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Falta avaliação técnica na escolha do material, dizem especialistas

Maioria dos sistemas apostilados é de cursos pré-vestibulares; eles não garantem melhor educação, segundo pesquisadora

Por Isabela Palhares
Atualização:

SÃO PAULO - Os pesquisadores do estudo também apontam a falta de avaliação técnica dos municípios na hora de escolha dos sistemas de ensino privado. Para eles o que é levado em conta é apenas a "autorreferenciação", já que a maioria dos materiais é vendido por grupos que também são donos de cursinhos pré-vestibular.

"Não há uma aferição da qualidade dos materiais, como ocorre com os livros do PNLD que são avaliados por uma comissão técnica. É uma lógica muito perversa, porque as empresas vendem o material com a propaganda de ser o mesmo utilizado nos cursinhos de elite, como se isso fosse garantir os mesmos resultados", disse Ximenes.

Para os pesquisadores, o material desses sistemas 'engessa' a educação ao tirar a autonomia dos professores, com cronogramas e planos que exigem ser seguidos Foto: Werther Santana/Estadão

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Em Capivari, uma das cidades que utiliza os sistemas e que foi analisada pelos pesquisadores, um responsável pela secretaria municipal de Educação informou que a escolha do sistema Anglo aconteceu porque há um escola particular na cidade que utiliza o mesmo sistema. "O que de pronto deixa transparecer a ausência de qualquer avaliação criteriosa quanto à qualidade e adaptabilidade do material fornecido em relação aos demais concorrentes", afirmou o estudo. Procurada pelo Estado, a prefeitura de Capivari não quis se manifestar.

Fatores. Theresa Adrião, da Faculdade de Educação da Unicamp e uma das pesquisadoras do estudo, disse que é "mito" acreditar e vender essa ideia aos pais de que apenas o material pode garantir uma melhor educação, por não levar em consideração um conjunto de fatores intra e extra escolar. "(É preciso levar em conta) também a qualificação e condições dignas de trabalho para os docentes e insumos adequados (bibliotecas,banheiros, laboratórios, organização do tempo e dos espaços), além de um tema mais complexo que é a condição de vida das famílias".

Para os pesquisadores, o material desses sistemas também "engessa" a educação ao tirar a autonomia dos professores, com cronogramas e planos que exigem ser seguidos em ordem e tempo pré-estabelecido. 

"Inibe ou exclui das atividades do professor a responsabilidade sobre a definição dos conteúdos mais adequados para sua turma, sobre qual a melhor maneira de organizá-los didaticamente, sobre a definição das estratégias de avaliação,significa 'esvaziar' sua profissão. Além disso, significa reforçar a presença em nossas escolas de profissionais desqualificados, pois se nega a possibilidade de uma efetiva 'qualificação em serviço', quando se 'entrega' estratégias didáticas padronizadas", disse Theresa.

Já a consultora em Educação Ilona Becskeházy,que estudou a qualidade dos materiais entregues pelos sistemas de ensino privado, disse que esses materiais têm pouca diferença com relação aos selecionados pelo PNLD, até mesmo porque são produzidos pelas mesmas editoras.

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Segundo ela, os benefícios estariam no fato de haver melhor sistematização e organização dos conteúdos, que norteiam de forma mais eficiente o ensino, a capacitação aos professores, mas, sobretudo, o fato do material pertencer o aluno. "Com os materiais do PNLD, o aluno não é dono do livro. Ele precisa entregá-lo a escola no fim do ano, por isso, não pode fazer exercícios ou anotações. Com isso, perdem muito tempo copiando a lição em seus cadernos. Com o sistema privado, o aluno não perde esse tempo que é gasto, de fato, com o aprendizado".

Para Paula Louzano, doutora emEducação por Harvard, o principal atrativo desses materiais e sua vantagem com relação ao distribuído pelo PNLD é a de que "orientam e unificam o trabalho das escolas" no município. "Os materiais estruturados dos sistema de ensino representam uma solução privada a um problema que o poder público ainda não resolveu: a falta de padrões curriculares claros para cada nível de ensino. Os secretários de educação municipal, seja por falta de capacidade técnica ou recursos financeiros para desenvolver seu próprio currículo e implementá-lo,optam por este material", disse.

Louzano afirmou ainda que, em países nos quais o poder público estabelece e garante orientações claras, com materiais didáticos compatíveis com essas orientações e apoio aos professores na implementação desse currículo, não há espaço ou procura pelos sistemas de ensino privados, como ocorre no Brasil.

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