'Na época de crise deve se investir em engenharia', diz especialista

Para José Roberto Cardoso, professor titular da Escola Politécnica da USP, especializações podem ajudar engenheiros a propor soluções

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Por Julia Marques
Atualização:
O profissional não pode mais se preocupar em ter uma formação em função da situação econômica Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Apesar da situação econômica do País, profissionais de engenharia com especialização não só saem na frente, como podem ajudar a propor alternativas para a recuperação. Isso é o que defende José Roberto Cardoso, professor titular da Escola Politécnica da USP."Quanto mais engenheiro você tem, mais inovação aparece, mais criatividade e, consequentemente, a economia melhora", diz. Leia a seguir trechos da entrevista ao Estado

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Como a especialização pode ajudar o engenheiro a garantir uma melhor posição no mercado?

A pós-graduação deixou de ser algo elitista e passou a ser uma obrigação de alguém que se forma em Engenharia. A graduação não é mais suficiente para dar todas as competências que o engenheiro necessita para enfrentar os desafios do mercado. De qualquer forma, independente de qual a pós, se é mais profissional ou acadêmica, o que é importante é que ele faça. Não há como deixar de encarar o desafio após a formatura. Em qualquer análise curricular, se algum engenheiro não tem a pós, seguramente ele está em desvantagem muito grande em relação àquele que já completou.

No contexto de crise, o mercado tem condições de recompensar o engenheiro que se especializou?

O profissional não pode mais se preocupar em ter uma formação em função da situação econômica. A situação econômica é passageira. Não é o problema da economia que afeta a engenharia, deveria ser o inverso. Atualmente, se a economia está ruim, o mercado para o engenheiro fica ruim e ninguém faz engenharia, escolhe outra profissão. Os países em grande desenvolvimento fizeram justamente o inverso: quando estavam com a economia ruim investiram pesadamente na formação de jovens em engenharia. Quanto mais engenheiro você tem, mais inovação aparece, mais criatividade e, consequentemente, a economia melhora. Justamente na época de crise deve se investir em engenharia. 

Formações na área de empreendedorismo e inovação são interessantes nesse momento?

Esse é o foco principal. No passado, os engenheiros procuravam pós na área de administração. Agora não é mais assim. O engenheiro se forma, tem uma formação, na maioria das escolas, clássica, e na pós ele tem que procurar de fato algo que toque na inovação, no empreendedorismo, na criatividade, na liderança. A Administração deixou de ser de fato aquele caminho que a maioria dos engenheiros procurava. Inovação e empreendedorismo vão crescer ainda mais.

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Conhecimentos na área de tecnologia são importantes?

Alguns requisitos que são exigidos para realização do projeto o engenheiro tem facilidade de adquirir. Um deles é justamente conhecimentos de TI (Tecnologia da Informação). Todos os engenheiros precisam ter uma formação profunda de TI. Não é só saber mexer com Excel e Word. A parte de banco de dados é fundamental, Big Data, que está avançando sensivelmente, e, agora, a internet das coisas. Esse é um dos grandes desafios que o engenheiro vai enfrentar.

Como o sr. vê a questão de especializações na área de infraestrutura? É uma área em alta?

Transporte é a grande deficiência do nosso País. Isso decorre do fato de que não existem ou são poucos os cursos de Engenharia de Transportes. Então é necessário uma pós-graduação nessa área. Esse leque abriu tanto que a mobilidade agora é tudo. Um corredor de ônibus atualmente é muito automatizado. 

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O sr. poderia elencar áreas que estão em alta no momento?

No que se refere a cursos de especialização, temos um crescimento muito grande da área de energia. Com energias alternativas, há uma procura muito grande nessa área. Há uma procura grande também na área de mobilidade e a parte de TI, relativa a Big Data e a internet das coisas. Esse leque absorve a maior parte dos engenheiros que estão fazendo uma especialização. E não posso deixar de colocar a parte de inovação e empreendedorismo que ainda é o grande atrativo.

Observamos o crescimento grande de cursos de pós na área ambiental. Isso ainda é uma tendência ou esse conhecimento já está sendo incorporado na graduação?

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É exatamente o que está acontecendo. Os cursos agora absorveram as questões ambientais, de modo que cursos de especialização em Engenharia Ambiental são poucos. Acho que não há como deixar de se preocupar na questão ambiental qualquer que seja a profissão. Sempre essa questão é tocada. No entanto, existem questões muito especializadas da engenharia ambiental que ainda têm apelo grande, como a questão de tratamento de resíduos sólidos, que é um problema ainda não resolvido no âmbito das cidades. Existe um mercado razoável nessa área.

Tem áreas da engenharia em baixa hoje?

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A área da Engenharia Elétrica. Na década de 70 havia uma procura muito grande e isso agora não ocorre. Os cursos de telecomunicações agora são poucos, estão com procura baixíssima porque as telecomunicações mudaram muito. Houve, por outro lado, um avanço muito grande da Engenharia de Minas, de Petróleo. A Civil, a Mecânica e a Química estão muito bem solidificadas, continuam muito procuradas. O núcleo duro da Engenharia, onde a procura é grande, se concentra nessas áreas.

Especificamente sobre a Engenharia Civil, como esse profissional pode se diferenciar?

Ele tem que ser empreendedor. Os engenheiros no Brasil são formados para procurar um emprego. Não se formam engenheiros para ele criar seu emprego. Temos que formar um engenheiro empreendedor, inovador, para que ele saia da escola e fale: "que empresa vou abrir? Que negócio vou fazer?" E mesmo estando dentro da empresa, que ele seja alguém criativo, inovador, que force a empresa a sair do dia a dia e pensar coisas novas. O engenheiro civil que não tem o perfil de mobilidade dentro da profissão se isola. 

Quais os cuidados o engenheiro deve ter ao buscar uma especialização?

Ele tem de buscar um curso de especialização que dê a ele habilidades que o mercado exige e não se aprende na escola. Por exemplo, a inovação. A escola não ensina a ser inovador, empreendedor. Alguém que saiba se comunicar bem porque se não souber não consegue trabalhar. É fundamental que ele tenha uma formação boa em trabalho em equipe, que tenha formação em língua estrangeira consolidada em nível conversacional. Que tenha formação sobre cadeia de suprimentos, economia, história. São essas as competências que o mercado julga que estão faltando aos nossos engenheiros. Essas são as que ele tem de buscar em um curso de especialização. Um curso que trata só a questão tecnológica é complicado. Tem de dar para ele problemas que o estimule a praticar competências para encarar o mercado de trabalho. Existem vários engenheiros brilhantes que, quando você pede a eles para fazer uma apresentação e colocar suas ideias, não conseguem. 

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