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O pastor pede pelo MEC

Não há verba na pasta para quem quer entrar na faculdade ou para quem já está nela

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Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo
Atualização:

Tragédia, destruição, fechamento de portas. Assim definiram diversos reitores a situação das universidades federais na semana que passou. E até o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, pediu ajuda – não às claras, mas em ofício ao colega Paulo Guedes, obtido pela repórter Júlia Marques, do Estadão. Avisou que os cortes de verbas inviabilizam “a realização de diversas políticas estratégicas para a melhoria da educação no País”. 

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Incrível, o próprio MEC insiste em negar oficialmente, mas o documento mostra que não há dinheiro para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste ano. A prova é a mais importante do País e esperada por cerca de 6 milhões de jovens em busca de um lugar na faculdade. 

Também não há para bolsas de pesquisa ou auxílio estudantil para quem já conseguiu um lugar no ensino superior. O ofício diz ainda que o “funcionamento geral” das universidades federais vai ficar comprometido se as verbas não forem desbloqueadas.

Há poucas esperanças de uma resposta animadora. O destinatário da carta, há cerca de 15 dias, insistiu em atacar de forma grotesca essas instituições e as pessoas que lá trabalham ou estudam. Em uma reunião em que defendia a educação privada, Guedes disse que as federais estão em estado “caótico”, “ensinando sexo para criança de 5 anos, com maconha, bebida, droga”. Citou ainda o educador Paulo Freire, alvo predileto quando bolsonaristas falam de ensino, aclamado no mundo por defender a educação democrática e focada no cidadão. 

Ministro da Educação, Milton Ribeiro, em entrevista ao Estadão Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Quem tem o mínimo de sensatez se pergunta o que crianças de 5 anos estariam fazendo numa universidade. Ou o que Freire tem a ver com as centenas de laboratórios que pesquisam vacinas e tratamento para a covid nas federais. E ainda qual relação teria essa bobagem dita por Guedes com os hospitais universitários, referências em suas regiões, que atendem vítimas da pandemia. 

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O MEC sofre este ano uma redução de recursos sem precedentes. O pastor Ribeiro clama a Guedes desbloqueio de R$ 2,7 bilhões e mais R$ 2,6 bilhões. O orçamento das federais, por exemplo, foi aprovado por Bolsonaro com corte de R$ 1 bilhão e houve ainda mais dois bloqueios de verbas.

Hoje, o valor livre que pode ser usado pelas 69 instituições é equivalente ao que havia em 2004. Naquela época, só existiam 51 federais.  E não há exagero, muitos espaços nas instituições podem ficar sem funcionar por falta de energia, limpeza, materiais básicos, que é para onde vai esse dinheiro. Só na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há cerca de 200 projetos de pesquisa relacionados à covid. Um deles, de uma vacina feita com o Incor, precisa de R$ 400 milhões para avançar para a fase clínica. E dinheiro para se armazenar sangue, fazer experimentos, comprar EPIs para os pesquisadores. 

Uma universidade não é só aula. O ensino de disciplinas teóricas está sendo feito online, mas isso não é desculpa para redução drástica no orçamento. Nos últimos anos, as federais dobraram de tamanho, com um investimento recorde durante os governos do PT, também criticado por Guedes e sua turma. Aumentaram em estrutura e em alunos, abrindo espaço para estudantes mais pobres, que precisam de ajuda para se manterem na graduação – casa, alimentação, materiais. Atualmente, 25% dos alunos são de famílias com renda inferior a um salário mínimo. E outros 50%, de um salário e meio. 

Depois de 2015, o dinheiro para as universidades já começou a diminuir, mas nada como se viu durante o governo Bolsonaro – que traz junto ataques ideológicos e políticos. E, pior, no ano da pandemia, quando o Brasil mais precisa de educação e ciência. Os efeitos no curto prazo são claros. No médio e longo prazos, é o desenvolvimento de um país que vai escorrendo pelo ralo. 

* É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

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