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Ferramentas novas para uma Administração moderna

Com mundo digitalizado, metodologia de ensino muda para atrair alunos e transformá-los em tomadores de decisões

Por Fernanda Bassette
Atualização:
Iniciativa. Profissional formado pelo Insper criou marca de camisa social sob medida Foto: Sérgio Castro/Estadão

Como transformar cursos com alta carga de disciplinas teóricas, como é o caso da Administração de Empresas, mais atraentes para uma geração de alunos que já nasceu conectada, que lê muito pouco e que é mais ansiosa? Como adequar o ensino aos alunos do novo milênio? Numa coisa todos os especialistas concordam: não basta mais uma lousa, um professor e uma biblioteca. Essa geração precisa de mais. Desde o início da era digital, nos anos 2000, muito além de se adaptar às novas exigências do mercado, os cursos viram a necessidade de se adequar ao perfil do estudante.

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Agora, mais do que nunca, a metodologia de ensino passa a ser um diferencial e, por isso, as instituições estão introduzindo novas ferramentas dentro da sala de aula para atrair os alunos e transformá-los em tomadores de decisões. 

Em um mundo totalmente digitalizado, lidar com estudantes da era digital na sala de aula tornou-se um desafio constante. Por isso, a técnica dos professores é “conviver harmonicamente” com a tecnologia e usá-la como aliada ao ensino, em favor da aula. “As notificações no celular são inúmeras, enfrentamos uma concorrência grande com o bolso do aluno”, diz Guilherme Martins, coordenador do curso de Administração no Insper.

A velocidade com que o número de cursos de Administração cresceu em 65 anos de existência - saltando de 2 em 1952 até chegar em 2.107 em 2015, segundo dados do Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC) - também se reflete na velocidade em que a grade curricular vem sendo adaptada e remodelada para receber os alunos do novo milênio e formá-los para administrar empresas cada vez mais modernas. 

Silvio Passarelli, coordenador do curso de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), concorda e também tenta usar a conectividade como um aliado na sala de aula. “Aproveitamos o celular e pedimos para os alunos pesquisarem assuntos na hora da aula. Assim geramos um debate no momento, sem ter de trazer resposta na próxima aula.” Para Passarelli, o maior problema são as avaliações. “Hoje em dia um relógio de pulso é fonte de informações e isso atrapalha um pouco.”

O professor André Pereira de Carvalho, vice-coordenador do curso de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), diz que o curso ainda carrega uma boa fundamentação teórica, mas ressalta que a metodologia de ensino mudou: vai da prática para o conceito teórico e não da teoria para a prática, como acontecia antigamente. “O aluno desse milênio é mais ansioso, mais inquieto. Durante o curso, ele já se movimenta e já quer desenhar o próprio negócio. E é com isso que vamos trabalhar. Educação não é estar contido dentro da sala de aula.”

Mesmo na universidade pública, o processo de transformação e adaptação dos cursos é constante. “O curso de administração é muito fácil de ser reproduzido, não exige laboratório, não exige muita estrutura. Houve uma proliferação muito grande na oferta e a nossa função é separar o joio do trigo. Precisamos nos adaptar para formar agentes de mudanças, formar um cidadão mais crítico ”, diz a professora Graziella Maria Comini, coordenadora do curso de Administração da USP (FEA/USP).

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Fora da sala de aula. Segundo Martins, coordenador do curso de Administração do Insper, o desafio de modernizar uma carreira que é extremamente teórica é diário. “O curso de Administração por si só possui uma grade de disciplinas bem teóricas, como Sociologia, Estatística, Introdução à Economia. Por isso nós sempre revemos a nossa grade e fazemos as adaptações necessárias para formar um administrador que consiga se adequar às mudanças do ambiente.”

Martins exemplifica as mudanças no ambiente citando gigantes como Uber, Facebook e AirBnB. “O Uber, por exemplo, é a maior empresa de transporte do mundo e não tem nenhum carro. O Facebook é a maior empresa de mídia social do mundo e não produz conteúdo. O AirBnB é a maior empresa de alugueis do mundo e não possui nenhum imóvel. Preciso formar profissionais que saibam administrar empresas com esses perfis”, afirma.

Para se adequar às necessidades, em 2011 o Insper criou uma disciplina chamada Resolução Eficaz de Problemas (REP), que ocorre fora da sala de aula. O objetivo é fazer com que o aluno saia da zona de conforto da sala de aula e vivencie a rotina de uma empresa real, mergulhando nos problemas e acertos do seu dia a dia.

A faculdade mantém parcerias com 30 empresas, incluindo bancos de varejo, cervejarias, indústrias de alimentos, hospitais, entre outras, para onde os alunos se deslocam durante um semestre, em grupos de cinco pessoas. “Nas empresas eles têm contato direto com os gestores. Lá eles aprendem a cultura organizacional, a conseguir informação, a solucionar conflitos reais. É uma disciplina em que o aluno tem um choque de realidade.”

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Na opinião do professor, a grande mudança observada após o início dessa disciplina foi o maior envolvimento do aluno. “É impossível simular em sala de aula as imperfeições que existem na realidade. Além disso, esse é um momento de trabalho em equipe em que conseguimos observar aqueles que têm grau maior de liderança”, disse Martins.

O Insper também possui um Centro de Empreendedorismo, que realiza feiras, eventos e palestras. Incentivado por esse espírito empreendedor, Rodolpho Rocha Luiz, que se formou em Administração de Empresa em 2005 pelo Insper, abriu uma empresa chamada Monogramma, uma marca de camisa social masculina sob medida. A plataforma online de customização permite a construção de uma camisa social desde a escolha do tecido até a definição do monograma, passando pelo colarinho, punho, modelagem, medidas e demais atributos de estilo, oferecendo alfaiataria sob medida.

