Karnal: 'A escola não pode ser uma ruptura radical com a família'

Para o colunista do 'Estado', é bom que o colégio provoque certo choque, mas não pode ser oposto aos valores que o estudante aprende em casa

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Por Luciana Alvarez
Atualização:

SÃO PAULO - Historiador e colunista do Estado, Leandro Karnal diz que uma educação pautada na memorização perdeu a utilidade, mas isso não significa permitir que a criança faça só o que quiser. Para pais ansiosos em busca do colégio certo, dá um recado: “A escolha da escola não garante o futuro do seu filho”.

Colunista doEstado, Leandro Karnal é historiador Foto: Silvana Garzaro/Estadão

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Escolher a escola pensando em preparar o filho para entrar numa boa universidade é um critério válido? 

Para começar, não é possível essa engenharia: vou matricular meu filho aqui para ele entrar em Medicina na USP (Universidade de São Paulo). O ser humano não é um hamster, os filhos não vão cumprir as expectativas dos pais. Na verdade, a função dos filhos é não se adaptar ao desejo dos pais. 

Há modelo para se ter de base para buscar uma boa escola?

Há boas escolas religiosas, militares, públicas, alternativas. Não é possível estabelecer que apenas um modelo é bom. Uma boa escola depende da personalidade do filho. Algumas crianças não se adaptam a muitas regras. Uma escola mais libertária também pode causar dificuldades em crianças que precisem de uma regulação externa maior. 

Quando se visita uma escola, logo se percebe a estrutura física dos prédios, as tecnologias. O que olhar além disso?

Como se avalia uma peça de teatro? O autor fez um texto bom? Os atores atuaram bem? A sala é confortável? Tudo isso conta. Um espaço limpo e seguro é necessário. Mas os envolvidos na escola demonstram seriedade? Estão atentos à mudança? Um bom professor de qualquer nível da educação é um pesquisador. Tem de ler artigos da área, aprender sempre. E não se pode confundir modernidade com máquinas. Uma escola que dá um tablet por aluno pode ser tecnologicamente avançada, mas pode ter um projeto fascista de ensino.

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Os valores da família contam?

A escola não pode ser uma ruptura radical com a família. Se minha família é adventista e a escola não, meu filho vai ter provas em horários que a minha religião não permite. Se a família é extremamente conservadora e a escola não, as aulas de ciências e de sexualidade podem provocar um choque. É bom que a escola provoque certo choque. Mas será que os pais estão preparados? 

Independentemente do perfil, há coisas que toda escola deveria ensinar?

Yuval Harari (historiador e escritor israelense) se pergunta: o que podemos ensinar que tenha validade daqui a 40 anos? A resposta é: não sei. Uma educação com base na memorização com certeza não faz sentido hoje. Tudo o que me ensinaram foi superado. Aprendi, por exemplo, a usar o mimeógrafo, que nem existe mais. A escola tem de ensinar curiosidade, autonomia, capacidade de pesquisar, além de dar uma alfabetização sólida em textos e em imagens, para permitir que a pessoa continue se educando.

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É comum dizerem que a criança é naturalmente curiosa, mas a escola mata a curiosidade. Uma boa escola é uma que não mate essa curiosidade?

O senso comum diz que a criança é naturalmente curiosa e ela vai sendo direcionada, se conformando ao longo da escolaridade, o que é ruim. Mas isso não deve ser confundido com o “faça o que você quiser”. A criança tem de aprender a dialogar com o conhecimento formal, embora não apenas a seguir a fórmula consagrada. Galileu olhou para Aristóteles e duvidou. Foi um ato de rebeldia. Mas ele foi até a Torre de Pisa, fez experiência e provou suas ideias. Isso pressupõe uma confiança na pesquisa. A escola deve levar a criança a buscar resposta, a entender que a resposta é complexa, e a não responder só de maneira intuitiva. 

Apesar de tantas críticas que recebem, as instituições de ensino continuam relevantes?

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Muitos dizem que o conhecimento está todo na internet. Mas quem se submeteria a uma cirurgia feita por alguém que não fez Medicina, mas é muito curioso e assistiu a vários tutoriais na internet? Eu com certeza não. A escola está lutando muito para encontrar um novo caminho. Nós, professores, que fomos educados para o conteúdo, ainda não sabemos que caminho é esse. Mas discordo de uma leitura bipolar. Vejo alunos que escrevem contra a escola e esquecem que só escrevem porque foram alfabetizados na escola. 

O momento de escolher a escola pode despertar muita ansiedade. O que diria a pais nervosos com isso?

Diria que a escolha da escola não é irrelevante, mas também não é decisiva. Faz diferença se os pais expõem o filho à diversidade cultural e geográfica, se têm livros em casa, se conversam e estimulam a riqueza vocabular. Mas nem os pais, nem a escola, condicionam em 100% o futuro da criança.

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