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Mudanças no perfil de bibliotecas são tema de estudo na USP

Para pesquisadora, equipamentos precisam romper barreiras e preconceitos para ampliar público

Por Agência USP de Notícias
Atualização:

As bibliotecas dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) permitiram que a leitura alcançasse locais onde antes não chegava, mas ainda precisam romper algumas barreiras e preconceitos para ampliar seu público. Essas são as principais conclusões da pesquisa desenvolvida por Charlene Kathlen de Lemos na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Por meio de sua análise foi possível perceber ainda que ocorreu uma reconstrução social a partir das experiências de educação cidadã que os CEUs da cidade de São Paulo oferecem.

 

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A pesquisadora, bibliotecária e moradora da periferia paulistana, sempre pensou que, assim que as bibliotecas públicas fizessem parte da paisagem urbana das regiões mais extremas e pobres da cidade, os moradores dessas áreas imediatamente passariam a se apropriar desses equipamentos de forma mais ampla, visto que durante muito tempo essas regiões foram negligenciadas do acesso à biblioteca. Mas Charlene observou que a apropriação de equipamentos culturais estaria ligada a processos que vão além do simples acesso: entre tantas coisas, era preciso desenvolver um relacionamento com a comunidade. Isso a estimulou a pensar no papel da biblioteca nas periferias, a partir das experiências das bibliotecas dos CEUs da cidade.

 

A dissertação de mestrado Bibliotecas dos Centros Educacionais Unificados (CEUs): a Construção de uma Cultura Comum, orientada por Lucia Maciel Barbosa de Oliveira, analisa as relações entre a biblioteca e a cidade e entre a biblioteca e o público. Por meio das análises foi possível identificar que as bibliotecas dos CEUs em suas linhas de ação têm permitido a construção de uma biblioteca plural, no sentindo de agregar múltiplos saberes, ampliando, portanto, sua esfera de atuação. Foram acompanhadas duas bibliotecas de regiões periféricas de São Paulo.

 

Foi analisado de que forma as bibliotecas eram utilizadas em áreas de crise urbana como enchentes, desapropriações, mudanças de cenário e por pessoas que passavam intensas dificuldades nas áreas sociais e econômicas. “Em um CEU que estava localizado nas proximidades de uma favela os pais enviavam as crianças para a biblioteca para protegê-las caso houvessem desabamentos de barracos nas épocas de chuvas”, relata Charlene, apontando relações possíveis entre a biblioteca e a comunidade.

 

Os bibliotecários, por sua vez tiveram seus papéis ampliados, ou seja, a partir da realidade de sua comunidade, os profissionais se viram obrigados a pensar em atividades de ações culturais que não ignorassem os problemas sociais, mas que a biblioteca servisse de espaço de reflexão e discussão para esses problemas. Se o público de uma determinada biblioteca era formado por crianças ainda não alfabetizadas, trabalhar com multiblocos de brinquedos onde elas reproduzissem a sua casa ou a casa onde gostariam de morar eram estratégias para que, num primeiro momento, o espaço da biblioteca fosse ocupado e, a partir daí, a leitura, mesmo que ainda em sua forma oral, entrasse no dia a dia da população.

 

Papel social

 

É direito do cidadão usufruir dos equipamentos culturais de sua cidade e, por isso, é dever do governo fornecer acesso a eles. A existência de bibliotecas nas periferias aproxima os moradores desses equipamentos, visto que o cidadão não precisará deslocar-se do seu bairro para emprestar livros ou para participar de atividades e práticas culturais. No entanto, o preço a se pagar por isso é a permanência do cidadão nas áreas de periferia. A integração com outros circuitos culturais existentes na cidade é um dos grandes desafios dos CEUs e suas bibliotecas, assim como ajudar o morador da periferia a se ver como um cidadão. É claro que essa integração também esbarra em outros problemas como as deficiências do transporte público, por exemplo.

 

As ações culturais promovidas pelas bibliotecas — oficinas de histórias, feiras do livro, oficinas de artesanato, cursos, debates, clubes de leitura — permitem a ampliação do público contemplado por elas, além de mostrar que a biblioteca pode e deve ser um local democrático. É do imaginário popular que bibliotecas são locais de cultura erudita, de silêncio e estudos, porém esse modelo não cabe na realidade dos CEUs. É preciso haver a troca de ideias e saberes dentro desses espaços. A educação reside na troca de diferentes ideias e culturas, segundo Paulo Freire.

 

No entanto, o público atingido ainda não é suficiente quando se pensa na totalidade dos moradores de periferias. A possibilidade de expansão de público reforça a ideia de que há ainda diversas barreiras a se quebrar quando se pensa nas possíveis funções sociais de uma biblioteca. É necessário mostrar a face dinâmica das bibliotecas, funcionando até mesmo como lugar de recreação para as crianças. A vivência entre livros estimula a leitura e curiosidade desde a infância. Integrar os circuitos culturais da cidade é uma boa opção para ampliar o alcance do público, respeitando as tradições e individualidades de cada bairro.

 

“É ilusório acreditar que a biblioteca do CEU será a grande redentora dos excluídos; não dá para apagar a realidade da rua, da habitação precária, da violência, da exploração pelo trabalho. O direito à educação, à cultura, à informação vem acompanhado de um conjunto amplo de direitos. Contudo, se a biblioteca não for esse espaço público democrático, garantindo a liberdade de informação e de cultura, integrada a realidade da cidade, ela estará fadada ao esvaziamento”, conclui Charlene.

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