Instituições de EaD preveem ‘novo mercado’ com reforma no ensino médio

Após governo revogar decreto que restringia ensino a distância, Estados devem definir conteúdo que será oferecido na modalidade

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Por Túlio Kruse
Atualização:

Criada na reforma do ensino médio, a permissão para convênios entre redes estaduais e instituições de Educação a Distância (EaD) tem gerado expectativa para a abertura de um novo mercado. Em maio, pouco depois da aprovação da reforma, o governo federal revogou um decreto que restringia o EaD apenas a conteúdos complementares e situações excepcionais no nível médio. Agora, os convênios poderão servir para cumprir "exigências curriculares" a distância, segundo o texto da reforma.

O governo repassou aos Estados a responsabilidade de definir regras mais específicas para o EaD, inclusive a proporção de conteúdo das aulas que poderá ser ofertada remotamente. Para cursos presenciais de graduação no ensino superior, por exemplo, a regulação do Ministério da Educação (MEC) permite que 20% da carga horária seja oferecida à distância. Entre especialistas, a aposta é que o EaD pode oferecer tanto o conteúdo obrigatório quanto as aulas de itinerários de especialização em Linguagens, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e o ensino técnico.

Escolas com estrutura física devem menor recorrer ao EaD para suprir a falta de itinerários formativos, segundo especialistas Foto: Filipe Araújo/Estadão

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Para ajudar estudantes, pais, professores, escolas e a sociedade em geral a se informar e tirar suas dúvidas sobre a reforma do ensino médio, o Estado iniciou no mês passado uma cobertura especial sobre a reforma.A reportagem tem visitado escolas na cidade de São Paulo com diferentes perfis para colher dúvidas sobre as mudanças, e uma série de reportagens tem sido publicada sobre o tema. Os leitores também poderão enviar seus questionamentos por meio do e-mail ensinomedio.estadao@gmail.com.

Autonomia. O Ministério da Educação (MEC) diz que a alteração "reforça as possibilidades" para o EaD no ensino médio. Segundo o ministério, os Estados terão autonomia para definir regras para a modalidade, mas ainda devem seguir diretrizes do MEC e do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o tema.

"A forma, a estrutura e os critérios para a oferta do ensino médio na modalidade EAD, assim como a aprovação de instituições que desejam ofertar educação a distância, terão seus critérios definidos pelos conselhos estaduais e distrital de educação e secretarias", diz o MEC, em nota. "A decisão visa atender a constituição federal que trata da autonomia dos estados e municípios."

Instituições que oferecem EaD já têm sido procuradas por colégios particulares para consultoria no assunto. É o caso do Instituto Monitor, que oferece cursos a distância desde 1939, quando os materiais didáticos ainda eram enviados por correio.

“Desde o início de 2017, por causa do ‘novo ensino médio’, temos sido procurados por várias escolas particulares que desejam flexibilizar sua matriz curricular”, diz a vice-presidente do Instituto, Elaine Guarisi. Para ela, os Estados deveriam permitir o EaD tanto para o currículo obrigatório quanto para os itinerários formativos, em que o aluno deve optar por se especializar. “Os jovens de hoje estão muito mais dispostos a utilizar recursos virtuais do que a sentar em bancos escolares.”

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Dois diplomas. Atualmente, há cerca de 400 instituições de ensino superior credenciadas para oferecer cursos de EaD, segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). Entre as escolas de ensino médio, há pouco mais de 100. De acordo com a associação, a expectativa é que cursos universitários credenciados ofereçam aulas ao ensino secundário por meio de projetos de extensão.

Expectativa é que cursos universitários credenciados para o EaD ofereçam aulas ao ensino médio por meio de projetos de extensão Foto: Divulgação

Para o conselheiro e fundador da Abed, João Roberto Alves, escolas com menor estrutura física devem recorrer ao EaD para suprir a falta de itinerários formativos, que serão criados pela reforma. De acordo com a nova lei, as escolas só serão obrigadas a oferecer uma das cinco opções de especialização.

“O que vai acontecer é que teremos dois tipos de escola”, aposta Alves, para quem apenas escolas com maior estrutura física devem conseguir oferecer todos os itinerários formativos. “Escolas de porte menor não têm condição de oferecer todos, elas podem oferecer um itinerário formativo, e ter um convênio com outras instituições para oferecer outros, ou parte de outros itinerários.”

O ensino médio foi tema de reunião organizado pela Abed há cerca de três semanas. Segundo Alves, representantes de instituições de EaD no encontro discutiram a criação de uma “formação interinstitucional” nos colégios, com diplomas emitidos tanto pela escola que oferece aulas presenciais quanto pela instituição de EaD.

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“Hoje, a própria rede de ensino médio incentiva a utilização de EaD no sistema regular do ensino”, diz Alves. “Vamos ver, com o tempo, alunos que não estão matriculados em uma só instituição, mas usa parte do conteúdo da ‘escola A’ e parte da ‘escola B’.”

Qualidade. A possibilidade de uma entrada ‘em massa’ do EaD no ensino médio, sem critérios qualitativos, preocupa o especialista em política educacional João Cardoso Palma Filho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ex-secretário adjunto de Educação no governo paulista, de 2011 a 2013, Palma é crítico às regras “genéricas” da reforma, mas reconhece que a modalidade veio para ficar.

“O que não pode é abrir a porteira, entrar todo mundo como se fosse boiada”, diz o professor. “É preciso melhorar as exigências para credenciar as instituições: é uma instituição que tem aparato tecnológico suficiente para ofertar as aulas? Tem um corpo docente com qualidade nos cursos presenciais, que possam ser aproveitados no EaD?”

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Entre os especialistas, a previsão de que alguns itinerários formativos no ensino médio serão oferecidos à distância na rede pública é consenso. Para Palma, o aumento do EaD na grade curricular será inevitável. “Se for levar em conta o (ensino) presencial aqui em São Paulo e na rede estadual, a maior parte das escolas têm condição de oferecer uma ou duas áreas, então (o EaD) é uma via que pode ampliar a oferta”, avalia o professor.

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