O futebol na universidade

Aspectos históricos, políticos e sociais do esporte são temas de estudo de um número cada vez maior de pesquisadores

PUBLICIDADE

Por Pedro Proença e Aline Vieira Costa
Atualização:

Na década de 1950, o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues dizia que nossos escritores e intelectuais nem sequer sabiam cobrar um lateral. Hoje, o cenário é outro. Há cada vez mais grupos de estudos nas universidades brasileiras formados por pesquisadores e alunos dedicados a analisar o futebol.

 

PUBLICIDADE

O censo mais recente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de 2010, identificou 9 grupos e 41 linhas de pesquisa em futebol registrados no Brasil. Dez anos antes, havia apenas um grupo e uma linha de pesquisa sobre o esporte.

 

O grupo de maior destaque é o Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens), que reúne pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp, Unifesp, UFSCar e PUC-SP. O embrião do grupo, criado formalmente em 2011, foi a disciplina História Social do Futebol, oferecida desde 2003 pelo Departamento de Pós-Graduação em História da USP e ministrada pelo professor Flavio de Campos. Três anos depois, em 2006, a equipe expandiu sua área de atuação na universidade, com a criação do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol (Gief), com acadêmicos dos cursos de Educação Física, História e Geografia.

 

O Ludens tem 45 participantes, desde alunos de iniciação científica a professores doutores interessados no assunto. Para Flavio, a convivência entre áreas variadas é uma vantagem: “A maioria é de historiadores, mas também há gente de Comunicação, Antropologia e educadores físicos”, diz. “O contato entre pesquisadores de diversas áreas e de outras instituições é muito proveitoso.”

 

Entre as pesquisas atuais do grupo, se destaca o projeto Brasil na Arquibancada, que envolve cerca de metade dos participantes. A pesquisa tem por objeto de estudo as torcidas dos clubes das séries B e C do Campeonato Brasileiro. “A série A, que tem mais times do Centro-Sul e um ou outro do Nordeste, não pode ser considerada um campeonato brasileiro. Os campeonatos que revelam a diversidade do nosso futebol e as diferentes maneiras de torcer são as séries B, C e D”, defende o pesquisador da USP.

 

Com isso, estudantes como Breno Macedo, de 24 anos, que está no 4.º ano de História e participa do Ludens há um ano, viajaram para Curitiba, Belém, Marabá (PA), Fortaleza, Guaratinguetá (SP), São Caetano (SP), Itápolis (SP) e Natal. Lá, eles acompanharam partidas dos times locais e entrevistaram torcedores. “É um projeto que dá gosto de fazer”, diz o estudante. “É possível identificar diferentes formas de torcer e de viver o futebol. No Norte e Nordeste, por exemplo, muitos jogos não são televisionados e ir ao estádio é a melhor maneira de ter contato com o time e reforçar essa paixão.”

 

Futebol e sociedade

Publicidade

 

Os grupos mais novos têm estudos voltados para as Ciências Humanas, abordando aspectos do futebol em política, história, cultura, antropologia e comunicação. “Nossa preocupação é com estudos sociais e políticos do futebol: temas como o regime militar e a Copa de 1970 e a relação entre Estado e futebol, na Europa e no Brasil”, diz o historiador Luiz Carlos Ribeiro, coordenador do grupo Futebol e Sociedade, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

 

Apesar da quantidade de equipes de pesquisa, o futebol ainda é visto com ressalvas por alguns acadêmicos. “Há muitos colegas que não percebem a importância sociocultural do esporte na cultura brasileira. Chegam a dizer que analisar a comunicação e o esporte não se trata de ciência”, afirma o professor José Carlos Marques, coordenador de um grupo da Unesp de Bauru que estuda a relação entre os jogos e os meios de comunicação.

 

Luiz Carlos, da UFPR, também se queixa da falta de respaldo de alguns colegas: “Persiste a visão de que o futebol não é um tema sério de pesquisa, em especial na área de história.”

 

Os pioneiros

 

PUBLICIDADE

O mais antigo dos grupos de pesquisa em futebol é o Esporte e Cultura, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fundado em 1997 pelo sociólogo e jornalista Ronaldo Helal. Segundo ele, o tema passou a ser tratado com respeito a partir de 1982, com a publicação do livro Universo do Futebol, organizado pelo antropólogo Roberto DaMatta. “Até aquele momento, os estudos eram escassos e havia tendência a se utilizar a perspectiva ‘apocalíptica’, influenciada pelo marxismo, que considerava o futebol variante do ópio do povo, poderosa força de alienação dos dominados”, escreve Helal no artigo Futebol e Comunicação: a Consolidação do Campo Acadêmico no Brasil, publicado em 2011. DaMatta recorda que seu livro não foi visto com bons olhos pela crítica acadêmica na época. “Podemos dizer que ele foi escanteado”, brinca.

 

Grupos criados nos últimos anos

 

- Unicamp: Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol (2001)- Unesp Bauru: Grupo de Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol (Gecef) (2005)- UFMG: Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcida (Gefut) (2006)- UFPE: Núcleo de Estudos e Pesquisa em Sociologia do Futebol (2006)- UFRJ: Laboratório de História do Esporte e do Lazer (2007)- UFC: História e Memória do Futebol (2008)- UFPR: Futebol e Sociedade (2008)- UFMG: Núcleo de Estudos sobre Futebol Linguagem e Artes (Fulia) (2010)

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.