Erro ao escolher carreira faz universitário desistir de curso

Pressão dos pais e falta de informação ao optar pela graduação ajudam a explicar a alta evasão nas faculdades do País: de 1,4 milhão de alunos, quase metade desistiu entre 2006 e 2009

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Por Isis Brum
Atualização:

Feliz na carreira de tradutora, Júlia Siqueira e Mello, de 25 anos, estudou Direito por dois anos, forçada pela mãe, advogada. Quando pegou sete exames das sete disciplinas que cursava ao final do segundo ano, decidiu que era hora de batalhar por seu próprio sonho. Ela é mais uma entre mais de meio milhão de estudantes que abandonam, anualmente, o ensino superior antes da conclusão, de acordo com dados do Censo da Educação Superior. Entre 2006 e 2009, período correspondente a uma graduação padrão, ingressaram pouco mais de 1,4 milhão de alunos nas faculdades do País e apenas 827 mil se formaram. A evasão, superior a 621 mil universitários, tem como principal motivo o erro na hora de escolher a graduação.

 

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Pressão dos pais, como a situação vivida por Júlia, e falta de informação sobre a instituição e o mercado de trabalho da carreira escolhida estão entre as principais causas de desistência do curso para 44,5% dos universitários consultados em um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) sobre as causas da evasão escolar nas universidades do País. Este mapeamento integra uma extensa pesquisa sobre o ensino superior privado, intitulada O desafio de colocar 10 milhões de estudantes no ensino superior, divulgada no IV Congresso Brasileiro de Educação Superior Particular, realizado  em Salvador, Bahia, no mês passado.

 

De acordo com o documento, os números da rede pública são bastante similares aos da particular. A melhora da economia e a ampliação do acesso aos financiamentos públicos para estudar, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Financiamento Estudantil (Fies), contribuíram para que “problemas financeiros” não estivessem entre as principais razões para a evasão escolar na rede privada. Ao contrário, esse tipo de alegação está embutida em um conjunto de motivações pessoais – entre as quais estão problemas familiares e afetivos – que somam 10,5% dos evadidos.

 

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A estudante Isabel Sant’Anna, de 22 anos, também faz parte da estatística dos desistentes por erro ao escolher o curso. No caso dela, a culpa foi da falta de informação e não da pressão familiar. Começou a estudar Relações Internacionais porque, segundo conta, gosta de “viajar, de política e de conhecer culturas variadas”. No primeiro semestre, uma disciplina de Economia a fez perceber mais rapidamente que a realidade da carreira estava bem distante da ideia que trazia em sua imaginação.

 

Para os especialistas em Educação ouvidos pela reportagem, os estudantes são obrigados a escolher uma profissão ainda muito jovens. A imaturidade do adolescente, a influência da família e a ideia de que o sucesso é garantido em carreiras tradicionais – especialmente Medicina, Direito e Engenharia – ajudariam a explicar por que os alunos têm errado tanto na hora de escolher o curso.

 

“O estudante ainda sai do Ensino Médio com a visão limitada para o tripé profissional, formado por Medicina, Engenharia e Direito”, observa Antonio Carlos Venezia dos Santos, consultor em escolha profissional do sistema educacional Universitário. “Há pais que presenteiam o filho com um estetoscópio no aniversário para direcionar a vocação”, completa.

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Na opinião de Santos, a atitude mais correta é ajudar o adolescente a descobrir suas afinidades e apresentar a ele o maior número possível de cursos disponíveis. Outras explicações que aparecem no estudo na USP relacionadas à evasão escolar são os problemas estruturais do curso e a insatisfação com o mercado de trabalho, que representam 30,7% e 13,4%, respectivamente, dos motivos para o abandono da vaga.

 

“A profissão é a primeira grande escolha do adolescente. Para eles, é difícil mesmo”, afirma Silvana Leporace, orientadora vocacional do colégio Dante Alighieri, em Cerqueira César, centro da capital paulista. “Alguns não estão preparados e pode haver uma pressão até velada dos pais”, aponta.

 

Na opinião de Silvana, o estudante deve realizar exercícios de autoconhecimento, refletindo sobre suas afinidades e características pessoais para fazer uma boa escolha. “O aluno precisa pensar se gosta de trabalhar em equipe ou prefere atividades solitárias, práticas ou de pesquisa, se gosta de ter horário fixo ou não, e se ajustar”, aconselha a profissional.

 

No caso de Júlia, a falta de sintonia com a carreira era nítida: ela não gostava de ir ao fórum ou ao cartório e teve até depressão durante o curso. O sofrimento acabou quando cancelou a matrícula em Direito e iniciou o bacharelado em Letras – Tradutor e Intérprete. “Mas minha mãe não se conforma até hoje”, conta ela.

 

“A profissão pode até parecer atraente, mas é importante verificar o que é preciso fazer para exercê-la”, recomenda Renato Pedrosa, coordenador da Comissão para o Vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Comvest) e coordenador do Grupo de Estudos do Ensino Superior da Unicamp.

 

Na Federal do ABC, sistema de prevenir desistências

 

A Universidade Federal do ABC tem um modelo inovador para o ingresso de seu aluno. Nos três primeiros anos, ele escolhe entre duas áreas – Ciências & Tecnologias ou Ciências & Humanidades. Após três anos, o aluno se forma bacharel nessas disciplinas ou permanece mais um ou dois anos na faculdade, segundo a opção profissional, e opta por uma das 23 carreiras.

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O modelo prioriza “a formação interdisciplinar e não antecipa a especialização da carreira já no início do curso”, diz o coordenador do bacharel em Ciências & Tecnologias da UFABC, Dácio Roberto Matheus. “Adiar a escolha precoce é efeito da proposta. Primeiro, o aluno é exposto a um conjunto de conhecimentos”.

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