Discussão de cotas está contaminada

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Por Paulo Saldaña , Sergio Pompeu e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

A iminente sanção presidencial do projeto que cria cotas em universidades federais para alunos de escolas públicas mostrou o quanto essa questão está atrelada a um debate emocional. Debate que, em algum momento, precisa sair da análise da justiça ou injustiça da medida para os efeitos da sua aplicação no ensino público. Porque ninguém a esta altura duvida que a presidente Dilma Rousseff vai sancionar o texto aprovado no Senado, que destina 50% das vagas a quem fez todo o ensino médio em escolas públicas.

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Fizemos ontem no Estadão.edu uma videoconferência para discutir o projeto e os argumentos contra e a favor da medida ainda eram herdadas, basicamente, da polêmica sobre cotas raciais. O texto aprovado é mais sofisticado do que propostas baseadas unicamente no recorte de raça. O princípio básico é beneficiar o aluno do ensino público, com critérios de renda e raciais associados.

A mensagem de "sim, você pode" dirigida aos estudantes da rede pública é pertinente e necessária. Acreditar que se pode chegar lá, especialmente quando se é o primeiro da família a mirar o ensino superior, tem um efeito poderoso para o candidato que hoje se vê inferiorizado na disputa com quem tem acesso a melhores escolas e vive num ambiente que combina altas expectativas, escolaridade dos pais, acesso a informação e tecnologia, entre outros fatores.

Outro aspecto positivo da cota é mudar a perspectiva na definição de conceitos como talento, potencial e formação. Uma critica antiga que se faz ao vestibular é a de que ele mede mais a familiaridade com o seu próprio modelo (ter recebido treinamento específico para esse tipo de prova) do que potencial. Quem é melhor: o aluno de uma escola maltratada de periferia, com pais iletrados e professores sobrecarregados que tira, digamos, 7 ou o aluno de escola de ponta, com todos os recursos materiais e intelectuais disponíveis, que tem nota 9,5?

Esse, aliás, é um dos mitos que envolve as cotas: elas não foram concebidas para premiar gente burra e indolente. Premiam gente de potencial que sai em uma corrida com enorme desvantagem. Tratar igualmente os desiguais nesse caso não faz sentido -- pode fazer em outros ambientes, como o sistema penal. Mesmo em termos de resultados: em instituições que já adotam o porcentual de 50%, caso da Universidade Federal do Pará (UFPA), o desempenho dos cotistas foi semelhante ao dos alunos.

Para mim o ponto mais importante da crítica ao projeto é o, digamos, oportunismo político. É muito mais fácil aprovar uma lei de cotas do que transformar a qualidade do ensino público, especialmente em anos de eleição, como este. E a tendência da classe política é a de trocar a cirurgia pelo esparadrapo, com a desculpa de que no longo prazo estaremos todos mortos. A prova disso é que as cotas serão sancionadas com pompa e circunstância, mas o governo fará o que estiver ao seu alcance para impedir a aprovação do projeto que destina 10% do PIB para a educação. Não que os 10%, por si só, sejam a solução de tudo. Mas a afirmação máxima da definição de prioridades em uma agenda administrativa é abrir o caixa.

Outra necessidade é de se começar a analisar o impacto das cotas sobre a rede pública. Como ficará o acesso às escolas técnicas de ensino médio, por exemplo, joias da Coroa das redes paulista e federal? Várias dessas escolas, ilhas de excelência, têm vestibulinhos mais concorridos do que a média das vagas em universidades. Será que a cota não vai incentivar a criação em larga escala de cursinhos pré-vestibulinhos? E isso não pode distorcer os objetivos do projeto aprovado esta semana? É preciso sair um pouco do debate do mérito das cotas e iniciar, pelo menos, a discussão dos seus efeitos.

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