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Do vôlei para a célula-tronco

Um dos principais cientistas do país, Stevens Rehen toca percussão numa banda, anda de skate e ainda surfa

Por Sergio Pompeu
Atualização:

Qual é a trajetória de um cientista? Dirigida a Stevens Rehen, de 38 anos, um dos principais pesquisadores de células-tronco do País, a pergunta produz não uma resposta, mas um mosaico. Nele cabem horas de investigação no laboratório, claro, mas também vôlei, o pai de uma ex-namorada e uma "mancada" de amigos. Após ter anunciado em janeiro a primeira linhagem de células-tronco obtida no País sem uso de embriões, Stevens se prepara para chefiar, nas próximas semanas, o Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias. Considerado em 2007 um dos cem jovens cientistas mais promissores do mundo pelo Fórum Mundial de Ciências de Lyon (BioVision), é percussionista da banda de rock Mula Rouca, surfista e skatista. Veja também:Conheça o som da banda Mula Rouca "O interesse pela ciência? Não sei de onde veio. Talvez do meu pai. Ele queria fazer Medicina, mas foi aconselhado pela família a trabalhar no Banco do Brasil." Na adolescência, Stevens gostava mesmo de música e vôlei. "Fui federado e essa experiência me ajuda até hoje. O vôlei exige que você trabalhe em equipe." Stevens estudou no Colégio Marista São José, na Tijuca, no Rio. "Gostava de biologia, mas achava que ela só me serviria para dar aula." Mudou de opinião quando começou a frequentar a casa da garota que namorou dos 15 aos 19 anos. O pai dela, Roberto Alcântara Gomes, era cientista de renome. Morto em 1991, hoje dá nome ao Instituto de Biologia da UERJ. "Ele estudava radiação e a ação dos agentes que induzem à mutação do DNA, que tanto pode levar ao câncer quanto à evolução." Em 1990, Stevens passou no vestibular para Biologia na Unicamp e na UFRJ. Iniciou o curso em Campinas, mas rompeu os ligamentos do tornozelo num jogo de vôlei e voltou para casa no fim do semestre. Os amigos o convenceram a se transferir para a UFRJ. A carreira de pesquisador começou por acaso. Stevens foi escalado com dois colegas para apresentar um seminário sobre embriologia. "Meus amigos deram o cano e, meio bravo, fiz tudo sozinho." O seminário rendeu o convite para um estágio na equipe do professor Rafael Linden, que pesquisava os fatores determinantes na sobrevivência de células. "Eu fazia cortes ultrafinos com bisturi nos olhos de cobaias, fotografava as lâminas. Depois da lesão na retina, analisávamos o que leva os neurônios a estabelecer conexões ou a morrer - doenças como o Mal de Parkinson são causadas pela morte deles." Stevens terminou a graduação em 1994, o mestrado em 1996 e em 2000 já era doutor e professor assistente. Decidiu fazer pós-doutorado no exterior. Admitido na Universidade da Califórnia, em San Diego, mudou-se com a mulher, Helena, para a Nobel Drive, que tem esse nome pela quantidade de cientistas premiados que já viveu lá. "Topava na rua ou no câmpus com gente como o (Francis) Crick (que descreveu a estrutura do DNA). Acho que isso me ajudou a perceber que as grandes conquistas da ciência não são inatingíveis." No terceiro ano de pós-doc, Stevens recebeu uma proposta de estágio no Instituto Scripps, outra meca da ciência em San Diego. "A estrutura deles é deslumbrante. Trabalhava muito, mas andava de skate e surfava toda semana." Com essa vida boa, por que a volta ao Rio? "Tinha uma licença aqui na UFRJ, estava numa área que ia bombar, de células-tronco embrionárias, e gostei do desafio de fazer isso no Brasil." Ele montou o laboratório na UFRJ em 2006 e hoje chefia 20 pessoas, a maioria delas estudante. As instalações são modestas. Mas a ciência vai bem, obrigado. Entre as linhas de pesquisa, a menina dos olhos de Stevens é o estudo de mecanismos de diferenciação de neurônios. Ele ganhou renome internacional em 2005 com um artigo no qual relatou a descoberta, em pessoas sem anomalias, de neurônios com variações no número de cromossomos. Até então, se achava que todas as células do corpo tinham 46 cromossomos. A teoria de Stevens é ousada: não é só a carga genética que determina o que somos, mas também o perde-ganha de cromossomos, parte do processo natural de diferenciação de neurônios. "É uma ‘digital’. Cada pessoa tem uma combinação única de neurônios. Seu próprio mosaico."

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