Luz, câmera e ação: ficção do cinema vira realidade na escola

Ideia é unir História, Geografia, Português, Redação e até Ciências em projetos audiovisuais que aumentem interesse dos alunos

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Por Luiz Fernando Toledo
Atualização:

SÃO PAULO - Curta-metragens, documentários e técnicas de cinema têm sido usados por colégios particulares de São Paulo para atrair alunos às disciplinas tradicionais. A estratégia é unir História, Geografia, Português, Redação e até Ciências em projetos audiovisuais que levem os estudantes do ensino fundamental a usar o que viram nos livros na prática. 

Embora nem sempre o objetivo seja torná-los jovens cineastas, a lição é completa: assistem aos clássicos, aprendem a fazer roteiros, entrevistas, filmagem e até edição. No Colégio Santo Américo, no Jardim Colombo, na zona oeste de São Paulo, o 9.º ano do ensino fundamental realiza um projeto anual obrigatório que unifica as disciplinas em um documentário que tem por objetivo discutir os problemas da cidade de São Paulo. 

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Os alunos, divididos em grupos de até oito pessoas, precisam escolher um tema polêmico e atual – neste ano, por exemplo, estão trabalhando com o fechamento do Elevado Costa e Silva (Minhocão), a discussão sobre a criação do Parque Augusta, ambos na região central, o lazer da juventude e a diversidade.

A fusão de disciplinas tem início logo na discussão do tema. “Em Geografia e História, eles têm o trabalho de levantar as discussões sobre a cidade, a origem dos problemas”, explicou o coordenador pedagógico do ensino fundamental 2 do Santo Américo, José Ruy Lozano. Português e Redação são os responsáveis por dar forma ao trabalho. “É nessas disciplinas que eles vão ter o trabalho de elaboração do roteiro, escolher que tese vão defender em relação ao problema.”

Para introduzir os estudantes à linguagem audiovisual, são exibidos diversos documentários ao longo do ano. A filmagem é feita com equipamentos dos próprios alunos, seja com câmeras digitais ou até smartphones. Já a parte de edição é feita em um estúdio do colégio. 

Alunos aprendem a fazer filmes na escola Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

A vantagem, explica Lozano, é a transversalidade do trabalho. “Trabalhar com cinema é trabalhar com as múltiplas inteligências. Aprende não só o aluno que gosta de pesquisa, mas o que prefere a escrita, a linguagem audiovisual”, disse. A nota do documentário compõe uma das avaliações das disciplinas envolvidas, além de realização das provas comuns. “Estamos diante de um problema concreto, não só de algo teórico. O aluno percebe o problema que o aflige na cidade, não só de maneira abstrata.”

Fusão de conteúdos. Para incentivar os estudantes a criar conexões práticas entre os conteúdos das disciplinas, o Colégio Bandeirantes, na zona sul, também implementou, em 2013, seu projeto de cinema. Em um ano, são produzidos dois curta-metragens que duram cerca de 10 minutos cada, totalmente produzidos por alunos do 9.º ano. É feito um por semestre: no primeiro, o tema é livre, para que os alunos se habituem à produção.

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No segundo, o desafio é maior, há temas definidos e precisam conectar fatos históricos e produção científica. “Eles precisam analisar um tema da época que estão estudando em História, como a 2.ª Guerra Mundial, e ligar aos inventos dos cientistas que estudaram nas aulas de Ciências”, explicou o professor de Artes do Bandeirantes, Pedro Cardoso Leão.

A avaliação do trabalho é feita separadamente. “Em Artes, analisamos figurino, filmagem e edição; nas outras, o conteúdo. O aluno pode ir mal em uma parte e bem na outra”, explicou Leão. Apesar de a proposta ser focada nas disciplinas, o professor destaca que os estudantes começam a tomar gosto pelo cinema. Ao longo do ano, eles têm contato com quatro obras: Tempos Modernos (Charlie Chaplin); 2001, Uma Odisseia No Espaço (Stanley Kubrick); Sonhos (Akira Kurasawa) e Romeu e Julieta (Franco Zeffirelli). “Explicamos a eles que existe uma diferença de linguagem entre esses filmes e o que os alunos assistem hoje, com cenas mais rápidas e curtas.”

Acesso ao mundo.O contato mais próximo com a cidade e com a produção dos trabalhos fez os alunos terem mais interesse em assistir às aulas. “Conseguimos ter mais acesso ao mundo real, não ficamos fechados só na matéria”, comentou a estudante do Santo Américo Mariana Cordeiro, de 14 anos. O documentário da aluna, ainda em produção, vai abordar a violência em festas e baladas de jovens na capital. “É uma realidade que está próxima da gente”, disse. 

A ligação com a arte também ajudou o aluno Gustavo Arruda, de 14, do mesmo colégio, a melhorar a escrita. Ele está ajudando a produzir o roteiro. “Eu não tenho muita facilidade para escrever. Se tenho dúvidas, consulto os professores. Está me ajudando bastante, porque é um tema presente na nossa cidade”, disse o aluno, que contou ter gostado de realizar pesquisas para o trabalho e pensa em seguir carreira em alguma área com esse tipo de atividade. 

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Ligações. Diego Zancaneli, também de 14 anos, do Colégio Bandeirantes, afirmou que a produção do documentário o ajudou a compreender os temas mais a fundo. Ele e seu grupo produziram um documentário que exigia a criação de um elo entre o cientista Michael Faraday, a 2.ª Guerra Mundial e o filósofo Aristóteles. 

Cientista do século 19 e um dos pioneiros no estudo do eletromagnetismo, Faraday foi usado pelos alunos para explicar como, mais tarde, se daria a criação do rádio. E como o instrumento de comunicação foi amplamente utilizado durante a 2.ª Guerra. Aristóteles, bem mais distante na linha histórica, foi usado como um “narrador” dos fatos, sob sua visão. “Você tem de estudar mais sobre o assunto, se aprofundar e, principalmente, aprender a relacionar as coisas”, disse Zancaneli.

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Além de ajudar a escrever o roteiro, o estudante também participou da atuação. “Foi bastante útil para aprender a trabalhar em equipe. Vi que por trás de um projeto, que parece simples, há uma grande produção e muito estudo”, explicou. 

Ana Carolina Haddad, de 15 anos, também do Bandeirantes, disse que o fundo “artístico” do projeto criou mais interesse pela pesquisa. “É muito mais legal do que fazer uma pesquisa para entregar um trabalho qualquer para o professor. Geralmente temos de produzir texto, PowerPoint (slides), coisas mais burocráticas, e aqui é diferente, temos de ser criativos.” 

A aluna acredita também que a união das disciplinas intensificou a carga de estudos. “Nós precisamos ter conhecimento aprofundado do assunto”, explicou. “É uma experiência rica e diferente de outras coisas que estamos acostumados a fazer na escola.”

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