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Escolas de São Paulo discordam de Base Nacional Curricular Comum

Colégios particulares ameaçam não seguir orientações de documento do MEC para alfabetização, caso texto não seja mudado

Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo e Isabela Palhares
Atualização:

SÃO PAULO - Escolas particulares de ponta em São Paulo dizem que não vão seguir a parte de alfabetização da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) caso não haja mudanças. O texto atual é considerado “ultrapassado” porque induziria as escolas a alfabetizar dando importância ao treino das letras e à memorização. A terceira versão da BNCC está sendo analisada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) desde abril e deve ser votada em dezembro. 

Colégio Anália Franco, em São Paulo.'A maioria aprende muito mais com a brincadeira e a leitura indireta', afirma a diretora Nevinka Tomasich Foto: JF Diório/Estadão

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Quando aprovada, a Base Nacional Comum vai dizer quais devem ser os objetivos de aprendizagem para os estudantes brasileiros em cada etapa de ensino. Nesta semana, o CNE divulgou 283 documentos com críticas e considerações sobre o documento. Muitos mencionavam a alfabetização. 

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“A alfabetização não é ensinar a letra, o som e aí a criança junta as duas coisas. Ela precisa ler e escrever em contextos reais”, diz a diretora pedagógica do Ensino Infantil e Fundamental 1 da Escola da Vila, na zona oeste da capital, Fernanda Flores. A instituição foi uma das que encaminhou carta ao CNE, pedindo mudanças. A escola questiona, por exemplo, trechos da BNCC que dizem que o aluno “não pode escrever qualquer letra em qualquer posição”.

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Segundo a escola, “inúmeras investigações já indicaram que não é somente recebendo informações que o aluno aprende a escrever, mas sim colocando aquilo que aprende em jogo ao escrever, de forma ativa e consciente.” Segundo ela, a escola manterá esse enfoque na alfabetização, mesmo que a BNCC seja aprovada dessa maneira.

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O Colégio Oswald de Andrade, na zona oeste, também não pretende modificar seu projeto pedagógico por causa da nova norma. “É um retrocesso em relação a tudo que se aprendeu nos últimos 30 anos. A alfabetização não é uma transcrição, ela é cognitiva”, afirma a coordenadora pedagógica da escola, Rosane Reinert. Ela afirma estar preocupada com termos como ‘treino’ e ‘cópia’ presentes no texto que, “com muito custo, conseguimos tirar da cabeça dos professores”. E explica que as crianças aprendem as letras em uma construção com os professores quando, por exemplo, ouvem histórias ou ajudam a escrever um recado na lousa. “A professora vai perguntando, que letra vem agora para escrevermos ‘parque’, começamos de baixo para cima, onde já vimos essa letra?” 

As ideias de alfabetização defendidas pelas escolas particulares têm como origem o construtivismo, movimento que começou a ganhar força no Brasil depois da década de 1980 e coloca a criança - no lugar do professor - como foco da aprendizagem. Ele se contrapõe a métodos tradicionais que usam cartilhas, por exemplo, com ensino silábico. Mas não há um padrão na forma de alfabetizar entre as escolas do País. 

Os últimos resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização, exame federal, mostram que 54,7% das crianças do 3.º ano estão em níveis insuficientes de leitura e não conseguem identificar informações explícitas em um texto.

Currículo

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De acordo com Rossieli Soares da Silva, secretário da educação básica do Ministério da Educação (MEC), órgão responsável pela BNCC, as críticas estão sendo analisadas e podem ser incorporadas. Mas, segundo ele, o documento não diz como as escolas devem ensinar.

“A Base não é currículo. Ela não está dizendo que os alunos têm de decorar o alfabeto e, sim, que têm de saber o alfabeto”, afirma o secretário. 

Para a coordenadora de Língua Portuguesa do Colégio Lourenço Castanho, na zona sul de São Paulo, Katia Nanci, a aprendizagem do som e das letras é importante, mas não pode ser o foco do processo. A escola apresenta várias formas de literatura - como parlenda, rimas e trava-língua - para despertar o interesse das crianças para leitura e escrita. 

