A avaliação dos egressos do curso de Medicina

Para Jacqueline Costa Teixeira Caramori, professora livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), não dá para jogar a culpa de formação do médico no aluno

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Por Ocimara Balmant
Atualização:
A professora livre-docente da Faculdade de Medicina da UNESP, Jacqueline Costa Teixeira Caramori Foto: Jaqueline Costa Teixeira Caramori

A avaliação dos egressos de Medicina é tema de discussão constante. Em São Paulo, a obrigatoriedade do exame realizado pelo Conselho Regional (Cremesp) já foi parar até na Justiça. Em nível nacional, o governo criou a Avaliação Nacional Seriada de Estudantes de Medicina (Anasem) e até agora aplicou o exame somente uma vez, em 2016. “O aluno é o produto da escola, tem de ser avaliado, mas o processo não pode se ater a ele”, afirma Jacqueline Costa Teixeira Caramori, professora livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Temos um número gigantesco de escolas sem estrutura. E não são apenas as recentes. Há muitas tradicionais sucateadas, com falta de profissionais, infraestrutura precária e cenários de ensino inadequados. Não dá para transferir a culpa da formação do médico para o estudante”. Leia a seguir a entrevista com a professora Jacqueline:

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Qual sua opinião sobre avaliar o egresso de Medicina? Essa questão vem sendo debatida de longa data e encontra uma certa fraqueza em nosso sistema de ensino, que ainda não adotou uma padronização e permite que entidades que não são responsáveis pelo ensino avaliem o estudante. É uma inconsistência do processo avaliativo. Os conselhos e associações médicas deveriam avaliar o médico no mercado de trabalho, fazer exames de renovação de registro, por exemplo. Muitos dos problemas que a população sofre decorrem da falta de atualização e de habilidade dos médicos em determinados procedimentos, mas parece que o alvo é apenas o profissional recém-formado. 

E como deveria ser a avaliação desse egresso? A educação tinha de estar por conta das escolas e do governo. Não sou contra uma avaliação inserida no decorrer do curso, que não fosse terminal. Fazer só no final da graduação uma prova de teste não permite corrigir a formação do indivíduo para que ele atenda à expectativa da sociedade. Não adianta tirar o título depois de formado. E também não adianta avaliar somente o estudante.

As escolas precisam entrar nessa conta, não é? É claro. O governo tem responsabilidade quando permite a abertura de escolas e depois não acompanha o trabalho delas. Hoje temos um número gigantesco de escolas sem qualquer estrutura soltando profissionais para o mercado. E não são apenas os cursos recentes. Mesmo as escolas tradicionais estão sucateadas, com falta de profissionais, infraestrutura precária e cenários de ensino inadequados. Não dá para transferir a culpa da formação do médico para o estudante. O aluno é o produto da escola, tem de ser avaliado, mas a transferência total da responsabilidade para o estudante não é correta. Ele é fruto de um processo formativo que leva seis anos e que não se atém só ao conteúdo. A avaliação deveria ser mais ampla.

De que forma? A Anasem foi realizada em apenas uma edição, em 2016, e trazia o que a gente considera razoável no nível cognitivo e no processo gradual porque o estudante seria avaliado em três provas no decorrer dos seis anos de curso. Mas o cognitivo não é suficiente. A prova deveria avaliar também habilidades e atitudes, fundamental no exercício da profissão. De qualquer forma, foi interrompida. O Inep (órgão do MEC responsável pelas avaliações) não aplicou a prova aos calouros de 2017 e não se fala nada sobre o assunto em 2018. O caminho seria retomar o processo e repensar o modelo. A avaliação precisa ser feita de múltiplas formas, de modo enxergar o egresso por múltiplos ângulos. Só assim saberemos se esse médico está preparado para atender às expectativas da população.

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