Eventos. No Insper, centro de incentivo a alunos que queiram empreender realiza feiras e palestras Foto: Sérgio Castro/Estadão

Formação transversal. A Faap também tem promovido mudanças curriculares para adaptar o curso de Administração às exigências do mercado. Ao longo do curso, por exemplo, a faculdade criou visitas guiadas às empresas de várias áreas de atuação, para que o aluno tenha contato com a administração em casos reais. Além disso, criou o programa de formação complementar, que permite ao aluno cursar até quatro disciplinas extras de livre escolha por semestre em outros cursos da Faap. 

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São disciplinas gratuitas que têm como objetivo incentivar a transversalidade, num processo de complementação, em que o aluno aproveita disciplinas extras para aprimorar a sua formação específica. Por exemplo: se ele vai administrar a empresa da família, que é da área de engenharia, ele pode cursar disciplinas de arquitetura básica para aprimorar seus conhecimentos na área.

“As fronteiras entre as profissões estão se diluindo muito rapidamente. Muitas profissões passaram por profundas transformações tecnológicas. Já não dá para ficarmos só no modelo de ensino tradicional, como vinha sendo ensinado. Precisamos formar profissionais compatíveis com o mercado”, explicou Passarelli, da Faap.

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Segundo ele, um currículo de um curso de graduação antigamente durava cerca de 15 anos. Hoje, com a velocidade com que o conhecimento se reproduz, as faculdades fazem revisões a cada 4 ou 5 anos. “E com o nosso curso não é diferente. Estamos em constante reformulação, introduzindo novos assuntos, excluindo temas ultrapassados. Tem disciplinas que são testadas e que duram apenas um verão”, diz.

Disciplinas virtuais. A FGV, pioneira em oferecer o curso de Administração de Empresas no Brasil, também se preocupa em renovar o currículo com frequência, incluindo novas disciplinas para acompanhar a rapidez das mudanças no mercado. “A tecnologia é muito voltada para o falar e não para o ouvir. Por isso desenvolvemos disciplinas de forma a valorizar as habilidades de cada aluno”, diz o professor Renato Guimarães Ferreira, coordenador do curso de Administração da instituição.

Em uma das mudanças estabelecidas no ano passado, Ferreira incluiu uma semana de imersão no meio do curso em que os alunos interrompem as atividades regulares e se concentram em questões fora da sala de aula, em que os alunos precisam apresentar uma proposta de solução para representantes de determinada empresa. Neste semestre, por exemplo, a imersão foi sobre a gestão da indústria de entretenimento. Os estudantes receberam empresários do setor e mergulharam naquele assunto para propor melhorias e soluções. “É uma experiência transformadora”, afirmou.

Além disso, a FGV introduziu uma disciplina chamada Snoc (abreviação para Small Network Online Course), com base em um modelo desenvolvido pela Universidade de Yale. Trata-se de uma disciplina ministrada à distância, que tem como objetivo melhorar a interação entre aluno e professor. São aulas para pequenos grupos e tudo é ministrado virtualmente.

“Estamos trabalhando com educação na era digital. Usamos um software semelhante ao Skype, onde todos os alunos aparecem no vídeo. É estável e funcional, o aluno consegue acompanhar a aula estando dentro do carro ou no metrô. Esse é um elemento de virtualidade, o meio nos obriga a trabalhar com outros tipos de metodologia. É uma aula de uma hora e meia, em que há discussão de casos previamente estudado pelos alunos”, explica o professor Gilberto Sarfati, coordenador do GVentures, a aceleradora universitária da FGV.

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Outro diferencial é a disciplina de internacionalização, em que times de seis alunos de Administração do mundo todo se unem em um tipo de consórcio para estudar casos de empresas internacionais por dois meses. O programa tem a participação de cerca de 5 mil estudante de mais de 70 universidades. “É uma disciplina eletiva para dar mais flexibilidade ao nosso programa. Ela desafia os alunos a desenvolver trabalhos com negócios internacionais”, diz o professor.

Tomada de decisão. O curso de Administração da USP (FEA/USP) também passa por constantes modernizações e, não à toa, está entre os mais bem avaliados do Brasil. Segundo a professora Graziella Maria Comini, coordenadora do curso, a última atualização da grade curricular foi realizada em 2014 e reflete a complexidade de lidar com organizações cada vez mais modernas e formadas por pessoas cada vez mais jovens. “O professor hoje é mais um facilitador para estimular a participação do aluno”, afirmou Graziella.

Entre as mudanças estão a criação do laboratório de decisões, onde o aluno acompanha a bolsa de valores em tempo real, e a inclusão de disciplinas semipresenciais, em que a sala de aula se torna o local de aprofundamento das discussões com apoio de ferramentas digitais. Também há uma disciplina de imersão multidisciplinar duas vezes por ano, em que são misturados alunos de todos os departamentos. “São aulas optativas para oferecermos uma visão sistêmica do negócio. Isso é muito valorizado”, diz.

Nos últimos quatro anos, a FEA/USP também aumentou o incentivo à internacionalização, com disciplinas eletivas ministradas em inglês e convênios com universidades para intercâmbios. A FEA recebe cerca de 70 intercambistas por semestre e envia o mesmo número para fora do País. “A gente fomenta o debate internacional, e os alunos passam a ter contato com problemas globais, aumentando suas competências internacionais.”

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