Graduações em carreiras clássicas apostam em inovação

Cursos criam espaços de empreendedorismo, com laboratórios e consultoria, para formar profissionais conectados com novo mercado

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Por Luciana Alvarez
Atualização:

SÃO PAULO - Há pouco mais de um ano, a entrada dos grandes navios no canal do porto de Santos, no litoral paulista, é feita com a ajuda do sistema ReDraft, que processa em tempo real dados de variação da maré, altura das ondas e intensidade das correntes marítimas. O inovador produto foi desenvolvido por um professor e ex-alunos dentro da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que passaram por um treinamento oferecido pela instituição. 

Sócios.Rafael Watai(segundo da esquerda para a direita)e colegas aproveitaram infraestrutura da USP para criar dispositivo aplicado no porto de Santos Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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“Um pesquisador às vezes se apaixona por um assunto, passa anos estudando, mas, quando chega ao final, percebe que o produto não interessa a mais ninguém. O curso mostrou que devemos seguir o caminho contrário: identificar um problema e, com base nele, trabalhar na pesquisa”, afirma Rafael Watai, um dos sócios-fundadores da empresa, graduado e doutor em Engenharia Naval pela Poli.

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A empresa dos ex-alunos da Poli hoje tem uma sede fora da USP, mas seus sócios continuam usando a infraestrutura da escola para pesquisar e testar, graças a uma parceria. “Essa relação entre empresas e universidade é comum no exterior, mas ainda é rara por aqui. Como a gente desenvolve toda a tecnologia, estar na Poli é muito importante”, diz Watai. 

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No total, 20 grupos já participaram do treinamento financiado pela diretoria da Poli. “Dado o pendor de alguns alunos para iniciativas de novos negócios, nós contratamos um consultor para dar o treinamento. O enfoque são as inovações de conteúdo tecnológico”, afirma o diretor da Poli, José Roberto Castilho Piqueira. 

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A iniciativa deu tão certo que a instituição decidiu formar uma rede, incluindo diversas faculdades de Engenharia espalhadas por todo o território nacional. Os grupos selecionados fora da Poli passam pelo treinamento a distância. 

E há mais para acontecer: a oferta da capacitação será ampliada para faculdades e escolas técnicas da rede estadual, em unidades da zona leste da capital - um aluno da Poli vai ser colocado em cada grupo. “A gente tem de levar o emprego para perto de onde as pessoas moram. E, além disso, os nossos alunos vão sair com responsabilidade pelo mundo à sua volta”, afirma Piqueira.

Inovação

Para acompanhar mudanças no mercado, cursos clássicos como os de Engenharia na USP já passam por transformações. Na Poli, uma das mais tradicionais escolas na área do País, o treinamento para quem deseja fundar startups é apenas uma das vertentes de inovação. Outro exemplo dentro da escola é o InovaLab, um laboratório multidisciplinar de livre acesso para todos os alunos criado há cinco anos. 

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“A gente tinha laboratórios muito bons de pesquisa e ensino, mas sempre dentro de determinada área - e que ficava fechado fora do horário de aula. Faltava um lugar para interesses variados, trabalhos de fim de curso ou projetos pessoais”, diz Eduardo Zancul, um dos idealizadores do InovaLab. 

No laboratório, é oferecida uma série de disciplinas optativas em que os futuros engenheiros têm de trabalhar com estudantes de outras faculdades - às vezes até mesmo de fora da USP. 

Além da boa aceitação por parte dos alunos, o aproveitamento tem sido ótimo também do ponto de vista acadêmico. “Em relação às disciplinas tradicionais, a gente nota um avanço maior nas competências técnicas, assim como no desejo e na habilidade para inovar. Estamos trabalhando o aprender a aprender”, explica Zancul.

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Fora da sala

Como na USP, dentro da Fundação Getulio Vargas (FGV) o incentivo à inovação tem sido prático e voltado para o mundo real. Há dois anos, a FGV lançou uma aceleradora de startups. Para se candidatar, um dos sócios tem de ser aluno ou ex-aluno da instituição. “A gente oferece (o programa para startups) com intuito educacional. Há mentorias e acesso a parceiros”, conta o professor Gilberto Sarfati. 

Além de ter alguém ligado à FGV, para passar no processo seletivo a startup tem de estar em um estágio conhecido no mercado como “pré -seed”, que é um pouco depois da ideia, mas antes de começar a gerar receita. “A gente percebeu que grande parte dos investidores não atende esse estágio, pois pega negócios apenas quando eles já dão receita”, explica Sarfati.

O “ecossistema” empresarial dentro da FGV continua se sofisticando. Neste ano foi fundado um grupo de investidores-anjo, que apostam em novas empresas mesmo sem muitas garantias. Os anjos são cerca de 50 ex-alunos da instituição. 

“Há três anos, um grupo de estudantes organizou uma liga de empreendedorismo, uma entidade estudantil que busca palestras e promove discussões sobre o tema”, diz Sarfati. Segundo ele, a FGV oferece a disciplina de empreendedorismo na grade obrigatória há dez anos. 

A junção de tantas frentes é necessária para criar uma cultura empreendedora, embora nem todos os estudantes acabem empreendendo. “Ainda temos muitos alunos que vão para o mercado financeiro. De qualquer forma, o profissional sai com uma cabeça mais aberta, pronto para a convivência em espaços tradicionais ou mais inovadores”, diz Sarfati. 

Insper aplica temas tradicionais em questões cotidianas

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No Insper, é a inovação que norteia a própria estrutura curricular dos cursos. “Na grade de Engenharia, por exemplo, não existem as disciplinas de Cálculo 1 e 2 ou Física 1 e 2. Os conteúdos estão presentes, mas no contexto da aplicação. Na trilha de design, o estudante vai aprender os fundamentos do cálculo em questões reais, envolvidos em um problema”, explica Sílvio Laban, diretor da instituição.

De acordo com ele, a metodologia de resolução de problemas promove um aprendizado mais eficaz e cria um profissional mais bem equipado para lidar com o mundo no futuro. 

A dinâmica curricular promove um papel de protagonismo e há outros projetos que ajudam os jovens a trabalhar em equipes multidisciplinares. O Insper tem um convênio com a faculdade do Hospital Albert Einstein para promover “hackathons”, uma espécie de maratona de desenvolvimento de tecnologias para solucionar algum problema urgente.

“Eles fazem um estudo preliminar. Depois, os alunos de Medicina, Enfermagem, Administração e Engenharia trabalham juntos durante um fim de semana e saem com projetos para melhorar uma questão de saúde”, explica Laban. Ao final do curso, o profissional tem um “espírito diferente”, garante o diretor, pronto para assumir a responsabilidade sobre seu processo de desenvolvimento profissional e disposto a aprender sempre.

Desafios

36% de alunos do ensino superior estão satisfeitos com as iniciativas de empreendedorismo da universidade, aponta pesquisa de 2016 da Endeavor e do Sebrae. O estudo entrevistou professores e alunos de mais de 70 instituições

54% das matérias sobre o tema visam a apenas inspirar os alunos a empreender. Assuntos mais práticos como franquias e gestão de pequenos negócios aparecem pouco na grade curricular

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33% dos estudantes dizem que têm conversas com seus professores que os ajudam nos negócios, mas 52% sequer conversam

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