Calouro da PUC de Campinas é 'crucificado' por veteranos

Lençóis do hospital da instituição também foram incendiados durante competição esportiva em setembro do ano passado

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Por Luiz Fernando Toledo
Atualização:

SÃO PAULO - Um calouro da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) foi "crucificado" por veteranos em uma competição esportiva com outras universidades em setembro do ano passado. No mesmo evento, lençóis usados pelos alunos no Hospital e Maternidade Celso Pierro, o hospital da PUC-Campinas, foram incendiados.

As imagens, obtidas pelo Estado, foram registradas pelos próprios estudantes e divulgadas à época nas redes sociais, mas apagadas poucos dias depois. As ações são alvo de sindicância interna na PUC-Campinas, que proíbe o trote desde 2005. Já os alunos envolvidos negam que tenha havido trote e afirmam que era uma brincadeira. A instituição confirmou que os fatos "estão sendo apurados", mas que o processo está em sigilo.

Estudantes negam trote; aluno crucificado diz que participou da encenação voluntariamente Foto:

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Os episódios aconteceram durante a Intermed, competição esportiva entre universidades paulistas de Medicina criada em 1966 e realizada tradicionalmente em setembro. Em 2015, foi realizada na cidade de Taquaritinga, no interior do Estado. O evento e a PUC-Campinas já foram alvo de apurações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que analisou os trotes e outras violações de direitos humanos nas instituições de ensino paulistas.

Durante a abertura dos jogos, o aluno foi colocado pelos veteranos em uma cruz montada pelos próprios estudantes para simular a crucificação de Jesus Cristo. Para ficar "pendurado", ele segurou duas cordas presas à madeira. O suposto trote tinha relação com o nome do estudante, Jesus. A tinta azul que aparece no corpo do jovem na imagem também é parte da ação.

Procurado, o estudante "crucificado", Lucas Jesus, disse que viu o episódio como uma brincadeira e que ajudou a construir a cruz com uma vaquinha feita na universidade. Apesar das acusações, ele negou ter participado de trote e que tudo foi por vontade própria. "Tudo isso foi apenas uma brincadeira que eu e meus amigos levamos adiante. Sem nossa vontade e empenho para com a construção da cruz nada daquilo teria acontecido", disse ao Estado.

Já os lençóis, que segundo relato dos estudantes teriam sido furtados do hospital dos residentes, eram usados como material inflamável nas "papaveiras", estrutura de metal no formato do símbolo da Associação Atlética Carlos Oswaldo Teixeira (AAACOT), a atlética da Medicina. Trata-se de uma caveira com um bisturi, uma tesoura e um chapéu de clérigo em referência ao papa.

Segundo relatos de estudantes à CPI, o trote no local é contínuo e pode acontecer ao longo do ano, não só na recepção de calouros. Desde as investigações, um grupo de alunos decidiu criar o Coletivo Semente, que passou a receber alunos e incentivá-los a denunciar práticas de trote, além de acolher possíveis vítimas.

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"O trote ainda faz parte da realidade da Faculdade de Medicina. Ele se configura como todo e qualquer ato que submeta um aluno mais novo na faculdade a um veterano", diz o grupo, em nota. "Um aluno que passa pelo trote e o assimila, tornar-se-á um trabalhador adestrado, sem capacidade de questionamento e de se organizar contra as incessantes investidas do mercado que implicam precarização extrema das condições de trabalho dos médicos."

Ao Estado, o presidente da Atlética, Renato Morelli Berg, disse que as fotos foram feitas na abertura da Intermed, com a presença de 11 faculdades, quando a "criatividade" é importante para chamar a atenção de outras torcidas. O aluno na cruz, segundo ele, levou a crucificação como uma "brincadeira".

"Vale salientar que não existem amarras ou qualquer tipo de instrumento que causa dor física ou mental na cruz. Nada é obrigado aos participantes, e a organização do evento busca apenas conter os excessos", disse Berg. Ele afirmou ainda que a Atlética não tem conhecimento do uso dos lençóis do hospital.

