Falando grego na sala de aula

Na tentativa de diversificar os currículos, colégios incluem disciplinas 'exóticas' como latim e química quântica

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Por Victor Vieira
Atualização:

Grego e latim não estão entre as línguas mais faladas do mundo, mas se tornaram populares em um colégio no Butantã, na zona oeste de São Paulo. Os idiomas clássicos se somam à lista de disciplinas diferentes – que vão de circo a química quântica – oferecidas por escolas que apostam na diversificação do currículo e no incremento da aprendizagem.

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Desde fevereiro, as disciplinas Grego e Latim são obrigatórias para os cerca de 250 alunos do 4.º e do 6.º ano da Escola Municipal Amorim Lima. A iniciativa integra um projeto da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo.

Segundo a diretora da escola, Ana Elisa Siqueira, o objetivo é aumentar o repertório das crianças, além de desenvolver novos mecanismos de raciocínio. “Os textos utilizados também abordam questões sobre as origens da nossa cultura, ligadas à Grécia e a Roma.”

Gabriela Basaglia, de 9 anos, já arrisca frases curtas em latim e conta que as aulas do idioma estão entre as suas preferidas. “É legal porque dá para descobrir a origem das palavras em português.”

Por dentro do átomo. O nome assusta, mas a disciplina Química Quântica não morde. É isso que descobriram os alunos do ensino médio do Colégio Santa Maria, no bairro Chácara Santo Antônio, na zona sul de São Paulo. O curso faz parte da carga optativa para alunos do 1.º, 2.º e 3.º anos da escola.

O professor Maurício Rodrigues, responsável pelas aulas de Química Quântica, destaca que a demanda partiu dos próprios adolescentes, que queriam discutir mais a estrutura dos átomos. “Foi um grande desafio construir essas aulas para alunos do ensino médio por causa do tema, que envolve conhecimentos que eles ainda não dominam”, diz.  Depois, outras disciplinas entraram para a lista de optativas. O leque oferecido é amplo: Dramaturgia, Edição de Vídeo, Fundamentos da Nutrição e Sociologia Contemporânea são alguns exemplos.

Lições de atitude. Uma vez por semana, os alunos do 3.º ano do ensino médio do Colégio Oswald de Andrade, no Alto da Lapa, na zona oeste de São Paulo, trocam os problemas de Matemática pelos problemas urbanos. Projeto de Intervenções é uma disciplina que discute e propõe soluções, em escala local, para os desafios das metrópoles, como mobilidade, gasto de energia e uso de espaços públicos.

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Na turma deste ano, duas ideias foram lançadas para a área de transportes: uma rede social de caronas para alunos da escola e a colagem de adesivos nos pontos de ônibus do bairro, para identificar as linhas que passam ali. O objetivo da proposta, desenvolvida pelo colégio há cinco anos, é ensinar a teoria com base na resolução de desafios práticos. “É um recurso muito usado em universidades”, explica o coordenador da disciplina, Tarso Loureiro.

Como os alunos precisam dividir tarefas de acordo com as próprias habilidades e preferências, a disciplina também serve de orientação vocacional. Lucas Ribeiro, de 17 anos, diz que as aulas ajudaram na escolha por Midialogia e Radialismo no vestibular “Já tinha interesse pela área, mas foi na disciplina que fiz o primeiro trabalho sério: um vídeo sobre consumo consciente.”

Céu à vista. Vestibulanda de Astronomia, Catarina Aydar, de 17 anos, já estudou planetas e estrelas antes de chegar à universidade. A chance surgiu na Escola Vera Cruz, na Vila Leopoldina, na zona oeste paulistana. A disciplina integra a grade eletiva do 3.º ano do ensino médio, que inclui um semestre de aulas como Construção da Democracia e Filosofia da Ciência. "Havia teoria, simulações no computador e observações do céu”, diz. As aulas, guiadas com base no interesse dos alunos, renderam à jovem a medalha de prata na Olimpíada Brasileira de Astronomia.

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Escolhas. Especialistas têm visões diferentes sobre a inclusão de disciplinas. Defensor da transversalidade nos conteúdos, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Ulisses Araújo acredita que a estrutura curricular das escolas brasileiras é ultrapassada, com exigências em muitas disciplinas diferentes.

“A demanda do vestibular também dificulta a flexibilização.” Já a especialista em Educação Ilona Becskeházy destaca que a proposta pedagógica precisa ser clara. “A matéria alternativa não pode tirar tempo das aulas tradicionais, como Português e Matemática, importantes para a compreensão do mundo.”

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