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'Faça o que te dá paixão; se não achar emprego, crie seu próprio emprego'

O geólogo Ulisses Mello, de 51 anos, chegou à IBM depois de uma passagem pela Petrobrás. Ficou 20 anos nos Estados Unidos e hoje é referência em temas ligados à sustentabilidade na multinacional.

Por Sergio Pompeu
Atualização:

O geólogo Ulisses Mello, de 51 anos, chegou à IBM depois de uma passagem pela Petrobrás. Ficou 20 anos nos Estados Unidos e hoje é referência em temas ligados à sustentabilidade na multinacional. Foi repatriado para comandar a área de recursos naturais do laboratório da empresa no Brasil.

 

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Veja abaixo trechos da entrevista:

 

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Formação

 

Nasci no ABC, em São Caetano do Sul, e estudei sempre em escola pública, em vários colégios técnicos. Entrei na USP em Geologia e fiz mestrado na Federal de Ouro Preto, também em Geologia. Fui para a Petrobrás, trabalhei alguns anos no Centro de Pesquisas (Cenpes) no Rio. Fui para o exterior, fiz doutorado também em Geologia, mas com especialização mais em matemática - porque no mestrado eu tinha mais interesse de fazer simulação de processos geológicos. De lá fiz um pós-doutorado no Watson, centro de pesquisas da IBM. Fiquei lá nos Estados Unidos por 20 anos. Não era meu plano ficar, mas acabei ficando. O Watson fica em Yorktown Heights, mais ou menos 45 minutos a norte de Manhattan.

 

Área de pesquisa

 

Meu envolvimento maior é com essa área de modelagem matemática ou simulação numérica, uma das razões que me atraiu para o Watson, embora eu tenha uma formação em Geociências. Eu mesmo achava: “O que eu vou fazer na IBM, um geólogo?” Mas a verdade é que a IBM me oferecia condições para fazer essas simulações de grande porte, algo que eu não tinha condições de fazer no Brasil. E encontrei um ambiente muito diversificado na IBM. Quando eu cheguei lá vi que tinha biólogos, tinha médicos fazendo simulação de epilepsia. Então foi um ambiente que me atraiu pela diversidade científica. Eu me especializei na área principalmente de óleo e gás. E fazendo simulação nessa área acabei me envolvendo também com simulação de água e de outros recursos naturais. Meu interesse principal é usar modelos matemáticos, para que se possa testar cenários diferentes e tomar as melhores decisões possíveis para economizar energia e também minimizar o impacto no ambiente.

 

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Recursos naturais

 

Aqui no Brasil sou responsável no laboratório pela área de recursos naturais, que têm ligação com sustentabilidade porque hoje em dia água é o novo petróleo, um recurso que está se tornando cada vez mais escasso e mais difícil de se gerenciar. É um negócio bem complicado. Metade do mundo tem limitação no suprimento. Um caso clássico é o de Cingapura, que eu visitei várias vezes, um país-ilha que importa água da Malásia. Eles usam a água de chuvas, fazem dessalinização e também o reúso. Se você olhar vários países, tipo os Emirados Árabes, quando está sob estresse de água o que você tem que fazer é gerenciar, como se fosse um portfólio financeiro. No verão, por exemplo, eu aloco mais água; numa outra época eu uso água subterrânea. Isso requer uma modelagem matemática sofisticada. Então, no gerenciamento de qualquer recurso, seja ele natural ou humano, existe a possibilidade de ganhar eficiência usando medições em dados reais e a partir daí aplicando algoritmos analíticos para analisar qual é a melhor alocação, qual o melhor processo - seja o exploratório, de óleo e gás, seja de uso e alocação de água. Aqui no Brasil, a IBM tinha um projeto com a ONG Nature Conservancy em que o grande interesse era ter, nas terras ao longo dos rios, culturas que poluíssem menos, ou que usassem adubos que afetassem menos os rios. Então o que você que fazer é saber qual é a melhor alocação ou distribuição de culturas de plantio que minimize o impacto de agrotóxico no rio. Isso é um problema matemático que a gente chama de otimização discreta, porque tem várias combinações possíveis. Qual é a combinação que vai minimizar por exemplo o impacto de agrotóxico? E qual a política governamental que vai ajudar e dar incentivos a agricultores para mudar a cultura ou trocar de terra para uma que seja mais adequada para as culturas que eles querem. Se você olhar pelo ponto de vista é interessante porque existe uma necessidade social e de negócios e também uma oportunidade para se tentar usar métodos científicos - para achar qual é a melhor alocação, por exemplo.