Demissões. No ano passado, a universidade já havia demitido três docentes da Faculdade de Ciências Médicas depois de um dossiê feito por alunos com relatos de abusos físicos e psicológicos por alunos veteranos e professores ser encaminhado à instituição.

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Na mesma época, esses professores haviam sido chamados para depor na CPI do Trote acusados de perseguir alunos que fizeram as denúncias de violência e também de estar presentes em festas e eventos em que aconteceram casos de violência contra os alunos. O motivo oficial das demissões, no entanto, não foi divulgado pela instituição.

Entre as denúncias estavam casos de abusos físicos, ofensas sexuais e trotes desumanos. As vítimas descreveram que os calouros eram obrigados a, por exemplo, simular sexo oral, andar em uma piscina de urina, fezes e vômito, além de levar socos e tapas na cara.

Veja a íntegra da resposta do presidente da AACOT, Renato Morelli Berg:

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INTERMED: a INTERMED é realizada por todas as atléticas que fazem parte da LEAMESP (Liga Esportiva das Atléticas de Medicina do Eatado de São Paulo), somos em 19 atléticas que se reúnem para organizar esse evento com fim esportivo. A parte festiva que nos cabe é exclusivamente dentro dos ginásios. O intuito é realmente é quase que exclusivamente esportivo. A Medicina leva o esporte muito a sério, e ao nosso ver esporte nunca fez mal a ninguém e sim o contrário. Cada atlética de cada faculdade participante fica responsável por levar seus atletas e organiza-los durante a competição, pessoas que não são atletas, mas são estudantes também frequentam a INTERMED como torcedores.

Sobre a foto: a foto realizada, aconteceu provavelmente durante a abertura dos jogos, na qual as 11 faculdades se reúnem num ginásio determinado e tocam suas baterias e exercem toda demonstração de união por parte da torcida. A criatividade é bastante importante nesse momento, pois todas as torcidas querem chamar a atenção. Tínhamos um Bixo (calouro) com o apelido de Jesus, pois esse era seu próprio sobrenome e assim ele acabou ficando conhecido dentro da sua sala, dentro das suas equipes e até mesmo dentro da atlética posteriormente. Ele foi integrante da atlética, após a INTERMED. A cruz que foi levada aos jogos foi feita por iniciativa deles mesmo, dele e dos amigos da sala. Ele fez questão de levar a brincadeira a diante por iniciativa própria. Para ele era muito importante participar da brincadeira do seu primeiro ano de faculdade depois de passar muito tempo estudando. A foto em si comprova isso. Ele está ao lado dos amigos de sala, todos alegres e rindo. Todos fizeram pose pra foto, queriam estar ali. Vale salientar que não existem amarras ou qualquer tipo de instrumento que causa dor física ou mental na cruz. Nada é obrigado aos participantes, e a organização do evento busca apenas conter os excessos, o que, dadas as circunstâncias específicas do caso, não foi verificado nada. Cabe a nós, que recebemos novos jovens dentro da "nossa casa" (a faculdade de Medicina) a cada semestre, realizar aproximação através da boa vontade deles e de toda nossa disposição em mostrar o quanto a época de faculdade poder ser boa com muitos amigos. Sem preconceito e distinção alguma. Somos a favor do esporte e dentro do esporte não há preconceito. Episódio dos lençóis: Quanto aos lençóis, nos da atlética não temos conhecimento. Nós apenas organizamos a competição e buscamos fazer sempre o melhor pelos nossos atletas e faculdade. Estamos numa ascendente muito boa no âmbito esportivo e é apenas esse nosso objetivo. Torcer sempre para que pessoas que gostem de esporte entrem em nossa faculdade. Mas no dia-a-dia discente, somos todos alunos da medicina Puccamp, sem nenhuma distinção. Presidente da AAACOT (Associação Atlética Acadêmica Carlos Osvaldo Texeira) - Renato Morelli Berg

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