebros da população brasileira, todos com boa formação de base.

A conspiração brasileira contra o Conhecimento se mostra com clareza na maneira como são tratados nossos professores. Em muitos países, os professores formam a mais respeitada de todas as categorias profissionais, enquanto no Brasil, o professor é relegado nos salários e no respeito.

A repulsa que se percebe dentro das universidades contra o setor produtivo e o desprezo deste setor para com a universidade, conspiram contra fazer do Brasil um celeiro de Conhecimento. Parece que nos contentamos em sermos celeiro de ferro, alimentos e jogadores de futebol, não de ciência, tecnologia, ideias, conhecimento, inovações. Nossos alunos e professores veem com desconfiança o envolvimento de empresários na universidade e os empresários são viciados na compra fácil de tecnologias externas, nunca no financiamento de pesquisas dentro das nossas universidades. Há universidades que recusariam apoio de raros empresários que se dispusessem a financiar bibliotecas e laboratórios; e se isso acontecesse, a Receita Federal exigiria ficar com parte do valor.

A instabilidade política e social conspira permanentemente contra a qualidade de nossas universidades. É difícil desenvolver trabalhos quando o cientista não sabe quanto vai dispor de recursos nos anos seguintes, ou se tiver que desviar parte de seus esforços acadêmicos para buscar financiamentos incertos. Ainda pior, não há como ser um importante centro universitário se a comunidade paralisa seus trabalhos por greves. Ou se os órgãos públicos mudam suas regras conforme o gosto de novo partido no poder dos ministérios.

Há uma conspiração contra o Conhecimento quando a universidade não utiliza sistemas consequentes de avaliação. A estabilidade absoluta de cada professor desde seu primeiro dia de trabalho até sua aposentadoria, independente de sua criação ao longo deste período, é um freio contra a qualidade de qualquer instituição. Há cinquenta anos, quando se conseguiu abolir a cátedra vitalícia, a intenção dos alunos e professores era criar uma dinâmica favorável à criatividade dentro das universidades. As recentes conquistas corporativas, priorizando interesse de cada membro da comunidade e não do conjunto e seu produto, conspira contra a instituição.

Neste quadro nacional de uma cultura que conspira contra o Conhecimento, é surpreendente o que a USP conseguiu fazer, daí o orgulho que ela nos passa.

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O Brasil está de parabéns pela USP. Para retribuir o que ela nos deu nestes seus 80 anos, nada melhor do que o compromisso de que, em 2034, no seu centenário, o Brasil terá superado a Conspiração contra o Conhecimento.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF.

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