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Pré-sal

 

Na verdade é difícil selecionar um, vou dar dois ou três exemplos de coisas que estou achando fascinantes. Um obviamente é essa história do pré-sal. Bacias como essa de Campos ou de Santos têm uma camada de sal com até 5 quilômetros de espessura. Ela se comporta de uma maneira fluida no tempo geológico e tem alto impacto na exploração porque o sal alia uma permeabilidade muito baixa a uma condutividade térmica alta. Então, por exemplo, a decisão de onde fazer um furo depende muito da história de mobilização do sal, de como o sal se moveu ao longo do tempo geológico. Porque o sal é como uma cama d’água: você põe o peso em cima e a água se move para o outro lado da cama, mas sem, às vezes, escapar. Então o que acontece é que quando ela se move, muda a estrutura da bacia e muda os lugares possíveis de se furar um poço de petróleo. Mas o sal, conforme se move, às vezes ele se separa, se quebra, como quando se abre uma torneira. Conforme vai fechando, os pingos d’água começam a se separar uns dos outros: primeiro é um fio só, depois eles começam a se separar. A modelagem numérica de coisas como essa é extremamente desafiadora hoje, porque a gente tem uma mudança não só da geometria como uma mudança de topologia. É muito difícil modelar coisas que estão se quebrando, por exemplo um carro que bate num poste - existem experimentos físicos até hoje porque é muito difícil fazer isso no computador. Então isso eu vejo como um desafio, um desafio muito interessante, de como modelar a história geológica das bacias brasileiras incluindo esses efeitos de deformação do sal. Você tem os dados de hoje e um modelo matemático que não te dá uma solução única, mas um espectro que não é totalmente aberto. Ele pode não ser exato, mas tem um campo que a gente chama de “campo de incerteza”. É aí que entra a supercomputação, porque você pode gerar simulações para todas essas possibilidades e ter uma visão do que seria possível - porque você sabe o que não seria possível. Então existem formas de montar esse modelo e, na verdade, os sedimentos numa bacia geológica eles são como uma fita. Porque eles guardam fósseis, minerais, uma série de coisas que registram, por exemplo, qual foi a temperatura de cristalização de um determinado mineral. Então tem muito mais informação guardada nesses sedimentos do que as pessoas imaginam e essas informações servem como restrição na modelagem, te permitem definir essa história de trás para a frente.

 

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Enchentes

 

A gente está envolvido agora com o Centro de Operações do Rio de Janeiro. A prefeitura tem esse centro para operar emergências, essencialmente. E a IBM é uma das companhias que está trabalhando no estabelecimento do centro. A função maior da IBM é integrar todos esses dados de várias agências, tipo Geo-Rio e Rio Águas, e torná-los disponíveis para o pessoal de operações tomar uma decisão quando houver uma emergência. A gente está fazendo também modelagens de alta precisão - de tempo, por exemplo. O Rio tem uma topografia acidentada e para fazer a customização de um modelo de clima para o Rio você precisa levar em contato uso do solo, a topografia. Tudo isso para tentar prever qual a precipitação em alta resolução, numa resolução de 1 quilômetro quadrado na cidade. Com isso você consegue falar que vai chover mais nessa parte da cidade e as chance de haver inundação vai ser maior. Agente está desenvolvendo também uma solução para prever essas inundações com o escoamento de água a partir da precipitação, usando alta resolução a nível de rua, por exemplo. Então esse é um projeto muito interessante e que pode ter consequências importantes sociais, com todas essas coisas que houveram aí na serra do Rio. Talvez no futuro a gente consiga, trabalhando com eles, desenvolver algoritmos usando radar, sensoriamento remoto, para tentar prever com uma antecedência de 48 horas por exemplo chuvas ou esses deslizamentos de terra. Então, se você sabe que pode cair uma precipitação acima de um determinado nível, com a qual pode haver um deslizamento, o prefeito tem a condição de tomar uma decisão 24 horas ou 48 horas antes, falar para evacuarem as casas e salvar milhares de vidas. Não sou especialista em deslizamentos, mas já fiz trabalhos sobre deslizamentos submarinos. Esses negócios são bem mais complicados do que parecem. Não é só a chuva, é o histórico dos dias anteriores à chuva, porque o solo pode estar saturado antes com uma chuva menor. Então tem que se criar esses modelos que levem em conta mais coisas do que só a precipitação.