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O material (didático) não é impositivo. Ele dá opções para os professores e as redes de ensino estão muito felizes com esse formato. É isso o que importa

Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação Básica do Ministério da Educação

“A maioria aprende muito mais com a brincadeira e a leitura indireta”, completa Nevinka Tomasich, diretora do Colégio Anália Franco, na zona leste, que também não pretende seguir as recomendações. 

Não há consenso sobre a obrigatoriedade das escolas em cumprir a BNCC depois que for aprovada no Conselho. Segundo o integrante do CNE e presidente da comissão da Base, Cesar Callegari, ela passará a ser uma “bússola” para escolas, mas não haverá punição. 

“A Base prescreve direitos dos alunos, mas não especifica como esses direitos devem ser concretizados. Isso fica a critério das escolas e sistemas.” Já o presidente do CNE, Eduardo Deschamps, afirma que as escolas que ignorarem a norma podem ser proibidas de abrir matrículas ou ter cassada a autorização para funcionar.” 

Escolha de livro didático já motiva atrito com entidades

A escolha dos livros didáticos que serão comprados pelo Ministério da Educação (MEC) para as escolas públicas é alvo de críticas e preocupação de especialistas. Ainda sem uma versão definitiva para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o edital da compra prevê que as obras sigam a versão ainda não oficial do documento, o que é questionado por entidades. 

O MEC abriu um chamamento público para selecionar 600 professores da rede pública e privada da educação básica e superior que tenham, pelo menos, mestrado para avaliar cerca de 260 coleções de livros para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1.º ao 5.º ano) e manuais de professores da educação infantil que poderão ser selecionados e enviados às escolas em 2019. 

Nesta quinta-feira, 9, a Associação Brasileira de Currículo (ABdC) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) anunciaram que não vão indicar profissionais para atuar na avaliação por considerarem que o edital contém muitos equívocos. Os nomes indicados por elas seriam depois selecionados pelo MEC para compor uma comissão, que vai organizar o processo de avaliação. 

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As duas associações criticam a adoção da BNCC como referência, uma vez que o documento ainda não foi aprovado, e dizem que o edital prevê materiais que controlam e limitam a atuação do professor - é determinado, por exemplo, que as obras contenham propostas concretas e completas de avaliação da aprendizagem para crianças de 0 a 3 anos e estabelece que os livros proponham avaliação de 15 questões por bimestre ou 20 por trimestre. 

“Do modo como foi colocado no edital, o material didático fere a autonomia do docente em sala de aula. É um total controle da atividade do professor. Não adianta nós avaliarmos se o conteúdo tem boa qualidade ou não, quando a sua filosofia é completamente equivocada e nociva ao ensino. Por isso, decidimos por nos abster de participar do processo”, disse Inês Oliveira, presidente da ABDC.

A saída das duas entidades preocupou a Associação Brasileira dos Autores de Livros Didáticos (Abrale) e a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), que consideram que a ABdC e ANPEd têm condições de uma avaliação com base em critérios pedagógicos. Nos últimos dias, grupos religiosos têm divulgado mensagens nas redes sociais convidando professores que queiram fiscalizar e denunciar conteúdos que promovem a ideologia de gênero a se candidatar para as avaliações.

“Vemos com muita apreensão toda essa discussão que está ocorrendo em torno do edital. Defendemos que a avaliação seja orientada por critérios pedagógicos e não por questões externas, religiosas ou políticas. Entendemos que o momento que vivemos pede uma avaliação criteriosa feita por associações ligadas aos meios acadêmicos”, disse Silvia Panazzo, presidente da Abrale. 

Rossieli Soares da Silva, secretário da Educação Básica do MEC, disse que é direito das entidades não indicar profissionais e afirmou que outras já apontaram centenas de nomes para a comissão. Ainda segundo o secretário, é essa comissão que vai estabelecer os critérios profissionais e acadêmicos para a seleção dos avaliadores, o que vai garantir que não haja interferência política. /