 

Agrobusiness

 

Outra área pela qual estou fascinado, que é praticamente única no Brasil, é a criação de uma cadeia de valor no agronegócios, que vai do plantio de cana-de-açúcar ao plástico verde. Uma cadeia produtiva totalmente renovável. Nunca vi isso em lugar nenhum e existe um potencial econômico grande para o Brasil? Tem aí a parte que a IBM gosta de se especializar. Que é essa parte de automação, de logística, de suporte de integração de dados, que pode chegar um dia à agricultura de precisão. De você estar coletando dado em tempo real dados sobre terreno, customizando a plantação, otimizando a alocação de pessoas na plantação tendo certeza de que os equipamentos estão em boa ordem para não quebrar. O problema da cana é interessante porque o açúcar deteriora rapidamente depois do corte, então você tem que levar a cana para a usina o mais rápido possível - se chover, você tem que usar uma estrada diferente. Então existem uma série de desafios logísticos e de manutenção. A indústria do petróleo, por exemplo, já tem uma operação altamente automatizada, com dados, salas de guerra para controle. E o agronegócio no Brasil está começando a entrar nesse tipo de coisa. Considerando a porcentagem de terra arável no Brasil e a posição do Brasil, que é muito confortável em exportação de agricultura, acho que isso tem um potencial fenomenal.

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Seleção de pesquisadores

 

Minha missão aqui no laboratório é de que ele se torne um centro de liderança mundial, não um centro que acompanha as últimas evoluções para tentar fazer parecido. Acho que a gente tem que liderar. Os profissionais brasileiros não devem nada a ninguém no exterior. Então é tocar a bola para frente e fazer as coisas acontecerem. Mas é interessante. Para falar a verdade, o que está salvando agente é essa repatriação, tem muita gente no exterior querendo voltar para o Brasil. Porque contratamos gente com nível de doutorado, PhD. O momento econômico é tal que muita gente que termina o mestrado arruma emprego e não vai até o fim de uma formação acadêmica completa, até o nível de doutorado. Estamos achando, mas é mais difícil, se a gente dependesse só disso não estaríamos numa situação muito boa. O que está fazendo diferença é a possibilidade de repatriação, de trazer brasileiros interessados em voltar e ter a oportunidade de fazer o mesmo tipo de pesquisa que faziam lá fora. Está sendo muito bom receber vários currículos de brasileiros de todo lugar do mundo.

 

Conselhos a jovens cientistas

 

É o que eu sempre falo para o meu filho: a coisa mais importante é você fazer o que você gosta. E não pensar primeiramente em dinheiro, porque, se você fizer o que você gosta, vai ser um dos melhores da tua área. Na minha época, a gente estudava e investia numa carreira por duas razões. É claro, você queria ter uma ascensão social, mas também era um investimento pessoal, de crescimento pessoal, de adquirir mais conhecimento. Ainda acho essa filosofia válida. Vejo que nos Estados Unidos existe muita decisão profissional tomada como se fosse investimento financeiro. Você escolhe a profissão como se fosse um pacote de fundos que vai te dar maior retorno financeiro. Eu pessoalmente acho que isso aí é uma furada. Você vai criar inovação, ser criativo, se você tem energia, paixão pelo que faz. Você tem duas formas de fazer as coisas, e ouvi isso ao longo da carreira: ou achar um emprego que se encaixe no que quer ou criar seu próprio emprego. Se você gosta de uma coisa, invista nela e, se não achar o emprego, crie seu próprio emprego.

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